terça-feira, 25 de março de 2025

Pensamento do Dia

 


Anistia e negacionismo histórico

Há poucos dias, este jornal publicou artigo em que um general do Exército defendia a anistia como um instrumento político e jurídico fundamental na história brasileira. A partir de exemplos históricos que demonstrariam como as sucessivas anistias teriam aberto caminho para uma solução pacífica dos conflitos, o general defendeu, então, a anistia aos acusados pelo 8 de Janeiro.

O texto não surpreende. Afinal, anistias foram instrumentos historicamente usados por oficiais militares para garantir a própria impunidade. Também produziram o esquecimento coletivo e a própria naturalização de seus crimes. Aliás, o mesmo general, ministro da Saúde de Bolsonaro, até hoje não foi responsabilizado pela tragédia que vivemos naqueles anos, a despeito de ter sido indiciado pela CPI da Covid do Senado Federal.

O mantra da caserna de um Duque de Caxias "pacificador" ignora uma folha corrida de massacres, da Guerra do Paraguai às rebeliões regenciais. O espírito de "reconciliação" de Caxias talvez só tenha existido frente aos escravocratas que lideraram a Farroupilha, destinando aos Lanceiros Negros o Massacre de Porongos. Ali, sua ação contrastou com a resposta dada pelo militar às revoltas populares como a Cabanagem e a Balaiada, que resultou em dezenas de milhares de mortos.


A ideia de que a repressão à "Intentona" Comunista de 1935 foi a forma de "evitar um maior esgarçamento do tecido social" chega a ser inacreditável. Em 1937, uma grande fake news produzida por um tal capitão Mourão (não o amigo do general, mas Olímpio Mourão Filho) fomentou o anticomunismo do Exército para legitimar o golpe e a ditadura do Estado Novo, com brutal repressão. A anistia veio quase uma década depois, não sem antes deixar um enorme saldo de torturados e mortos. O exemplo também ignora que o Partido Comunista ficou proscrito por quase todo o século 20. Será que o general aceitaria igual destino para seu atual partido, em nome da "reconciliação nacional"?

Por fim, a ideia de que a anistia de 1979 foi ampla, geral e irrestrita é uma falsificação histórica das mais grosseiras. Essa foi a palavra de ordem construída pela sociedade civil a partir de meados dos anos 1970, por meio da qual os Comitês Brasileiros pela Anistia demandavam não apenas a volta dos exilados e a liberdade dos presos políticos, mas também memória, verdade, reparação e, principalmente, justiça em relação aos mortos e desaparecidos. Figueiredo, o último dos generais ditadores, veio à público repetidas vezes afirmar que os militares jamais aceitariam uma anistia ampla, geral e irrestrita. Mas, ao notar que a luta crescia na sociedade, a ditadura mudou de estratégia. Ao invés de recusar a demanda, ela impôs os próprios termos para a anistia, invertendo completamente os sentidos daquela bandeira popular.

A anistia ampla, geral e irrestrita, que deveria ser sinônimo de memória e justiça, passou a ser a anistia do "esquecimento" e da "reconciliação", que eram, na verdade, sinônimos de impunidade. De fato, esse é o sentido fundamental da lei imposta pelo regime em 1979, por meio de um Congresso ainda sob seu estrito controle: garantir que os torturadores e assassinos de Rubens Paiva e de milhares de outros brasileiros saíssem impunes pelos crimes que cometeram, ao mesmo tempo em que mantinha excluídos dos benefícios diversos militantes ainda presos.

O negacionismo que já conhecíamos em relação às vacinas transforma-se em negacionismo histórico. E reforça o diagnóstico de que nas escolas militares se ensina mitologia ao invés de historiografia. Em verdade, esse negacionismo serve para esconder que anistias tiveram como efeito, ao longo da história, deixar livre o caminho para que golpistas voltassem a atentar contra a democracia. Caso militares golpistas tivessem sido responsabilizados na primeira metade do século 20, possivelmente não teríamos vivido uma ditadura de mais de 20 anos.

