terça-feira, 21 de fevereiro de 2017
Olha o 'vai que cola' aí, gente!
Eles ensaiam toda semana, desde o início de fevereiro. Juntam muita gente. Chegam animados, batendo bumbo. Às vezes no sapatinho, discretos, como quem afina os instrumentos. É o bloco do Vai que cola. Apesar dos ternos bem cortados dos seus componentes, há quem garanta que é um ‘bloco de sujos’, como se dizia antigamente. Sua quadra de ensaios é inusitada: o Congresso Nacional.
De cara, no pré-carnaval, emplacaram os presidentes do Senado e da Câmara, ambos citados em delações da Lava-Jato. Mas isso não tem importância, é só disse-me-disse, pontifica o atual ‘rei Momo’ da brasileira folia, Michel Miguel. Momo só na realeza do poder de mando. Momo de nenhuma graça e rara espontaneidade na fala e na alegria. Momo sem excessos lipídicos, mas com abundância de medidas de retrocessos e supressão de direitos.
Depois o bloco acelerou o ritmo e deu urgência a um projeto para reduzir prerrogativas da Justiça Eleitoral e proteger direções dos partidos que tivessem suas contas rejeitadas. Até aqui, a evolução não colou, graças a uns poucos que desafinaram o coro dos contentes, fazendo barulho. A outra marchinha ensaiada foi politicamente incorreta e seu compositor, Romero Jucá, apesar do apoio de outros 30 colegas, inclusive a ala tucana em peso, interrompeu a brincadeira de tornar intocáveis os presidentes de Poder.
Como o nosso carnaval é conhecido no mundo, o Vai que cola desenvolveu pretensões internacionais e tentou garantir repatriação de recursos não declarados no exterior através de parentes de agentes públicos, o que a lei proíbe.
Os gritos de “vem cá seu guarda, bota pra fora esse moço”, ainda que minoritários, inibiram a manobra. Mas não impedirão a outra, suprema, de colocar no STF quem sofre acusações de plágio acadêmico e tem histórico de postura repressiva como Secretário de Segurança de São Paulo. Além de sucessivas filiações partidárias (DEM, PMDB e, até ontem, PSDB) e aceitação de defesa de causas no mínimo questionáveis – como as ligadas a Cunha – para postulante à mais alta Corte. A sabatina de adereços de mão marcados na CCJ do Senado, presidida pelo investigadíssimo Lobão, soa como alegoria de réu escolhendo o próprio juiz.
E assim seguimos, com o carnaval às portas, que ninguém é de ferro. Nas ruas, a festa é do povo, “imortal vitória da ilusão, missa campal do povo brasileiro, onde a hóstia sagrada é o pandeiro” (Evoé, Aldir e Moacyr!). Mas também há, nos salões chiques da nossa casta política e empresarial, gente que quer viabilizar, às custas do Erário, seu Céu na Terra. Suas aparências são sorridentes e enganosas: afinal, Simpatia é quase amor. Sorte que seu Monobloco não é monolítico, e nenhum cordão de isolamento segura o descontentamento. Ô abre alas para o movimento da cidadania ativa e consciente! Ele ainda É pequeno mas vai crescer...
De cara, no pré-carnaval, emplacaram os presidentes do Senado e da Câmara, ambos citados em delações da Lava-Jato. Mas isso não tem importância, é só disse-me-disse, pontifica o atual ‘rei Momo’ da brasileira folia, Michel Miguel. Momo só na realeza do poder de mando. Momo de nenhuma graça e rara espontaneidade na fala e na alegria. Momo sem excessos lipídicos, mas com abundância de medidas de retrocessos e supressão de direitos.
Como o nosso carnaval é conhecido no mundo, o Vai que cola desenvolveu pretensões internacionais e tentou garantir repatriação de recursos não declarados no exterior através de parentes de agentes públicos, o que a lei proíbe.
Os gritos de “vem cá seu guarda, bota pra fora esse moço”, ainda que minoritários, inibiram a manobra. Mas não impedirão a outra, suprema, de colocar no STF quem sofre acusações de plágio acadêmico e tem histórico de postura repressiva como Secretário de Segurança de São Paulo. Além de sucessivas filiações partidárias (DEM, PMDB e, até ontem, PSDB) e aceitação de defesa de causas no mínimo questionáveis – como as ligadas a Cunha – para postulante à mais alta Corte. A sabatina de adereços de mão marcados na CCJ do Senado, presidida pelo investigadíssimo Lobão, soa como alegoria de réu escolhendo o próprio juiz.
E assim seguimos, com o carnaval às portas, que ninguém é de ferro. Nas ruas, a festa é do povo, “imortal vitória da ilusão, missa campal do povo brasileiro, onde a hóstia sagrada é o pandeiro” (Evoé, Aldir e Moacyr!). Mas também há, nos salões chiques da nossa casta política e empresarial, gente que quer viabilizar, às custas do Erário, seu Céu na Terra. Suas aparências são sorridentes e enganosas: afinal, Simpatia é quase amor. Sorte que seu Monobloco não é monolítico, e nenhum cordão de isolamento segura o descontentamento. Ô abre alas para o movimento da cidadania ativa e consciente! Ele ainda É pequeno mas vai crescer...
Os burros n'água
Não sei o que se passa hoje no Brasil. Só vejo expectativas, nenhuma clareza. Nosso último acontecimento foi o impeachment de Dilma. Jornais batalham para ter um assunto concreto. A Lava Jato é intocável, todos dizem, principalmente os mais citados por ela.
A Lava Jato foi uma grande conquista. Mas, pergunto, e depois que julgarem e prenderem, em quê ela vai desembocar? Haverá, por exemplo, uma grande campanha para acabar com a espantosa burocracia do país? Seria importantíssimo. A burocracia não é apenas uma aporrinhação; ela é a capa que protege a corrupção e faz a manutenção do eterno patrimonialismo que nos assassina.
O Brasil é uma região interior de nossa cabeça, e, do lado de fora, só há uma confusa paisagem destroçada, feita propositadamente para não funcionar. Isso. Fomos colonizados para dar sempre com os burros n’água. O governo Temer, por exemplo, faz uma tentativa de modernização (que está funcionando com bons executivos) e uma vida política de velhíssimas raposas chafurdando na lama de sempre. As caras e bocas de nossos representantes retratam a loucura de nossa vida – um desfile com as caras de gente como Sarney, Jucá, Renan, os inesquecíveis cornos do Waldir Maranhão, o extraordinário rostinho operado do Eunício ou a carranca fantasmática do Lobão mostram nosso destino atual.
A história de minha vida política sempre oscilou entre dois sentimentos: esperança e desilusão. Cresci ouvindo duas teses divergentes: ou o Brasil era o país do futuro ou era um urubu caindo no abismo. Além disso, dentro dessa dúvida, havia outra: UDN ou PTB? Reacionários da “elite” ou o “povo”? Comecei a me interessar por política quando votei em Jânio. Confesso. Eu tinha 18 anos e não me interessei por Lott, aquele general com cara de burro, pescoço duro. Jânio me fascinava com sua figura dramática, era uma caricatura vesga, cheia de caspa e dava a impressão de que ele, sim, era de esquerda, doidão, “off”. Meses depois, estou no estribo de um bonde quando ouço: “Jânio tomou um porre e renunciou!”. Foi minha primeira desilusão. Eleito esmagadoramente, largou o governo como se sai de um botequim. Ali, no estribo do bonde, eu entendi que havia uma grossa loucura brasileira rolando por baixo da política, mais forte que slogans e programas. Percebi que existia uma “sub-história” que nos dirigia para além das viradas políticas. Uma anomalia secular que faz as coisas “des-acontecerem”, que criou “um país sob anestesia, mas sem cirurgia”, como diagnosticou M.H. Simonsen.
Nos dois anos seguintes, vivi a esperança de um paraíso vermelho que ia tomar o país todo, numa réplica da rumba socialista de Cuba, a revolução alegre e tropical que acabaria com a miséria e instalaria a grande pátria da justiça e da beleza, que seria replicada aqui, pelo presidente Jango e sua linda mulher. Eles fundariam a “Roma tropical”, como berrava Darcy Ribeiro em sua utopia. Não haveria golpes, pois o “exército é de classe média e, portanto, a favor do país” – nos ensinava o PCB. Dá arrepios lembrar da assustadora ingenuidade política da hora.
No dia 31 de marco de 64, estou na UNE comemorando a “vitória de tudo”.
Havia um show com Grande Otelo, Elza Soares, celebrando a “vitória do socialismo”. Um amigo me abraçou, gritando: “Vencemos o imperialismo norte-americano; agora, só falta a burguesia nacional”. Horas depois, a UNE pegava fogo e, no dia seguinte, materializou-se a figura absurda de Castelo Branco, como um ET verde-oliva. Acho que virei adulto naquela manhã, com os tanques tomando as ruas. Eu acordara de um sonho para um pesadelo.
No entanto, os tristes dias militares de Castelo ainda tinham um gosto democrático mínimo, que até serviu para virilizar nossa luta política. Contra ele, se organizou uma resistência cultural rica e fértil, que se refinou e perdeu o esquematismo ingênuo pré-64. As ideias e as artes se engrandeceram. Nossa impotência estimulou uma nova esperança. A partir daí, as passeatas foram enchendo as ruas, num movimento que acreditava que os militares cederiam à pressão das multidões. Era ilusão.
Ventava muito em Ipanema, dezembro de 68, enquanto o ministro Gama e Silva lia o texto do Ato #5 na TV, virando o país num sinistro campo de concentração. Com uma canetada, Costa e Silva, com sua cara de burro, instado pela louca “lady Macbrega Yolanda”, fechou o país por mais 15 anos.
Vieram os batalhões suicidas das guerrilhas urbanas. Nos anos do milagre brasileiro, os jovens românticos ou foram massacrados a bala, ou caíram no desespero da contracultura mística, enquanto os mais caretas enchiam o rabo de dinheiro nos “milagres” de São Paulo. O bode durou 15 anos.
“Quando vier a liberdade, tudo estará bem!”, dizíamos.
Na verdade, a democracia voltou por causa das duas crises do petróleo que acabaram com a grana que sustentava os militares no poder. Isso: nos devolveram a liberdade na hora de pagar a conta da dívida externa.