E caso os responsáveis por essa ditadura não tivessem sido anistiados em 1979, o deputado federal cujo ídolo é um torturador dificilmente teria chegado à Presidência da República. Assim, poderíamos ter evitado muitos episódios que, ao longo dos últimos anos, demonstraram que a farda tem sido vista, pelos próprios militares, como uma garantia de não responsabilização.

Estamos, portanto, diante de uma encruzilhada histórica. Ou rompemos com o ciclo de impunidade que marca nossa história ou estaremos permanentemente ameaçados pelo risco do retorno ao autoritarismo, com a ascensão de torturadores e negacionistas ao poder.

A intolerância política na internet e a urgência de superação da polarização calcificadora

A intolerância política é, hoje, um dos sintomas mais alarmantes da crise democrática que atravessa a sociedade brasileira. Desde a intensificação dos conflitos políticos no país, a partir da segunda década do século XXI, o debate público passou a ser dominado por uma lógica de polarização emocional, alimentada por discursos extremados, deslegitimadores e incapazes de reconhecer a legitimidade do outro. Nesse cenário, as redes sociais se tornaram ambientes propícios à radicalização, substituindo o diálogo por slogans, e a escuta por reações impulsivas. A internet, nesse processo, não apenas espelha as fissuras políticas e sociais, mas também age como amplificadora de afetos negativos que “calcificam” as relações sociais e corroem a possibilidade da convivência democrática.

Essa calcificação das relações sociais se manifesta na consolidação de dois campos antagônicos, que se veem como únicos porta-vozes legítimos de toda a população. Cada lado constrói para si uma narrativa autojustificadora, onde todas as virtudes residem em seu campo e todos os defeitos, no campo oposto. Essa visão binária dificulta o reconhecimento da pluralidade de perspectivas que caracteriza uma sociedade complexa e diversa como a brasileira. O que se observa, em consequência, é a substituição da política como espaço de mediação e negociação por uma arena de confronto existencial, em que os adversários deixam de ser interlocutores legítimos e passam a ser inimigos a serem eliminados simbolicamente — e, por vezes, fisicamente.


Esse ambiente de antagonismos irreconciliáveis gera um tipo de ativismo convicto de suas próprias certezas, que não admite dúvidas, contrapontos ou ambiguidades. A política se converte em um campo moralizante, onde cada grupo se arroga o monopólio da verdade, da justiça e da virtude. Nesse modelo, emoções políticas complexas como o cuidado, a compaixão ou a escuta se tornam quase impossíveis de serem expressas, pois são vistas como sinais de fraqueza ou traição à causa. A intolerância cresce como consequência natural dessa dinâmica, afetando não apenas o debate público, mas também a saúde mental da população, que se vê submetida a uma constante atmosfera de tensão, medo e ressentimento.

As lideranças políticas, longe de conter essa escalada, muitas vezes a incentivam, pois sabem que o engajamento emocional — mesmo que negativo — é um instrumento poderoso de mobilização. O medo do outro, a raiva diante da diferença e a crença de que o adversário representa uma ameaça existencial alimentam campanhas políticas e estratégias de poder. Não se trata apenas de disputa por votos, mas de construção de identidades políticas fechadas, que se fundamentam na exclusão do diferente e na reafirmação constante de uma suposta superioridade moral. O resultado disso é a transformação dos manuais de comunicação política em verdadeiros “manuais de combate existencial”, onde a linguagem serve menos para argumentar e mais para atacar, desmoralizar e destruir.

Nesse contexto, torna-se urgente enfrentar com coragem e responsabilidade o processo de polarização que endurece mentes e sentimentos, e que estabelece “verdades” sem reflexão crítica ou estudo aprofundado. A política, para cumprir seu papel civilizatório, deve ser um espaço de aprendizado mútuo e não de doutrinação. É preciso reconhecer que há outras visões de mundo possíveis, outras experiências legítimas de existência, e que o desacordo faz parte da vida democrática. Isso implica abandonar a arrogância intelectual e afetiva, que acredita possuir todas as respostas e que recusa qualquer possibilidade de escuta ou revisão de suas próprias certezas.

A intolerância política na internet é a expressão mais visível desse processo, pois ali a agressividade encontra terreno fértil para se manifestar sem freios. As redes sociais, organizadas por algoritmos que favorecem o engajamento emocional e a viralização de conteúdos polarizadores, criam bolhas informacionais onde se reforçam preconceitos, se produzem desinformações e se alimenta o ódio. O anonimato e a despersonalização das interações online contribuem para a intensificação das violências simbólicas, que frequentemente transbordam para o mundo offline. Casos de agressões físicas, ameaças, cancelamentos e até homicídios motivados por divergências políticas vêm se tornando mais comuns, e não podem ser naturalizados.

Esse ambiente de hostilidade constante corrói as bases da democracia, pois inviabiliza a formação de consensos mínimos e destrói as condições para a deliberação pública. A política, que deveria ser espaço de construção coletiva, passa a ser percebida como guerra permanente, onde só pode haver vencedores e vencidos. A ideia de bem comum é substituída por estratégias de sobrevivência discursiva e territorial. A consequência disso é o enfraquecimento das instituições, o descrédito nos processos eleitorais e o aumento da violência política. A democracia, quando submetida a essa lógica, deixa de ser um regime de convivência com a diferença e se aproxima perigosamente da tirania das maiorias.

O Brasil vive hoje essa encruzilhada. Ou se reconstrói um ethos político fundado na tolerância, na escuta ativa e no respeito à pluralidade, ou estaremos condenados a uma escalada contínua de conflitos, ressentimentos e rupturas. Isso exige, antes de tudo, uma revalorização da paz cotidiana. A convivência democrática não se constrói apenas nas urnas ou nos tribunais, mas no dia-a-dia das interações sociais, familiares, comunitárias e digitais. Precisamos reaprender a conviver com a divergência, sem que ela se transforme em motivo de ódio ou desprezo. Precisamos incorporar a ideia de que o outro, mesmo quando pensa diferente, é parte integrante do mesmo corpo social e merece consideração.

As emoções políticas precisam ser reconectadas com práticas de cuidado, empatia e responsabilidade. Isso significa construir uma pedagogia da escuta e da convivência, que ensine a lidar com a diferença como algo constitutivo da vida pública e não como ameaça. Também é necessário investir em educação midiática e literacia digital, para que os cidadãos sejam capazes de discernir entre discurso legítimo e manipulação emocional, entre crítica política e incitação ao ódio. Os meios de comunicação e as plataformas digitais têm responsabilidade nesse processo, devendo promover ambientes mais seguros, plurais e respeitosos.

Abandonar a arrogância é, portanto, um gesto de maturidade democrática. É reconhecer que nenhuma posição é absoluta, que todos os lados podem aprender com os outros, e que a construção de um país mais justo e democrático passa pela valorização do diálogo e da escuta. A superação da polarização calcificadora não será um processo simples, mas é um caminho necessário. Precisamos substituir os “manuais de combate existencial” por manuais de convivência democrática, onde a política seja compreendida como espaço de encontros possíveis, de divergências produtivas e de construção coletiva do futuro.

Se quisermos preservar a democracia como forma de vida, precisamos urgentemente recuperar a capacidade de conviver com a diferença. Precisamos de paz, tolerância e escuta no dia-a-dia.

Precisamos abrir espaço para novos sentimentos e emoções políticas que reflitam a diversidade e a complexidade do povo brasileiro. E, acima de tudo, precisamos reaprender que a política não é a arte de destruir o outro, mas a arte de viver juntos.

Eu não quero ser Rubem Braga

Neste momento em que começam as primeiras batalhas da Terceira Guerra, quando já se ouvem ao longe os clarins das novas bandas militares, eu espero que o diretor deste jornal não tenha a mesma ideia de seu colega do Diário Carioca, Horácio de Carvalho, em 1944.

Quando o Brasil se juntou aos aliados para enfrentar o Eixo de Hitler no front da Segunda Guerra, ele escalou como correspondente no conflito o cronista de amenidades do jornal. Rubem Braga, que escrevia sobre a observação de passarinhos, moças e borboletas amarelas nos céus do Rio, foi mandado relatar o circuito dos caças aéreos derramando bombas sobre os campos italianos. Não, senhor diretor, eu não quero ser Rubem Braga.