Vitória de Tancredo. Nova esperança! Aí, veio um micróbio voando, entrou no intestino do homem e mudou nossa história. Entrou outro micróbio no poder.
No período Sarney, tudo piora. Nossos velhos vícios reapareceram. Apavorado, vi que a democracia só existia de boca, não estava entranhada nas instituições que passaram a ser pilhadas pelos famintos corruptos.
Daí para frente, só desilusão e dor: inflação a 80% ao mês (lembram?), o messianismo de Collor, montado no cavalo louco da República, vergonha e horror.
Depois, nova esperança com o impeachment de Collor.
Depois, mais esperança com o Plano Real, vitória da razão reformista com FHC, juntamente com o Brasil no tetra, céu azul, esperança sem inflação. Nunca acreditei tanto na vida.
O governo de FHC foi o único momento da democracia em que o Brasil foi governado por pessoas sensatas e cultas.
E agora, estamos começando do quase zero. Fazemos apenas o conserto, a recauchutagem do óbvio, das regras mínimas de gestão que o PT e Dilma especialmente destruíram. Só nos resta esperar, olhando o vazio.
A Lava Jato foi uma grande conquista. Mas, pergunto, e depois que julgarem e prenderem, em quê ela vai desembocar? Haverá, por exemplo, uma grande campanha para acabar com a espantosa burocracia do país? Seria importantíssimo. A burocracia não é apenas uma aporrinhação; ela é a capa que protege a corrupção e faz a manutenção do eterno patrimonialismo que nos assassina.
A história de minha vida política sempre oscilou entre dois sentimentos: esperança e desilusão. Cresci ouvindo duas teses divergentes: ou o Brasil era o país do futuro ou era um urubu caindo no abismo. Além disso, dentro dessa dúvida, havia outra: UDN ou PTB? Reacionários da “elite” ou o “povo”? Comecei a me interessar por política quando votei em Jânio. Confesso. Eu tinha 18 anos e não me interessei por Lott, aquele general com cara de burro, pescoço duro. Jânio me fascinava com sua figura dramática, era uma caricatura vesga, cheia de caspa e dava a impressão de que ele, sim, era de esquerda, doidão, “off”. Meses depois, estou no estribo de um bonde quando ouço: “Jânio tomou um porre e renunciou!”. Foi minha primeira desilusão. Eleito esmagadoramente, largou o governo como se sai de um botequim. Ali, no estribo do bonde, eu entendi que havia uma grossa loucura brasileira rolando por baixo da política, mais forte que slogans e programas. Percebi que existia uma “sub-história” que nos dirigia para além das viradas políticas. Uma anomalia secular que faz as coisas “des-acontecerem”, que criou “um país sob anestesia, mas sem cirurgia”, como diagnosticou M.H. Simonsen.
Nos dois anos seguintes, vivi a esperança de um paraíso vermelho que ia tomar o país todo, numa réplica da rumba socialista de Cuba, a revolução alegre e tropical que acabaria com a miséria e instalaria a grande pátria da justiça e da beleza, que seria replicada aqui, pelo presidente Jango e sua linda mulher. Eles fundariam a “Roma tropical”, como berrava Darcy Ribeiro em sua utopia. Não haveria golpes, pois o “exército é de classe média e, portanto, a favor do país” – nos ensinava o PCB. Dá arrepios lembrar da assustadora ingenuidade política da hora.
No dia 31 de marco de 64, estou na UNE comemorando a “vitória de tudo”.
Havia um show com Grande Otelo, Elza Soares, celebrando a “vitória do socialismo”. Um amigo me abraçou, gritando: “Vencemos o imperialismo norte-americano; agora, só falta a burguesia nacional”. Horas depois, a UNE pegava fogo e, no dia seguinte, materializou-se a figura absurda de Castelo Branco, como um ET verde-oliva. Acho que virei adulto naquela manhã, com os tanques tomando as ruas. Eu acordara de um sonho para um pesadelo.
No entanto, os tristes dias militares de Castelo ainda tinham um gosto democrático mínimo, que até serviu para virilizar nossa luta política. Contra ele, se organizou uma resistência cultural rica e fértil, que se refinou e perdeu o esquematismo ingênuo pré-64. As ideias e as artes se engrandeceram. Nossa impotência estimulou uma nova esperança. A partir daí, as passeatas foram enchendo as ruas, num movimento que acreditava que os militares cederiam à pressão das multidões. Era ilusão.
Ventava muito em Ipanema, dezembro de 68, enquanto o ministro Gama e Silva lia o texto do Ato #5 na TV, virando o país num sinistro campo de concentração. Com uma canetada, Costa e Silva, com sua cara de burro, instado pela louca “lady Macbrega Yolanda”, fechou o país por mais 15 anos.
Vieram os batalhões suicidas das guerrilhas urbanas. Nos anos do milagre brasileiro, os jovens românticos ou foram massacrados a bala, ou caíram no desespero da contracultura mística, enquanto os mais caretas enchiam o rabo de dinheiro nos “milagres” de São Paulo. O bode durou 15 anos.
“Quando vier a liberdade, tudo estará bem!”, dizíamos.
Na verdade, a democracia voltou por causa das duas crises do petróleo que acabaram com a grana que sustentava os militares no poder. Isso: nos devolveram a liberdade na hora de pagar a conta da dívida externa.
Vitória de Tancredo. Nova esperança! Aí, veio um micróbio voando, entrou no intestino do homem e mudou nossa história. Entrou outro micróbio no poder.
No período Sarney, tudo piora. Nossos velhos vícios reapareceram. Apavorado, vi que a democracia só existia de boca, não estava entranhada nas instituições que passaram a ser pilhadas pelos famintos corruptos.
Daí para frente, só desilusão e dor: inflação a 80% ao mês (lembram?), o messianismo de Collor, montado no cavalo louco da República, vergonha e horror.
Depois, nova esperança com o impeachment de Collor.
Depois, mais esperança com o Plano Real, vitória da razão reformista com FHC, juntamente com o Brasil no tetra, céu azul, esperança sem inflação. Nunca acreditei tanto na vida.
O governo de FHC foi o único momento da democracia em que o Brasil foi governado por pessoas sensatas e cultas.
E agora, estamos começando do quase zero. Fazemos apenas o conserto, a recauchutagem do óbvio, das regras mínimas de gestão que o PT e Dilma especialmente destruíram. Só nos resta esperar, olhando o vazio.
A politização de tudo
Cada vez mais desprovido de apoio eleitoral, e ciente de que a opinião pública em geral lhe é crescentemente hostil, o PT tem investido o que resta de suas energias na transformação de todos os aspectos da vida nacional em luta política. Segundo essa estratégia de inspiração autoritária – que, malgrado sua evidente afronta à razão e à liberdade, conta com animado apoio de artistas e intelectuais –, tudo deve ser visto pela óptica da polarização.
Simples opiniões sobre temas cotidianos são desde logo enquadradas nas categorias que os petistas criaram para definir todos e cada um dos brasileiros desde o impeachment da presidente Dilma Rousseff: ou o sujeito é um “progressista”, preocupado com a preservação dos “ganhos sociais” proporcionados pela gestão do PT, ou é “golpista”, que só pensa em prejudicar os pobres e acabar com a democracia.
Tudo hoje parece subordinado a essa lógica binária. Prevalece o ódio, com o qual só lucram aqueles que não conseguem mais angariar votos. Ou seja, se não é possível ganhar o debate político pela via democrática, que seja no grito.
Engajados nessa luta do “bem” contra o “mal”, muitos artistas e intelectuais têm usado sua visibilidade para denunciar o tal “golpe”, comparando o atual momento à ditadura militar. No exemplo mais recente desse embuste, o escritor Raduan Nassar explorou a ocasião da entrega de um prêmio por sua obra para atacar o governo de Michel Temer, que estava lhe entregando a láurea.
“Vivemos tempos sombrios, muito sombrios”, disse Raduan, elencando episódios que, em sua opinião, configuram “todo um governo repressor”. Todos os casos citados pelo escritor – a ação para desocupar escolas invadidas, a prisão do notório baderneiro Guilherme Boulos, a reação da polícia a manifestantes violentos – retratam apenas o cumprimento da lei. Para Raduan Nassar e seus colegas, no entanto, cumprir a lei é sinônimo de “ditadura”, pois se trata de enquadrar os militantes que, em sua opinião, estão do lado do “bem”. Não é à toa que o escritor disse que o atual governo é “de exceção”.
Como reação, Raduan Nassar, de 81 anos, teve de ouvir do ministro da Cultura, Roberto Freire, que “pessoas de nossa geração” sabem muito bem o que é um “golpe verdadeiro”. Em meio à hostilidade de uma plateia cheia de militantes petistas, Freire ainda lembrou que o escritor estava recebendo um prêmio – em dinheiro, inclusive – das mãos de um governo “que ele considera ilegítimo” e poderia perfeitamente recusá-lo, mas não o fez.
Ao deliberadamente fazerem da entrega de um prêmio literário ocasião para uma truculenta manifestação contra o governo, totalmente fora de lugar e hora, os petistas sem voto mais uma vez deixam claro que mesmo a mais singela das circunstâncias será politicamente explorada. Deixam claro, os personagens deste triste episódio, que seu código moral lhes permite aceitar a hospitalidade alheia para difamar o anfitrião, além de aceitar o dinheiro que dizem vir de fonte “ilegítima”.
Onde estavam esses artistas quando se tomou conhecimento da imensa máquina de corrupção montada pelos petistas? Que faziam esses ilustrados quando Lula da Silva escancarou as portas e os cofres do governo ao mais desbragado fisiologismo? A que cegueira estavam submetidas essas sumidades quando o mesmo Lula que festejam como pai dos pobres escolheu ser mãe dos ricos, tornando-se amigo do peito de empreiteiros? Por que esses pensadores não se manifestaram quando Dilma Rousseff fez milhões de brasileiros retornarem à condição de pobres?
A resposta é, na verdade, muito simples: estavam a usufruir da proximidade do poder e do dinheiro público que vertia da generosa máquina estatal petista. A arte que diziam fazer estatizou-se.