No alto, à esquerda, Rubem Braga; agachado, Joel Silveira

No próximo 8 de maio o mundo vai lembrar os 80 anos da rendição alemã, o Dia da Vitória, e ao invés da alegria de todos saírem às ruas, celebrar a paz e cantar “We are the world”, a expectativa é que a qualquer momento o diretor vai escalar mais um cronista para deixar as delicadezas da vida e seguir rumo à Ucrânia, Gaza, Irã, onde narrará o que vai pelos campos da morte.

Nos Diários Associados, o correspondente enviado à Segunda Guerra foi Joel Silveira, “a víbora”. Não era exatamente um cronista, mas escrevia com personalidade e, como mostram suas duas reportagens clássicas sobre os Matarazzo paulistas, tinha o humor venenoso que lhe deu o apelido. Quem o pautou foi o dono do jornal, o folclórico Assis Chateaubriand. Chatô foi claro como os ternos largos que vestia:

“O senhor vai pra guerra, seu Silveira, mas não me morra! Tá me ouvindo? Não me morra, seu Silveira! Repórter é pra mandar notícia, não pra morrer!”

Joel Silveira e Rubem Braga embarcaram com a Força Expedicionária Brasileira e é assim, fardados com outros soldados, que estão na capa de “Heróis por acaso – Espionagem no Brasil durante a Segunda Guerra Mundial”. O livro, um dos muitos que serão lançados nos próximos dias para lembrar o armistício, mistura realidade e ficção. É assinado por Paulo Valente, filho de Clarice Lispector.

Eu repito, dispenso a honraria. Não quero ser o Rubem Braga da Terceira Guerra, muito menos a genial víbora peçonhenta do Silveira. Alguém, no entanto, precisará fazer o serviço enquanto eu permaneço na não menos dura guerra urbana carioca. A quem couber a escolha do diretor de redação, recomendo que antes de embarcar leia “Com a FEB na Itália”, os relatos de Braga sobre os nove meses em que acompanhou nossos pracinhas na busca do escalpo dos tedescos. Ao mesmo tempo que, repórter, noticiava o avanço da tropa, ele, cronista, traçava quadros de delicadeza sentimental como o da menina italiana Silvana, ferida por uma granada, um clássico da literatura nacional.

Definitivamente, eu não quero ser Rubem Braga, e parece que nem será necessário mandar cronista de amenidades para descrever os bastidores das batalhas. Vem aí uma guerra de drones. Não haverá um bar de hotel de Roma. Uma loura não estará na mesa ao lado esperando que lhe acendam o cigarro. O novo Rubem Braga não lhe dará fogo como fez o antigo. Não se apaixonará por ela, não precisará ser alertado por um oficial inglês como aconteceu com o cronista em 1944. A loura é uma espiã.

A Terceira Guerra vai ser muito chata.

Eu só para os 'civilizados' brancos


Os homens e as mulheres ontem, os judeus e os palestinos hoje: fico pasmo com a incapacidade de os seres humanos viverem juntos no respeito mútuo. Como se o outro devesse necessariamente ser um inimigo. O outro é simplesmente o outro. O outro é como eu. Ele tem o direito de dizer “eu”. Nós, homens brancos, civilizados e ricos, não aceitamos que o outro diga eu
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José Saramago

Gaza: por que não se chama genocídio a um genocídio?

O número foi “atualizado” este domingo: 50 mil mortos em Gaza. Netanyahu prossegue o genocídio, quebrando o cessar-fogo em nome da sua sobrevivência política agora com um aval superior: Donald Trump já promete limpar a Faixa de Gaza e fazer dali “a Riviera” e dá a luz verde total ao criminoso israelita para a extinção dos palestinos.

A “nova Europa” – França, Reino Unido e Alemanha – fez um comunicado onde se mostrou “chocada” com o ressurgimento dos ataques a Gaza. Mas não irá além disso, como o não foi o Conselho Europeu reunido na semana passada: todo e qualquer opositor da política do governo israelita será acusado de “antissemitismo”. As palavras são sempre cuidadosamente medidas.