Agora, esses artistas e intelectuais, cuja capacidade de raciocinar foi turvada por décadas de submissão à doutrina do PT, agem como a vanguarda da mistificação segundo a qual quem não denuncia o “golpe” – seja em casa, no bar com os amigos, nas redes sociais, no teatro ou em cerimônias de qualquer natureza – golpista é.
Tudo hoje parece subordinado a essa lógica binária. Prevalece o ódio, com o qual só lucram aqueles que não conseguem mais angariar votos. Ou seja, se não é possível ganhar o debate político pela via democrática, que seja no grito.
Engajados nessa luta do “bem” contra o “mal”, muitos artistas e intelectuais têm usado sua visibilidade para denunciar o tal “golpe”, comparando o atual momento à ditadura militar. No exemplo mais recente desse embuste, o escritor Raduan Nassar explorou a ocasião da entrega de um prêmio por sua obra para atacar o governo de Michel Temer, que estava lhe entregando a láurea.
“Vivemos tempos sombrios, muito sombrios”, disse Raduan, elencando episódios que, em sua opinião, configuram “todo um governo repressor”. Todos os casos citados pelo escritor – a ação para desocupar escolas invadidas, a prisão do notório baderneiro Guilherme Boulos, a reação da polícia a manifestantes violentos – retratam apenas o cumprimento da lei. Para Raduan Nassar e seus colegas, no entanto, cumprir a lei é sinônimo de “ditadura”, pois se trata de enquadrar os militantes que, em sua opinião, estão do lado do “bem”. Não é à toa que o escritor disse que o atual governo é “de exceção”.
Como reação, Raduan Nassar, de 81 anos, teve de ouvir do ministro da Cultura, Roberto Freire, que “pessoas de nossa geração” sabem muito bem o que é um “golpe verdadeiro”. Em meio à hostilidade de uma plateia cheia de militantes petistas, Freire ainda lembrou que o escritor estava recebendo um prêmio – em dinheiro, inclusive – das mãos de um governo “que ele considera ilegítimo” e poderia perfeitamente recusá-lo, mas não o fez.
Ao deliberadamente fazerem da entrega de um prêmio literário ocasião para uma truculenta manifestação contra o governo, totalmente fora de lugar e hora, os petistas sem voto mais uma vez deixam claro que mesmo a mais singela das circunstâncias será politicamente explorada. Deixam claro, os personagens deste triste episódio, que seu código moral lhes permite aceitar a hospitalidade alheia para difamar o anfitrião, além de aceitar o dinheiro que dizem vir de fonte “ilegítima”.
Onde estavam esses artistas quando se tomou conhecimento da imensa máquina de corrupção montada pelos petistas? Que faziam esses ilustrados quando Lula da Silva escancarou as portas e os cofres do governo ao mais desbragado fisiologismo? A que cegueira estavam submetidas essas sumidades quando o mesmo Lula que festejam como pai dos pobres escolheu ser mãe dos ricos, tornando-se amigo do peito de empreiteiros? Por que esses pensadores não se manifestaram quando Dilma Rousseff fez milhões de brasileiros retornarem à condição de pobres?
A resposta é, na verdade, muito simples: estavam a usufruir da proximidade do poder e do dinheiro público que vertia da generosa máquina estatal petista. A arte que diziam fazer estatizou-se.
Agora, esses artistas e intelectuais, cuja capacidade de raciocinar foi turvada por décadas de submissão à doutrina do PT, agem como a vanguarda da mistificação segundo a qual quem não denuncia o “golpe” – seja em casa, no bar com os amigos, nas redes sociais, no teatro ou em cerimônias de qualquer natureza – golpista é.
As delações premiadas
Algum dia será preciso erguer um monumento em homenagem à empresa brasileira Odebrecht, porque nenhum Governo, empresa ou partido político fez tanto quanto ela na América Latina para revelar a corrupção que corrói seus países nem, é claro, trabalhou com tanto empenho para fomentá-la.
A história tem todos os ingredientes de um grande thriller. O veterano empresário Marcelo Odebrecht, dono da empresa, condenado a dezenove anos e quatro meses de prisão juntamente com seus principais executivos, depois de passar um tempinho atrás das grades anunciou à polícia que estava disposto a contar todas as malandragens que havia cometido para ter sua pena reduzida. (No Brasil, isso é chamado de “delação premiada”). Ele começou a falar e de sua boca – e das bocas de seus executivos– saíram cobras e peçonhas que estremeceram todo o continente, começando com seus presidentes atuais e passados. O senhor Marcelo Odebrecht me recorda o tenebroso Gilles de Rais, o bravo companheiro de Joana d’Arc, que, chamado pela Inquisição da Bretanha para ser perguntado se era verdade que havia participado de um ato de satanismo com um comediante italiano, disse que sim, e que, além disso, havia estuprado e esfaqueado mais de trezentas crianças porque só perpetrando esses horrores sentia prazer.
A Odebrecht gastou cerca de 800 milhões de dólares em propinas a chefes de Estado, ministros e funcionários para ganhar licitações e contratos que, quase sempre escandalosamente superfaturados, permitiram-lhe obter lucros substanciais. Isso vinha ocorrendo há muitos anos, e talvez nunca tivesse sido punido se entre os seus cúmplices não estivesse boa parte da diretoria da Petrobras, a companhia petrolífera brasileira, que, investigada por um juiz fora do comum, Sergio Moro – é um milagre que ele ainda esteja vivo–, abriu a caixa de Pandora.
Até agora, são três mandatários latino-americanos envolvidos nos sujas maracutaias da Odebrecht: do Peru, Colômbia e Panamá. E a lista está apenas começando. Quem está na situação mais difícil é o ex-presidente peruano Alejandro Toledo, a quem a Odebrecht teria pago 20 milhões de dólares para garantir contratos de dois trechos da Rodovia Interoceânica, que liga, pela floresta amazônica, o Peru ao Brasil. Um juiz decretou contra Toledo, que está fora do Peru, na condição de fugitivo, uma prisão preventiva de dezoito meses, enquanto o caso é investigado; as autoridades peruanas notificaram a Interpol; o presidente Kuczynski telefonou ao presidente Trump pedindo que o extradite para o Peru (Toledo tem um emprego na Universidade Stanford), e o Governo israelense fez saber que não o admitirá em seu território enquanto sua situação jurídica não for esclarecida. Até agora, ele se recusa a voltar, alegando que é vítima de uma perseguição política, algo que nem mesmo seus mais ardorosos partidários –já restam poucos– podem acreditar.
Estou muito triste com o caso de Toledo porque, como lembrou Gustavo Gorriti num de seus excelentes artigos, ele liderou com grande carisma e coragem, dezessete anos atrás, a formidável mobilização popular no Peru contra a ditadura assassina e cleptomaníaca de Fujimori e foi um elemento fundamental para sua queda. Não só eu; toda a minha família se dedicou a apoiá-lo com denodo. Meu filho Gonzalo gastou as economias que tinha na grande Marcha dos Quatro Suyos [termo inca para designar os pontos cardeais], na qual milhares, talvez milhões, de peruanos se manifestaram em todo o país em favor da liberdade. Meu filho Álvaro deixou todos os seus empregos para apoiar em tempo integral a mobilização pela democracia e, com a queda de Fujimori, sua campanha presidencial até o primeiro turno, e foi um dos seus colaboradores mais próximos. Então algo estranho aconteceu: rompeu com ele, de maneira precipitada e ruidosa. Alegou que tinha ouvido, numa reunião de Toledo com amigos empresários, algo que o alarmou muito: Josef Maiman, o ex-potentado israelense, disse que queria comprar uma refinaria que era do Estado e um canal de televisão (Maiman, segundo os relatos da Odebrecht, foi o testa de ferro do ex-presidente e serviu como intermediário fazendo chegar a Toledo pelo menos 11 dos 20 milhões recebidos por baixo dos panos para favorecer essa empresa). Quando aquilo aconteceu, pensei que a susceptibilidade de Álvaro era exagerada e injusta, e até nos distanciamos. Agora, peço desculpas a ele e exalto suas suspeitas e seu olfato justiceiro.
Espero que Toledo volte ao Peru motu propio, ou que o façam voltar, e que seja julgado com imparcialidade, algo que, ao contrário do que acontecia durante a ditadura de Fujimori, é perfeitamente possível em nossos dias. E, se for considerado culpado, que pague por seus roubos e pela enorme traição que teria perpetrado aos milhões de peruanos que votaram nele e o seguiram em sua campanha a favor da democratização do Peru contra usurpadores e golpistas. Eu tive muitos contatos com ele naqueles dias e me parecia um homem sincero e honesto, um peruano de origem muito humilde, que por seu esforço tenaz havia –como gostava de dizer– “derrotado as estatísticas”, e tinha certeza de que faria um bom governo. A verdade é que –pilantragens à parte, se as houve– o fez bastante bem, porque naqueles cinco anos as liberdades civis foram respeitadas, começando pela liberdade para uma imprensa que se enfureceu com ele, e pela boa política econômica, de abertura e incentivos ao investimento que fizeram o país crescer. Tudo isso foi esquecido desde que foi descoberto que tinha adquirido imóveis caros e deu explicações –alegando que tudo aquilo tinha sido adquirido por sua sogra com o dinheiro de Josef Maiman!– o que, ao invés de inocentá-lo, aos olhos de muita gente pareceu comprometê-lo ainda mais.
As “delações premiadas” da Odebrecht abrem uma soberba oportunidade aos países latino-americanos de fazer uma grande advertência aos presidentes e ministros corruptos das frágeis democracias que substituíram na maioria dos nossos países (com exceção de Cuba e Venezuela) as antigas ditaduras. Nada desmoraliza tanto uma sociedade quanto admoestar os governantes que chegaram ao poder com os votos das pessoas comuns e aproveitaram esse mandato para enriquecer, pisoteando as leis e degradando a democracia. A corrupção é, hoje em dia, a maior ameaça para o sistema de liberdades que está abrindo caminho na América Latina depois dos grandes fracassos das ditaduras militares e dos sonhos messiânicos dos revolucionários. É uma tragédia que, quando a maioria dos latino-americanos parece estar convencida de que a democracia liberal é o único sistema que garante um desenvolvimento civilizado, na convivência e na legalidade, conspire contra essa tendência a rapina frenética de governantes corruptos. Aproveitemos as “delações premiadas” da Odebrecht para puni-los e demonstrar que a democracia é o único sistema capaz de se regenerar.
A história tem todos os ingredientes de um grande thriller. O veterano empresário Marcelo Odebrecht, dono da empresa, condenado a dezenove anos e quatro meses de prisão juntamente com seus principais executivos, depois de passar um tempinho atrás das grades anunciou à polícia que estava disposto a contar todas as malandragens que havia cometido para ter sua pena reduzida. (No Brasil, isso é chamado de “delação premiada”). Ele começou a falar e de sua boca – e das bocas de seus executivos– saíram cobras e peçonhas que estremeceram todo o continente, começando com seus presidentes atuais e passados. O senhor Marcelo Odebrecht me recorda o tenebroso Gilles de Rais, o bravo companheiro de Joana d’Arc, que, chamado pela Inquisição da Bretanha para ser perguntado se era verdade que havia participado de um ato de satanismo com um comediante italiano, disse que sim, e que, além disso, havia estuprado e esfaqueado mais de trezentas crianças porque só perpetrando esses horrores sentia prazer.
A Odebrecht gastou cerca de 800 milhões de dólares em propinas a chefes de Estado, ministros e funcionários para ganhar licitações e contratos que, quase sempre escandalosamente superfaturados, permitiram-lhe obter lucros substanciais. Isso vinha ocorrendo há muitos anos, e talvez nunca tivesse sido punido se entre os seus cúmplices não estivesse boa parte da diretoria da Petrobras, a companhia petrolífera brasileira, que, investigada por um juiz fora do comum, Sergio Moro – é um milagre que ele ainda esteja vivo–, abriu a caixa de Pandora.
Até agora, são três mandatários latino-americanos envolvidos nos sujas maracutaias da Odebrecht: do Peru, Colômbia e Panamá. E a lista está apenas começando. Quem está na situação mais difícil é o ex-presidente peruano Alejandro Toledo, a quem a Odebrecht teria pago 20 milhões de dólares para garantir contratos de dois trechos da Rodovia Interoceânica, que liga, pela floresta amazônica, o Peru ao Brasil. Um juiz decretou contra Toledo, que está fora do Peru, na condição de fugitivo, uma prisão preventiva de dezoito meses, enquanto o caso é investigado; as autoridades peruanas notificaram a Interpol; o presidente Kuczynski telefonou ao presidente Trump pedindo que o extradite para o Peru (Toledo tem um emprego na Universidade Stanford), e o Governo israelense fez saber que não o admitirá em seu território enquanto sua situação jurídica não for esclarecida. Até agora, ele se recusa a voltar, alegando que é vítima de uma perseguição política, algo que nem mesmo seus mais ardorosos partidários –já restam poucos– podem acreditar.
Estou muito triste com o caso de Toledo porque, como lembrou Gustavo Gorriti num de seus excelentes artigos, ele liderou com grande carisma e coragem, dezessete anos atrás, a formidável mobilização popular no Peru contra a ditadura assassina e cleptomaníaca de Fujimori e foi um elemento fundamental para sua queda. Não só eu; toda a minha família se dedicou a apoiá-lo com denodo. Meu filho Gonzalo gastou as economias que tinha na grande Marcha dos Quatro Suyos [termo inca para designar os pontos cardeais], na qual milhares, talvez milhões, de peruanos se manifestaram em todo o país em favor da liberdade. Meu filho Álvaro deixou todos os seus empregos para apoiar em tempo integral a mobilização pela democracia e, com a queda de Fujimori, sua campanha presidencial até o primeiro turno, e foi um dos seus colaboradores mais próximos. Então algo estranho aconteceu: rompeu com ele, de maneira precipitada e ruidosa. Alegou que tinha ouvido, numa reunião de Toledo com amigos empresários, algo que o alarmou muito: Josef Maiman, o ex-potentado israelense, disse que queria comprar uma refinaria que era do Estado e um canal de televisão (Maiman, segundo os relatos da Odebrecht, foi o testa de ferro do ex-presidente e serviu como intermediário fazendo chegar a Toledo pelo menos 11 dos 20 milhões recebidos por baixo dos panos para favorecer essa empresa). Quando aquilo aconteceu, pensei que a susceptibilidade de Álvaro era exagerada e injusta, e até nos distanciamos. Agora, peço desculpas a ele e exalto suas suspeitas e seu olfato justiceiro.
Espero que Toledo volte ao Peru motu propio, ou que o façam voltar, e que seja julgado com imparcialidade, algo que, ao contrário do que acontecia durante a ditadura de Fujimori, é perfeitamente possível em nossos dias. E, se for considerado culpado, que pague por seus roubos e pela enorme traição que teria perpetrado aos milhões de peruanos que votaram nele e o seguiram em sua campanha a favor da democratização do Peru contra usurpadores e golpistas. Eu tive muitos contatos com ele naqueles dias e me parecia um homem sincero e honesto, um peruano de origem muito humilde, que por seu esforço tenaz havia –como gostava de dizer– “derrotado as estatísticas”, e tinha certeza de que faria um bom governo. A verdade é que –pilantragens à parte, se as houve– o fez bastante bem, porque naqueles cinco anos as liberdades civis foram respeitadas, começando pela liberdade para uma imprensa que se enfureceu com ele, e pela boa política econômica, de abertura e incentivos ao investimento que fizeram o país crescer. Tudo isso foi esquecido desde que foi descoberto que tinha adquirido imóveis caros e deu explicações –alegando que tudo aquilo tinha sido adquirido por sua sogra com o dinheiro de Josef Maiman!– o que, ao invés de inocentá-lo, aos olhos de muita gente pareceu comprometê-lo ainda mais.
As “delações premiadas” da Odebrecht abrem uma soberba oportunidade aos países latino-americanos de fazer uma grande advertência aos presidentes e ministros corruptos das frágeis democracias que substituíram na maioria dos nossos países (com exceção de Cuba e Venezuela) as antigas ditaduras. Nada desmoraliza tanto uma sociedade quanto admoestar os governantes que chegaram ao poder com os votos das pessoas comuns e aproveitaram esse mandato para enriquecer, pisoteando as leis e degradando a democracia. A corrupção é, hoje em dia, a maior ameaça para o sistema de liberdades que está abrindo caminho na América Latina depois dos grandes fracassos das ditaduras militares e dos sonhos messiânicos dos revolucionários. É uma tragédia que, quando a maioria dos latino-americanos parece estar convencida de que a democracia liberal é o único sistema que garante um desenvolvimento civilizado, na convivência e na legalidade, conspire contra essa tendência a rapina frenética de governantes corruptos. Aproveitemos as “delações premiadas” da Odebrecht para puni-los e demonstrar que a democracia é o único sistema capaz de se regenerar.
Indagações que Moraes merece escutar embaraçam mais que qualquer resposta
O que assusta na marcha da política rumo à desfaçatez é a sua crueza. Nesta terça-feira, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado realiza uma suposta sabatina com Alexandre de Moraes. Trata-se de um encontro aviltante, constrangedor e desnecessário.
É aviltante porque a bancada de interrogadores inclui senadores que merecem interrogatório. É constrangedor porque as perguntas que o interrogado merece escutar são mais embaraçosas do que as respostas que ele não terá condições de dar. É desnecessário porque o jogo já está jogado.
Nesse tipo de sessão, o cinismo é o mais próximo que os participantes chegam das suas melhores virtudes. Todos sabem que o indicado de Michel Temer à vaga do Supremo Tribunal Federal será aprovado. Mas o sucesso da pantomima está justamente na compenetração com que os atores exibem suas virtudes fingidas.
Moraes sustentou numa tese de mestrado que não se deve indicar para o Supremo um sujeito que ocupou cargo de confiança sob o presidente que assina a indicação. Do contrário, o beneficiário pode ser compelido a injetar demonstrações de “gratidão política” nas suas futuras sentenças.
Alguém poderia perguntar durante a sabatina: como confiar num magistrado que, tomado por seus autocritérios, agradecerá com a toga? Ou ainda: tendo saído de um governo apinhado de investigados, não acha o cúmulo do despudor assumir o posto de ministro-revisor da Lava Jato no plenário do Supremo?
Num de seus livros, Moraes sustentou que o princípio da presunção da inocência não invalida “as prisões temporárias, preventivas, por pronúncia e por sentenças condenatórias sem trânsito em julgado.” Quer dizer: apoia a tese de que os condenados em segunda instância devem aguardar pelo julgamento de eventuais recursos atrás das grades.
Caberia a indagação: neste caso, vale o que foi dito ou vai rasgar novamente o que escreveu para desfazer a maioria frágil de 6 a 5 que levou o Supremo a abrir as portas do xilindró para os condenados em duas instâncias? Ou, por outra: combaterá a impunidade ou estancará a sangria?
Além de ser ministro licenciado do governo Temer, Moraes já foi advogado de Eduardo Cunha e secretário de Segurança de Geraldo Alckmin. Até outro dia, era filiado ao partido presidido por Aécio Neves. Alguém deveria indagar: deparando-se com um processo que traga na capa o nome de tais personagens terá a honestidade intelectual de se declarar impedido de julgar?
No esforço que empreendeu para seduzir os senadores que o alçarão à poltrona do Supremo, Moraes confraternizou gostosamente com suspeitos. Chegou mesmo a se submeter a uma sabatina informal, sobre as águas do Lago Paranoá, numa chalana chamada Champagne. A bordo, senadores investigados e até um condenado.
Moraes finge não notar que, mesmo quando alguém consegue extrair benefícios de um encontro com gambás, sairá da conversa cheirando mal. Quem entra numa roda de suspeitos, arrisca-se a ser confundido com eles. Ingenuidade ou estilo? Que tipo de gente vai virar a maçaneta da porta do gabinete de um ministro do Supremo que valoriza tão pouco o recato?
São mesmo constrangedoras as perguntas que Alexandre de Moraes mereceria ouvir se a marcha da política rumo à desfaçatez não tivesse transformado a sabatina de um candidato a ministro da Suprema Corte do país numa aviltante, constrangedora e desnecessária barbada.