Afinal, Keir Starmer expurgou do Partido Trabalhista todos os que se opunham à política do Estado de Israel – como o antigo líder trabalhista Jeremy Corbyn, reeleito nas últimas eleições pela sua circunscrição londrina como independente.

A Palestina está no fim da cadeia alimentar da possibilidade de empatia internacional. Choramos pela Ucrânia, mas depois já não sobra nada para Gaza. É como se existisse uma desumanização dos palestinos que, aos olhos do Ocidente, são olhados como há dois séculos se olhavam os escravos.


O que Trump defende é exatamente o mesmo que o ministro da Segurança de Israel, Ben Gvir, de extrema-direita – que saiu e agora, com o regresso dos ataques, reentrou no Governo. É uma Faixa de Gaza sem palestinos, seja por migração ou por extermínio, como se está a ver.

Várias agências da ONU e algumas ONG, como a Amnistia Internacional, já se referiram ao que se está a passar em Gaza como um “genocídio”. Até o Papa Francisco, num livro publicado no fim de 2024, alude à palavra “genocídio”, sem a decretar expressamente. Mas Francisco afirmou ser preciso apurar se a mortandade em Gaza “tem as características de um genocídio” e “se enquadra na definição técnica formulada por juristas e organismos internacionais”. E, ao mesmo tempo, fala do extermínio dos judeus pelos nazis, o genocídio dos arménios, o genocídio do Ruanda e dos cristãos no Médio Oriente.

Se Joe Biden sempre apoiou Israel e descartou todas estas acusações, Donald Trump eleva a discussão sobre Israel-Gaza para um novo patamar, instituindo um novo McCarthismo, nome cunhado depois do senador Joseph McCarthy denunciar uma “rede de espiões e membros do Partido Comunista” no Departamento de Estado, tendo sido corresponsável pelas perseguições a uma quantidade enorme de “suspeitos de comunismo” em todas as áreas, da cultura à política, nos anos 50 nos Estados Unidos.

Tendo em conta que, para Trump, defender a Palestina e combater a política de guerra de Israel é igual a defender o Hamas e os atos terroristas contra israelitas, a perseguição e a deportação dos imigrantes acusados de “apoiar terroristas estrangeiros” já está em curso. Mahmoud Khalil, defensor dos direitos dos palestinos, foi preso e, apesar de ter residência permanente nos Estados Unidos e de a sua mulher ser cidadã americana, Trump diz que a presença de Khalil nos Estados Unidos “é contrária aos interesses nacionais e política externa” do país. Há outros cidadãos ameaçados de deportação.

Omer Bartov, por enquanto, não é um deles. Nascido e criado em Israel, antigo combatente nas forças armadas israelitas, especialista em Holocausto e genocídio, o historiador escreveu no verão passado no The Guardian um ensaio sobre como o perturbou a sua última visita a Israel, em 2024, onde foi ver a família e amigos e conhecer a neta.

Omer Bartov – que, depois do 7 de outubro, tinha negado que Israel estivesse a cometer genocídio – escreveu nesse texto: “Já não acredito nisso. Fiquei convencido que, depois do ataque a Rafah em 6 de maio de 2024, não é possível negar que Israel comete crimes de guerra, crimes contra a Humanidade e ações genocidas.”

A comunidade internacional, ao optar por não ver o que se está a passar, é obviamente cúmplice. Trump já sabemos que é.

O Mau Humor dos Nossos Rios

Nosso Brasil, de rios largos e generosos, tem enfrentado ultimamente um fenômeno estranho: o mau humor das águas. Sim, porque se os rios pudessem falar, estariam de cara fechada, emburrados com tanto descaso. No coração da Amazônia, onde a floresta deveria encontrar nos cursos d’água um refúgio fresco e constante, o que se vê é um espetáculo de secura, barcos encalhados e gente olhando pro céu, torcendo por uma chuva que insiste em não cair.

Nos municípios ribeirinhos, onde a vida depende da fluidez das águas, a estiagem prolongada não é só um contratempo: é uma calamidade. As canoas, que antes deslizavam tranquilas levando peixe, gente e esperança, agora encontram solo rachado, enquanto as populações tentam reinventar o cotidiano sem a presença do rio que sempre ditou o ritmo da vida. Mas será que podemos culpar os rios pelo seu mau humor?


A resposta, claro, está na falta de planejamento. A floresta foi sendo desmatada, os cursos d’água assoreados, e o clima resolveu dar sua resposta: secura sem fim. O fenômeno é repetido, ano após ano, e o Brasil assiste com uma cara de surpresa, como se não soubesse que sem preservação, os rios não têm como retribuir sua abundância. E quem sofre com isso? As populações ribeirinhas, abandonadas entre o verde intenso da floresta e o marrom pálido da terra esturricada. Já estamos rodando de motocicleta, doze quilômetros, de uma cidade para outra, onde antes era um lago. E a vida desse lago? Para onde foram os peixes, as garças, as arirambas, as lontras? Ninguém sabe de nada, ninguém estuda o fenômeno, os institutos se calam e os governantes ficam a mercê do bom humor da NINHA.

O poder público patina entre a burocracia e a falta de verba. Discute-se o problema, formam-se comitês, divulgam-se notas, mas a água continua baixando. As estradas, quando existem, se tornam únicas alternativas de transporte, mas são precárias ou simplesmente impraticáveis. Quem diria que, no coração da maior bacia hidrográfica do mundo, faltaria água para beber e para viver?

Mas nem só de tragédia vive a Amazônia. O povo da floresta é teimoso, criativo e resistente. Quando os rios resolvem fazer greve, o ribeirinho improvisa. Caminha quilômetros atrás de um poço, faz reza para São Pedro e, se nada disso resolver, inventa um jeito novo de lidar com o problema. Mas a pergunta que fica é: até quando depender da resiliência, quando o que se precisa é de ação?

Se o Brasil quiser ver seus rios voltando a sorrir, é preciso mais do que lamentos. O planejamento hídrico tem que deixar de ser discurso e virar uma realidade que todos vejam e apoiem. Não pode ficar trancado nas salas de Institutos que existem há décadas e não se sente o resultado prático das suas existências e custos. Preservação não pode ser papo de ambientalista solitário, ou de ministros com opiniões que estão muito longe do rigor da ciência, mas sim, política de estado. E, acima de tudo, as populações que vivem dessa água precisam ser vistas e ouvidas, porque são elas que sentem, na pele, o descaso, o falso discurso e o peso do abandono.

Nos Estados Unidos, país ainda irmão do Brasil, existe um programa que pode chegar até nós e resolver grande parte dos nossos problemas:

O Tennessee Valley Authorithy, uma agência do Governo Americano, criado no longínquo ano de 1933, para dar vida aos americanos que viviam no Rio Tennessee e que mereciam vida melhor do que aquela que existia. No começo era para controlar as enchentes, passando imediatamente para as construções de represas e desenvolvimento da energia e do agro. A tecnologia desenvolvida para as plantações na várzea, dizem muito bem para a nossa Amazônia e os seus catorze milhões de hectares de várzea ainda improdutivas. Desde que Adão e Eva andaram por aqui, só plantamos macaxeira, melancia e mandioca. Alguns caboclos se aventuram em um roçado mais avançado e plantam abóbora, milho, mandioca e umas pimentas, logo arrasado pela seca ou pelas enchentes, quando não visitados pelo IBAMA, que sugere uma roçada para não incentivar a queima de dois hectares. Só esquecem que as populações que nos invadem e nos empobrecem, sentem a necessidade de plantar, comer, beber e progredir.

Só com a normalização do humor dos rios é que voltarei a comer sorva, cama cama, sapoti, pupunha do tamanho normal, caju e até a minha querida pimenta murupi, a original, aquela que faz a bundinha em vez da ponta, aquela que arde e tem cheiro. Todas essas frutas e o tamanho dos abacaxis e cupuaçus, ficaram diferentes do que estamos acostumados a comer.

Que venham as chuvas, mas que venha também a conscientização dos eleitos, porque, sem isso, os nossos rios seguirão de mau humor, e o Brasil, sedento de soluções.