É aviltante porque a bancada de interrogadores inclui senadores que merecem interrogatório. É constrangedor porque as perguntas que o interrogado merece escutar são mais embaraçosas do que as respostas que ele não terá condições de dar. É desnecessário porque o jogo já está jogado.
Moraes sustentou numa tese de mestrado que não se deve indicar para o Supremo um sujeito que ocupou cargo de confiança sob o presidente que assina a indicação. Do contrário, o beneficiário pode ser compelido a injetar demonstrações de “gratidão política” nas suas futuras sentenças.
Alguém poderia perguntar durante a sabatina: como confiar num magistrado que, tomado por seus autocritérios, agradecerá com a toga? Ou ainda: tendo saído de um governo apinhado de investigados, não acha o cúmulo do despudor assumir o posto de ministro-revisor da Lava Jato no plenário do Supremo?
Num de seus livros, Moraes sustentou que o princípio da presunção da inocência não invalida “as prisões temporárias, preventivas, por pronúncia e por sentenças condenatórias sem trânsito em julgado.” Quer dizer: apoia a tese de que os condenados em segunda instância devem aguardar pelo julgamento de eventuais recursos atrás das grades.
Caberia a indagação: neste caso, vale o que foi dito ou vai rasgar novamente o que escreveu para desfazer a maioria frágil de 6 a 5 que levou o Supremo a abrir as portas do xilindró para os condenados em duas instâncias? Ou, por outra: combaterá a impunidade ou estancará a sangria?
Além de ser ministro licenciado do governo Temer, Moraes já foi advogado de Eduardo Cunha e secretário de Segurança de Geraldo Alckmin. Até outro dia, era filiado ao partido presidido por Aécio Neves. Alguém deveria indagar: deparando-se com um processo que traga na capa o nome de tais personagens terá a honestidade intelectual de se declarar impedido de julgar?
No esforço que empreendeu para seduzir os senadores que o alçarão à poltrona do Supremo, Moraes confraternizou gostosamente com suspeitos. Chegou mesmo a se submeter a uma sabatina informal, sobre as águas do Lago Paranoá, numa chalana chamada Champagne. A bordo, senadores investigados e até um condenado.
Moraes finge não notar que, mesmo quando alguém consegue extrair benefícios de um encontro com gambás, sairá da conversa cheirando mal. Quem entra numa roda de suspeitos, arrisca-se a ser confundido com eles. Ingenuidade ou estilo? Que tipo de gente vai virar a maçaneta da porta do gabinete de um ministro do Supremo que valoriza tão pouco o recato?
São mesmo constrangedoras as perguntas que Alexandre de Moraes mereceria ouvir se a marcha da política rumo à desfaçatez não tivesse transformado a sabatina de um candidato a ministro da Suprema Corte do país numa aviltante, constrangedora e desnecessária barbada.
A quem interessa o 26 de março?
Antes que o leitor se jogue à rua “contra tudo isso que está aí”, proponho que reflita e avalie sobre ao que — e a quem — serve uma mobilização que tenha como gatilho a sentença falaciosa de que “políticos são todos iguais”.
No artigo “Supremo legislador”, de dezembro de 2016, tratei de uma das consequências perigosas do desprezo pela classe política, “aquela que, à guisa de combater o geddelismo no trato da coisa pública, acabava por desqualificar também o valor da política — exercício sem o qual restará o arbítrio”. Disto decorreu a ascensão desequilibrada do Judiciário, representado pelo Supremo Tribunal Federal, a poder preponderante, protagonista de acentuada inclinação governante, não apenas porque dono da última palavra na República, mas porque detentor da última palavra em tempos de vocação criativa, extravagante, personalista, guloso já avançado sobre as atribuições do Parlamento, agora também assanhado por impor despesas ao Executivo.
Essa era uma das consequências. Há muitas mais. É espantoso, para abordar outra, que não se possa fazer hoje sequer uma ressalva aos excelentes trabalhos da Justiça Federal de Curitiba, simbolizada pelo juiz Moro, e do Ministério Público do Paraná, que tem rosto nos procuradores que compõem a força-tarefa da Lava Jato, sem que o crítico seja atacado como defensor da impunidade de tipos como Eduardo Cunha.
Por quê?
Brecha para o messianismo, fresta para o autoritarismo, atalho para aventureiros como Marina Silva ou Ciro Gomes, veio pelo qual há quem se sinta à vontade para pedir intervenção militar — picada que já resultou, aliás, em Congresso invadido —, é do ódio da política que emana a intocabilidade desses juízes e procuradores, convertidos em heróis, em salvadores da pátria, e desejados como justiceiros, aos quais, portanto, dá-se licença para qualquer excesso. Eles podem, já ouvi, porque prenderão Lula.
Lula... Lula, no entanto, está solto. E é o maior beneficiário de outra consequência — talvez a menos exibida — da criminalização da atividade política. Num cenário de terra arrasada, em que os partidos são comparados ao PCC, em que ninguém presta, e todos são bandidos, neste campo desqualificado, só quem se pode fortalecer é o pior entre os piores. Concordo com a síntese de Reinaldo Azevedo: se todos os políticos são iguais, Lula é o melhor.
Por quê?
O encadeamento dos fatos e aquilo em que desaguam — que tanto mobilizam os analistas — não são matéria à percepção do senso comum, de modo que o povo, aquele que elege o presidente, não atribui ao governo Lula o fundamento para a sucessão de irresponsabilidades na gestão da economia. Tampouco, pois, faz pesar sobre ele a severa recessão em que a política econômica petista cuspiu o Brasil. Isso só serve para coxinha desmontar petralha em rede social. Para o brasileiro médio, a culpa da tragédia é de Dilma Rousseff, que não teria sabido dar sequência à obra do antecessor. Para o brasileiro médio, Lula é associado a um tempo de prosperidade — dane-se que artificial e ora muito custoso — que os que vieram depois não conseguiram sustentar.
Se são todos os políticos pilantras, Lula — de palestras há tanto expostas — ao menos não é surpresa. Se estão todos no mesmo saco, melhor será ficar com aquele conhecido, em cujo governo havia dinheiro para o consumo. O endividamento é obra de Dilma. E ela já foi devidamente punida. Ponto.
Superada a insustentável narrativa do golpe, a que melhor se enreda agora — a mais influente — pode ser resumida em uma pergunta: fizeram o impeachment para que desse nisso? Ou: se o PT abarcava todos os males, por que a desgraça continua? O leitor note como patriotas do naipe de Guilherme Boulos já desdobram essa questão.
Convém olhar para a História do Brasil. Neste país, os poucos eventos que se assemelharam a uma ruptura política, mesmo aquele decorrente do golpe republicano de 1889, nunca desaguaram em nova ordem, mas em baías de recomposição do sistema, de reacomodação da elite, de sobrevivência de coronéis como Lula. Se a Lava-Jato encarna algo novo e relevante, e não tenho dúvida de que encarne, dúvida tampouco tenho de que as forças políticas hegemônicas — as que governam também a cultura e a informação — paralelamente já costuram a rede em cujas tramas permanecerão; teia para a qual não serão poucos os fios cedidos por manifestações prolixas como a convocada para 26 de março.
Engana-se (ou quer enganar) quem diz que o PMDB — sócio menor neste arranjo — seja o controlador do tear. É o PT — entranhado na máquina do Estado, senhor de universidades e redações — a força política e culturalmente dominadora, aquela que opera por permanecer e cujo regresso à Presidência as sempre boas intenções dos protestos difusos podem acelerar.
Ou não entendi coisa alguma, e a galera irá às ruas para fechar o Congresso, decapitar Brasília e instaurar um novo regime?
Carlos Andreazza
No artigo “Supremo legislador”, de dezembro de 2016, tratei de uma das consequências perigosas do desprezo pela classe política, “aquela que, à guisa de combater o geddelismo no trato da coisa pública, acabava por desqualificar também o valor da política — exercício sem o qual restará o arbítrio”. Disto decorreu a ascensão desequilibrada do Judiciário, representado pelo Supremo Tribunal Federal, a poder preponderante, protagonista de acentuada inclinação governante, não apenas porque dono da última palavra na República, mas porque detentor da última palavra em tempos de vocação criativa, extravagante, personalista, guloso já avançado sobre as atribuições do Parlamento, agora também assanhado por impor despesas ao Executivo.
Por quê?
Brecha para o messianismo, fresta para o autoritarismo, atalho para aventureiros como Marina Silva ou Ciro Gomes, veio pelo qual há quem se sinta à vontade para pedir intervenção militar — picada que já resultou, aliás, em Congresso invadido —, é do ódio da política que emana a intocabilidade desses juízes e procuradores, convertidos em heróis, em salvadores da pátria, e desejados como justiceiros, aos quais, portanto, dá-se licença para qualquer excesso. Eles podem, já ouvi, porque prenderão Lula.
Lula... Lula, no entanto, está solto. E é o maior beneficiário de outra consequência — talvez a menos exibida — da criminalização da atividade política. Num cenário de terra arrasada, em que os partidos são comparados ao PCC, em que ninguém presta, e todos são bandidos, neste campo desqualificado, só quem se pode fortalecer é o pior entre os piores. Concordo com a síntese de Reinaldo Azevedo: se todos os políticos são iguais, Lula é o melhor.
Por quê?
O encadeamento dos fatos e aquilo em que desaguam — que tanto mobilizam os analistas — não são matéria à percepção do senso comum, de modo que o povo, aquele que elege o presidente, não atribui ao governo Lula o fundamento para a sucessão de irresponsabilidades na gestão da economia. Tampouco, pois, faz pesar sobre ele a severa recessão em que a política econômica petista cuspiu o Brasil. Isso só serve para coxinha desmontar petralha em rede social. Para o brasileiro médio, a culpa da tragédia é de Dilma Rousseff, que não teria sabido dar sequência à obra do antecessor. Para o brasileiro médio, Lula é associado a um tempo de prosperidade — dane-se que artificial e ora muito custoso — que os que vieram depois não conseguiram sustentar.
Se são todos os políticos pilantras, Lula — de palestras há tanto expostas — ao menos não é surpresa. Se estão todos no mesmo saco, melhor será ficar com aquele conhecido, em cujo governo havia dinheiro para o consumo. O endividamento é obra de Dilma. E ela já foi devidamente punida. Ponto.
Superada a insustentável narrativa do golpe, a que melhor se enreda agora — a mais influente — pode ser resumida em uma pergunta: fizeram o impeachment para que desse nisso? Ou: se o PT abarcava todos os males, por que a desgraça continua? O leitor note como patriotas do naipe de Guilherme Boulos já desdobram essa questão.
Convém olhar para a História do Brasil. Neste país, os poucos eventos que se assemelharam a uma ruptura política, mesmo aquele decorrente do golpe republicano de 1889, nunca desaguaram em nova ordem, mas em baías de recomposição do sistema, de reacomodação da elite, de sobrevivência de coronéis como Lula. Se a Lava-Jato encarna algo novo e relevante, e não tenho dúvida de que encarne, dúvida tampouco tenho de que as forças políticas hegemônicas — as que governam também a cultura e a informação — paralelamente já costuram a rede em cujas tramas permanecerão; teia para a qual não serão poucos os fios cedidos por manifestações prolixas como a convocada para 26 de março.
Engana-se (ou quer enganar) quem diz que o PMDB — sócio menor neste arranjo — seja o controlador do tear. É o PT — entranhado na máquina do Estado, senhor de universidades e redações — a força política e culturalmente dominadora, aquela que opera por permanecer e cujo regresso à Presidência as sempre boas intenções dos protestos difusos podem acelerar.
Ou não entendi coisa alguma, e a galera irá às ruas para fechar o Congresso, decapitar Brasília e instaurar um novo regime?
Carlos Andreazza
'Hai capito, mio San bnenedito?' - Despótico saber jurídico e via a festa da Xuxa
O debate é delicado, sofisticado, mas, não sendo Inês Pereira, talvez nossa preferência seja por cavalos que nos derrubam aos burros que nos carregam (mesmo estes, e não são poucos, querem nos derrubar). Para nós, em terra de cego, quem tem um olho é caolho.
Se, até ontem, todo brasileiro era árbitro e técnico de futebol, hoje, outra especialidade se somou ao seu currículo, especialmente a partir das denominadas jornadas de junho de 2013: O direito telúrico (que nada tem a ver com Direito Natural).
Macaqueada versão da tupiniquim figura do rábula, o brasileiro, com a depravada orientação antitecniquética da mídia, já julga os julgamentos que agitam a nação e, fundamentado apenas num irrefletido solipsismo (e cada um tem a ligeira certeza absoluta daquilo que é justo… e ai de quem discordar), discorre (com dedo em riste) sobre erros e acertos da aplicação a lei quando seu justo não a comporta.
Eis o direito telúrico: pré-conceito do cidadão médio para aplicação das normas do Direito material e processual positivadas no âmbito do Estado, as quais, embora reconhecidas existência e validade, tem relativa eficácia com base no solipsismo do operador. Em resumo: Às favas com o Estado Democrático de Direito.
Mas não é só o cidadão médio que opera o direito telúrico; ele tem adeptos togados, desde as primeiras instâncias até o Pretório que de Excelso só tem o Celso, ainda mais, observa Joseph Campbell (O Poder do mito), quando passam a ser tratados como personalidades mitológicas.
Se, até ontem, todo brasileiro era árbitro e técnico de futebol, hoje, outra especialidade se somou ao seu currículo, especialmente a partir das denominadas jornadas de junho de 2013: O direito telúrico (que nada tem a ver com Direito Natural).
Macaqueada versão da tupiniquim figura do rábula, o brasileiro, com a depravada orientação antitecniquética da mídia, já julga os julgamentos que agitam a nação e, fundamentado apenas num irrefletido solipsismo (e cada um tem a ligeira certeza absoluta daquilo que é justo… e ai de quem discordar), discorre (com dedo em riste) sobre erros e acertos da aplicação a lei quando seu justo não a comporta.
Eis o direito telúrico: pré-conceito do cidadão médio para aplicação das normas do Direito material e processual positivadas no âmbito do Estado, as quais, embora reconhecidas existência e validade, tem relativa eficácia com base no solipsismo do operador. Em resumo: Às favas com o Estado Democrático de Direito.
Mas não é só o cidadão médio que opera o direito telúrico; ele tem adeptos togados, desde as primeiras instâncias até o Pretório que de Excelso só tem o Celso, ainda mais, observa Joseph Campbell (O Poder do mito), quando passam a ser tratados como personalidades mitológicas.
Judiciário: o protagonismo é tanto que deu até em filme!
Lídia Reis de Almeida Prado, jurista e psicóloga com quem tivemos a honra de estudar Lógica Jurídica nas Arcadas, há cerca de duas décadas, defendeu interessante tese, apesar da inexistência de estudos interdisciplinares acerca do perfil psicológico do juiz no Brasil, sobre a provável incidência de dificuldades psicológicas nos magistrados a partir dos seguintes elementos: (i) a incidência em profissões similares no trato com problemas humanos; (ii) o fenômeno da inflação da persona (o juiz tenta ser divino e sem máculas, mas acaba descomedido por se considerar a Justiça encarnada); e (iii) o fenômeno da sombra (resultado da ligação entre o ato de julgar e o de projetar, por mecanismo inconsciente, seus próprios sentimentos e atributos indesejados) (O juiz e a emoção: aspectos da Lógica na decisão judicial).
Não bastassem os fenômenos interiores, os estímulos de quase toda uma nação.
Nos carnavais do Mensalão, quando toda suspeita ainda recaía sobre o Zezé, a barreira da personalidade mitológica foi rompida e, dessa figura enigmática, surgia nosso BatLaw: Joaquim Barbosa teve a cara estampada nas máscaras dos foliões, que, louvando a Justiça, urinavam o excesso etílico ao longo das vias públicas (validando as primorosas lições de Roberto DaMatta).
Hoje, mesmo estando defeso dar apito ao indígena, o herói do brasileiro médio tem novo nome e sobrenome: Sérgio Moro. Máquina de fazer bandidos tal qual Simão Bacamarte a fazer doidos, em cortadas coordenadas com a galerinha do bem do Ministério Público, o magistrado não se importa com a ilegalidade das prisões, o tempo delas, com o sigilo das comunicações pessoais. Nosso baluarte do direito telúrico não se deixa intimidar pela Lei; não se deixa intimidar pelo Estado Democrático de Direito. L’État c’est lui!
O Estado é Sérgio Moro, mas também é o Ministro Barroso do Supremo Tribunal Federal que, a despeito do princípio processual da inércia do juiz, disse ter feito a escolha de diminuir o poder do tráfico. Ele simplesmente não tem essa escolha. Contudo, os amantes do direito telúrico hão de aplaudir e incentivar essa quebra do Direito posto e ele poderá fazer essas escolhas, inclusive a do tempo para o surgimento da vida intrauterina e, assim, do prazo para abortar.
O Estado é o STF, que não se cansa de tomar a coroa das mãos do Papa. Por mais que tenha sido justo, assim ocorreu com a permissão do casamento homossexual. Foi despotismo judiciário também o fatiamento do impeachment de Dilma Rousseff e certa prisão cautelar assentida pelo Saudoso Teori Zavascki. Isso sem falar do “pega, estica e puxa” com o próprio Regimento Interno como quando, teluricamente, Marco Aurélio (César ou Ministro?) afastou o Presidente do Senado de forma antirregimental, ilegal e inconstitucional. Às favas, pois povo clamava por isso!
Todavia, refletimos: Se vale ser ilegal, uma bala seria muito mais eficaz.
O Tribunal Superior do Trabalho (TST), por sua vez, sempre se fantasiou de Luís XIV. Não são de hoje as obrigações sem respaldo legal, especialmente a da responsabilidade subsidiária da empresa tomadora de serviços pelas obrigações trabalhistas não adimplidas pela empresa prestadora. Mas acaso a Constituição não nos garante que só somos obrigados a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa somente em virtude de Lei? Às Favas!
O notório saber jurídico se converte em despótico saber jurídico? Às favas!
Despotismo judiciário, mas esclarecido? Às favas!
Festa do Estica e Puxa? Às favas!
Viva os justiceiros! Viva Lampião! (Ouvem-se tiros para o alto)
Mal sabe o brasileiro médio (ou não quer saber) que ele pode ser a próxima vítima do despotismo, que pode ser condenado por agir dentro da lei ou processado fora das regras previamente estabelecidas.
A Justiça do direito telúrico, justiceira mas que se destaca da vingança por uma linha tênue, é mera aparência da Justiça do Direito posto, solapada em seus mecanismos. É como uma medida populista, a “nova matriz econômica”, que pode até trazer benesses efêmeras a curto prazo, mas que, depois, desemboca numa grande desgraça econômica e social. O Brasil vive esse efeito na Economia e, se o Judiciário não for interpelado, viverá no Direito e restarão ameaçados direitos e garantias fundamentais de seus cidadãos.
Por tais razões, optamos pela porta mais estreita, do respeito ao Estado Democrático de Direito. Quanto aos egos, encerramos com a Professora Lídia, para quem cada juiz, se quiser prestar um grande serviço ao Direito e à Justiça, deve examinar e ter consciência da própria sombra e ser, antes de tudo, um julgador-julgado por si mesmo.
Tiago Pavinatto
Lídia Reis de Almeida Prado, jurista e psicóloga com quem tivemos a honra de estudar Lógica Jurídica nas Arcadas, há cerca de duas décadas, defendeu interessante tese, apesar da inexistência de estudos interdisciplinares acerca do perfil psicológico do juiz no Brasil, sobre a provável incidência de dificuldades psicológicas nos magistrados a partir dos seguintes elementos: (i) a incidência em profissões similares no trato com problemas humanos; (ii) o fenômeno da inflação da persona (o juiz tenta ser divino e sem máculas, mas acaba descomedido por se considerar a Justiça encarnada); e (iii) o fenômeno da sombra (resultado da ligação entre o ato de julgar e o de projetar, por mecanismo inconsciente, seus próprios sentimentos e atributos indesejados) (O juiz e a emoção: aspectos da Lógica na decisão judicial).
Não bastassem os fenômenos interiores, os estímulos de quase toda uma nação.
Nos carnavais do Mensalão, quando toda suspeita ainda recaía sobre o Zezé, a barreira da personalidade mitológica foi rompida e, dessa figura enigmática, surgia nosso BatLaw: Joaquim Barbosa teve a cara estampada nas máscaras dos foliões, que, louvando a Justiça, urinavam o excesso etílico ao longo das vias públicas (validando as primorosas lições de Roberto DaMatta).
Hoje, mesmo estando defeso dar apito ao indígena, o herói do brasileiro médio tem novo nome e sobrenome: Sérgio Moro. Máquina de fazer bandidos tal qual Simão Bacamarte a fazer doidos, em cortadas coordenadas com a galerinha do bem do Ministério Público, o magistrado não se importa com a ilegalidade das prisões, o tempo delas, com o sigilo das comunicações pessoais. Nosso baluarte do direito telúrico não se deixa intimidar pela Lei; não se deixa intimidar pelo Estado Democrático de Direito. L’État c’est lui!
O Estado é Sérgio Moro, mas também é o Ministro Barroso do Supremo Tribunal Federal que, a despeito do princípio processual da inércia do juiz, disse ter feito a escolha de diminuir o poder do tráfico. Ele simplesmente não tem essa escolha. Contudo, os amantes do direito telúrico hão de aplaudir e incentivar essa quebra do Direito posto e ele poderá fazer essas escolhas, inclusive a do tempo para o surgimento da vida intrauterina e, assim, do prazo para abortar.
O Estado é o STF, que não se cansa de tomar a coroa das mãos do Papa. Por mais que tenha sido justo, assim ocorreu com a permissão do casamento homossexual. Foi despotismo judiciário também o fatiamento do impeachment de Dilma Rousseff e certa prisão cautelar assentida pelo Saudoso Teori Zavascki. Isso sem falar do “pega, estica e puxa” com o próprio Regimento Interno como quando, teluricamente, Marco Aurélio (César ou Ministro?) afastou o Presidente do Senado de forma antirregimental, ilegal e inconstitucional. Às favas, pois povo clamava por isso!
Todavia, refletimos: Se vale ser ilegal, uma bala seria muito mais eficaz.
O Tribunal Superior do Trabalho (TST), por sua vez, sempre se fantasiou de Luís XIV. Não são de hoje as obrigações sem respaldo legal, especialmente a da responsabilidade subsidiária da empresa tomadora de serviços pelas obrigações trabalhistas não adimplidas pela empresa prestadora. Mas acaso a Constituição não nos garante que só somos obrigados a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa somente em virtude de Lei? Às Favas!
O notório saber jurídico se converte em despótico saber jurídico? Às favas!
Despotismo judiciário, mas esclarecido? Às favas!
Festa do Estica e Puxa? Às favas!
Viva os justiceiros! Viva Lampião! (Ouvem-se tiros para o alto)
Mal sabe o brasileiro médio (ou não quer saber) que ele pode ser a próxima vítima do despotismo, que pode ser condenado por agir dentro da lei ou processado fora das regras previamente estabelecidas.
A Justiça do direito telúrico, justiceira mas que se destaca da vingança por uma linha tênue, é mera aparência da Justiça do Direito posto, solapada em seus mecanismos. É como uma medida populista, a “nova matriz econômica”, que pode até trazer benesses efêmeras a curto prazo, mas que, depois, desemboca numa grande desgraça econômica e social. O Brasil vive esse efeito na Economia e, se o Judiciário não for interpelado, viverá no Direito e restarão ameaçados direitos e garantias fundamentais de seus cidadãos.
Por tais razões, optamos pela porta mais estreita, do respeito ao Estado Democrático de Direito. Quanto aos egos, encerramos com a Professora Lídia, para quem cada juiz, se quiser prestar um grande serviço ao Direito e à Justiça, deve examinar e ter consciência da própria sombra e ser, antes de tudo, um julgador-julgado por si mesmo.
Tiago Pavinatto
O Brasil e as janelas quebradas
É conhecida a teoria da janela quebrada, criada na escola de Chicago por James Q. Wilson e George Kelling. A tese sugere que se uma janela de um edifício for quebrada e não for reparada, a tendência é que vândalos passem a arremessar pedras nas outras janelas e, posteriormente, ocupem o prédio depredando-o ainda mais. Em resumo, desordem gera desordem.
O noticiário parece validar a teoria. No Brasil, inclusive, as pedras às vezes vêm de dentro dos prédios, notadamente os públicos, e atingem a todos os que estão do lado de fora. Na semana passada, por exemplo, foram várias as pedras que saíram de dentro do Congresso.
Uma delas foi a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) apresentada pelo senador Romero Jucá que garante aos presidentes da Câmara e do Senado não responder por eventuais delitos praticados antes de assumirem as Casas, o que blindaria os atuais titulares citados em delações da Lava-Jato.
Outra pedrada foram as dúvidas do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, sobre o que deveria fazer com o projeto de iniciativa popular relativo às dez medidas de combate à corrupção. O projeto — ou o que sobrou dele — foi desfigurado na Câmara e quase votado às pressas no Senado. No entanto, acabou devolvido à origem por determinação do ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, tantos foram os absurdos praticados na tramitação. Maia, ironicamente, indagou: “Como faço agora? Devolvo aos autores?”. Horas depois encaminhou para conferência as cerca de duas milhões de assinaturas, com certeza para agilizar a aprovação...
E o que dizer sobre a tentativa de perdoar as multas impostas pelo Tribunal Superior Eleitoral aos partidos políticos, proposta, pasmem, pela Comissão de Reforma Política? Vale lembrar que as multas decorrem de campanhas antecipadas ilegais, propaganda e divulgação de pesquisas irregulares, compra de votos, gastos acima do permitido etc. Você perdoaria?
Na mesma linha do escárnio para com 96% dos brasileiros que apoiam a Lava-Jato, o senador Edison Lobão, alvo de dois inquéritos vinculados à operação, foi eleito presidente da Comissão de Constituição e Justiça. Diga-se de passagem que também integram a comissão outros dez senadores citados na Lava-Jato. Lobão nega que seja um dos beneficiários das fraudes na Petrobras e do desvio de dinheiro nas usinas de Angra 3 e Belo Monte. Na semana passada, porém, a Polícia Federal cumpriu mandatos de busca e apreensão nas residências e escritórios do filho do senador, Márcio Lobão, e do ex-senador Luiz Otávio, apadrinhado político de outro cacique do PMDB, o senador Jader Barbalho.
Na verdade, a água agora está subindo para a turma do PMDB e do PSDB. O ministro do STF Luiz Fachin autorizou a abertura de inquérito contra Sarney, Renan e Jucá. O ex-ministro Geddel já foi citado em várias delações. Ou seja, mesmo contra a vontade de muitos, a “sangria” continua. Nessa enxurrada provocada pela Lava-Jato, para os que estão prestes a se afogar, qualquer rolha é boia. Vale tudo, seja trocar o diretor da Polícia Federal, seja escolher ministros afinados politicamente ou se escorar no foro privilegiado, confiando na letargia e nos índices de impunidade do STF.
É certo que todos os investigados dirão não saber de nada, como virou moda na terra de Macunaíma. De fato, somente após o mensalão e o petrolão é que descobrimos a existência de uma quantidade enorme de autoridades e políticos inocentes, cegos, surdos e... ricos.
No surrealismo da vida pública em nosso país, “reputação ilibada” é não ter sido condenado. O “notório saber” é escolher a dedo influentes padrinhos políticos. Vida que segue.
O legado positivo desses escândalos, entretanto, é a indignação e a fiscalização crescentes por parte da sociedade. Mesmo as velhas raposas do Congresso Nacional já não conseguem empurrar “goela abaixo” PECs, leis e decretos tramados na surdina. Assim que as proposições de conteúdo duvidoso — para dizer o mínimo — surgem, as redes sociais as desarmam. Aí, como num passe de mágica, somem os “pais” dos “filhos feios”.
As tentativas para impedir a continuidade da Lava-Jato irão aumentar, não há qualquer dúvida. A sociedade precisa estar atenta para reagir contra todos aqueles que, de forma descarada ou escamoteada, tentam pôr fim às investigações. Alguns corruptos estão na cadeia, mas muitos estão na fila. E tomara que a fila ande!
Retomando a teoria da janela quebrada, no Brasil de hoje já não basta saber quem atirou a primeira pedra. É preciso urgentemente consertar todos os vidros quebrados.
Gil Castello Branco
O noticiário parece validar a teoria. No Brasil, inclusive, as pedras às vezes vêm de dentro dos prédios, notadamente os públicos, e atingem a todos os que estão do lado de fora. Na semana passada, por exemplo, foram várias as pedras que saíram de dentro do Congresso.
Outra pedrada foram as dúvidas do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, sobre o que deveria fazer com o projeto de iniciativa popular relativo às dez medidas de combate à corrupção. O projeto — ou o que sobrou dele — foi desfigurado na Câmara e quase votado às pressas no Senado. No entanto, acabou devolvido à origem por determinação do ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, tantos foram os absurdos praticados na tramitação. Maia, ironicamente, indagou: “Como faço agora? Devolvo aos autores?”. Horas depois encaminhou para conferência as cerca de duas milhões de assinaturas, com certeza para agilizar a aprovação...
E o que dizer sobre a tentativa de perdoar as multas impostas pelo Tribunal Superior Eleitoral aos partidos políticos, proposta, pasmem, pela Comissão de Reforma Política? Vale lembrar que as multas decorrem de campanhas antecipadas ilegais, propaganda e divulgação de pesquisas irregulares, compra de votos, gastos acima do permitido etc. Você perdoaria?
Na mesma linha do escárnio para com 96% dos brasileiros que apoiam a Lava-Jato, o senador Edison Lobão, alvo de dois inquéritos vinculados à operação, foi eleito presidente da Comissão de Constituição e Justiça. Diga-se de passagem que também integram a comissão outros dez senadores citados na Lava-Jato. Lobão nega que seja um dos beneficiários das fraudes na Petrobras e do desvio de dinheiro nas usinas de Angra 3 e Belo Monte. Na semana passada, porém, a Polícia Federal cumpriu mandatos de busca e apreensão nas residências e escritórios do filho do senador, Márcio Lobão, e do ex-senador Luiz Otávio, apadrinhado político de outro cacique do PMDB, o senador Jader Barbalho.
Na verdade, a água agora está subindo para a turma do PMDB e do PSDB. O ministro do STF Luiz Fachin autorizou a abertura de inquérito contra Sarney, Renan e Jucá. O ex-ministro Geddel já foi citado em várias delações. Ou seja, mesmo contra a vontade de muitos, a “sangria” continua. Nessa enxurrada provocada pela Lava-Jato, para os que estão prestes a se afogar, qualquer rolha é boia. Vale tudo, seja trocar o diretor da Polícia Federal, seja escolher ministros afinados politicamente ou se escorar no foro privilegiado, confiando na letargia e nos índices de impunidade do STF.
É certo que todos os investigados dirão não saber de nada, como virou moda na terra de Macunaíma. De fato, somente após o mensalão e o petrolão é que descobrimos a existência de uma quantidade enorme de autoridades e políticos inocentes, cegos, surdos e... ricos.
No surrealismo da vida pública em nosso país, “reputação ilibada” é não ter sido condenado. O “notório saber” é escolher a dedo influentes padrinhos políticos. Vida que segue.
O legado positivo desses escândalos, entretanto, é a indignação e a fiscalização crescentes por parte da sociedade. Mesmo as velhas raposas do Congresso Nacional já não conseguem empurrar “goela abaixo” PECs, leis e decretos tramados na surdina. Assim que as proposições de conteúdo duvidoso — para dizer o mínimo — surgem, as redes sociais as desarmam. Aí, como num passe de mágica, somem os “pais” dos “filhos feios”.
As tentativas para impedir a continuidade da Lava-Jato irão aumentar, não há qualquer dúvida. A sociedade precisa estar atenta para reagir contra todos aqueles que, de forma descarada ou escamoteada, tentam pôr fim às investigações. Alguns corruptos estão na cadeia, mas muitos estão na fila. E tomara que a fila ande!
Retomando a teoria da janela quebrada, no Brasil de hoje já não basta saber quem atirou a primeira pedra. É preciso urgentemente consertar todos os vidros quebrados.
Gil Castello Branco
O mundo e o Brasil divididos por um 'diproma'
Portugal e o Brasil devem muito a seus diplomatas. As palavras “diploma”, “diplomacia” e “diplomata” vieram do Grego e são do mesmo étimo do verbo “diplóo”, dobrar.
Às vezes foi necessário dobrar mais do que o papel do diploma. Foi imprescindível dobrar interesses, como aconteceu em diversos tratados com outras nações.
O rei português Dom João II, o “príncipe perfeito”, era muito esperto. Depois de recusar o plano que Cristóvão Colombo lhe apresentou para descobrir a América, vendo que aquele genovês meio doido tinha chegado à América Central, pensando entretanto ser o Japão, foi cuidar do Tratado de Tordesilhas. Afinal, o navegador “descobrira” boa parte do que Portugal já conhecia e mantinha em sigilo, incluindo o Brasil.
Sob as bênçãos de Rodrigo Bórgia, nome civil do papa Alexandre VI, assinou a divisão do mundo de um modo mais favorável para os portugueses do que para os espanhóis, alargando para 370 léguas os limites a leste de Cabo Verde.
Todavia o rei francês Francisco I, inconformado, perguntou: “Onde está o testamento de Adão, que dividiu o mundo entre Portugal e Espanha?”. E também partiu para conquistas ultramarítimas, chegando ao Brasil, com a França Antártica, no Rio, e com a França Equinocial, em São Luís do Maranhão.
Já o Brasil, cuja integridade territorial foi mantida graças à sabedoria de governantes portugueses e brasileiros ao correr dos séculos, tornou-se ainda maior do que era, por força de palavras e ações persuasivas de seu ministério das Relações Exteriores, cuja figura histórica referencial é o Barão do Rio Branco. Mas correu um risco danado em anos recentes, como agora se começa a ver.
A Casa é mais conhecida por Itamaraty, infelizmente hoje integrado por membros que confundem diploma com “diproma”;
O erro ortográfico é pequeno, mas dá indícios de outros erros, cuja correção é urgente, ainda mais em se tratando de país com tantas fronteiras.
Às vezes foi necessário dobrar mais do que o papel do diploma. Foi imprescindível dobrar interesses, como aconteceu em diversos tratados com outras nações.
O rei português Dom João II, o “príncipe perfeito”, era muito esperto. Depois de recusar o plano que Cristóvão Colombo lhe apresentou para descobrir a América, vendo que aquele genovês meio doido tinha chegado à América Central, pensando entretanto ser o Japão, foi cuidar do Tratado de Tordesilhas. Afinal, o navegador “descobrira” boa parte do que Portugal já conhecia e mantinha em sigilo, incluindo o Brasil.
Sob as bênçãos de Rodrigo Bórgia, nome civil do papa Alexandre VI, assinou a divisão do mundo de um modo mais favorável para os portugueses do que para os espanhóis, alargando para 370 léguas os limites a leste de Cabo Verde.
Todavia o rei francês Francisco I, inconformado, perguntou: “Onde está o testamento de Adão, que dividiu o mundo entre Portugal e Espanha?”. E também partiu para conquistas ultramarítimas, chegando ao Brasil, com a França Antártica, no Rio, e com a França Equinocial, em São Luís do Maranhão.
Já o Brasil, cuja integridade territorial foi mantida graças à sabedoria de governantes portugueses e brasileiros ao correr dos séculos, tornou-se ainda maior do que era, por força de palavras e ações persuasivas de seu ministério das Relações Exteriores, cuja figura histórica referencial é o Barão do Rio Branco. Mas correu um risco danado em anos recentes, como agora se começa a ver.
A Casa é mais conhecida por Itamaraty, infelizmente hoje integrado por membros que confundem diploma com “diproma”;
O erro ortográfico é pequeno, mas dá indícios de outros erros, cuja correção é urgente, ainda mais em se tratando de país com tantas fronteiras.
Jucá, o foro especial e a suruba!
O que disse o senador Romero Jucá (PMDB-RR), líder do governo no Congresso, ao comentar a proposta de restringir o foro especial de políticos somente para crimes cometidos no exercício do mandato eletivo:
- Se acabar o foro, é para todo mundo. Suruba é suruba. Aí é todo mundo na suruba, não uma suruba selecionada.
Suruba, segundo o Dicionário Aurélio, quer dizer orgia sexual, com a participação de mais de duas pessoas. Ou uma grande confusão.
- Se acabar o foro, é para todo mundo. Suruba é suruba. Aí é todo mundo na suruba, não uma suruba selecionada.
Suruba, segundo o Dicionário Aurélio, quer dizer orgia sexual, com a participação de mais de duas pessoas. Ou uma grande confusão.
O comentário de Jucá não dá margem a confusão: ele comparou o foro especial, que garante a políticos e magistrados o direito de só serem julgados pelas mais altas instâncias da Justiça, a uma orgia sexual.
E não somente a uma modesta orgia sexual com três ou quatro ou meia dúzia de pessoas: a uma orgia sexual de grandes proporções. Mais de 20 mil pessoas no Brasil desfrutam do privilégio do foro especial.
Numa suruba não se distingue entre parlamentares e juízes, por exemplo. Por que o direito ao foro especial deveria distinguir? Esse é o cerne da questão levantada por Jucá. E ela faz todo o sentido, sim.
A proposta de restringir o foro de políticos nasceu no Supremo Tribunal Federal, ali atraiu adeptos, mas dali transbordou para os jornais e começou a incomodar principalmente deputados e senadores alvos da Lava Jato.
Como justo neste momento quando eles mais se sentem ameaçados e imploram por proteção, fala-se em deixá-los ao desamparo, salvo nos casos de crimes cometidos no exercício do mandato?
E os crimes passados? E os crimes que possam cometer e que nada tenham a ver com o exercício do mandato? Assim não é possível. Ou nos locupletamos todos ou restaure-se a moralidade.
Como a tarefa de restaurar a moralidade levará muito, muito tempo; como ninguém tem a garantia de que ela será restaurada um dia, então que todos, por ora, se locupletem.
Não posso dizer que Jucá pensa assim. Quero acreditar que ele é um dos arautos da moralidade dentro do Congresso. Ou pelo menos da moralidade dentro do atual Congresso.
Mas quando Jucá compara foro especial com suruba, dá margem a todo tipo de confusão.
E não somente a uma modesta orgia sexual com três ou quatro ou meia dúzia de pessoas: a uma orgia sexual de grandes proporções. Mais de 20 mil pessoas no Brasil desfrutam do privilégio do foro especial.
Numa suruba não se distingue entre parlamentares e juízes, por exemplo. Por que o direito ao foro especial deveria distinguir? Esse é o cerne da questão levantada por Jucá. E ela faz todo o sentido, sim.
A proposta de restringir o foro de políticos nasceu no Supremo Tribunal Federal, ali atraiu adeptos, mas dali transbordou para os jornais e começou a incomodar principalmente deputados e senadores alvos da Lava Jato.
Como justo neste momento quando eles mais se sentem ameaçados e imploram por proteção, fala-se em deixá-los ao desamparo, salvo nos casos de crimes cometidos no exercício do mandato?
E os crimes passados? E os crimes que possam cometer e que nada tenham a ver com o exercício do mandato? Assim não é possível. Ou nos locupletamos todos ou restaure-se a moralidade.
Como a tarefa de restaurar a moralidade levará muito, muito tempo; como ninguém tem a garantia de que ela será restaurada um dia, então que todos, por ora, se locupletem.
Não posso dizer que Jucá pensa assim. Quero acreditar que ele é um dos arautos da moralidade dentro do Congresso. Ou pelo menos da moralidade dentro do atual Congresso.
Mas quando Jucá compara foro especial com suruba, dá margem a todo tipo de confusão.
O Ibope informa...
Freire silencia os intelectuais de botequim de Sampa
Para entendermos o entrevero entre o escritor Raduan e o Roberto Freire é preciso primeiro entrar na biografia de cada um. A de Freire o Brasil conhece e deve a ele e aos seus combatentes militantes heroicos a luta contra o regime de opressão que se instalou no país durante mais de vinte anos. O mesmo não se pode dizer de Raduan, o escritor que fez a festa da esquerda de botequim paulista ao receber o prêmio de 100 mil euros e acusar o ministro de estar a serviço de um governo golpista. Recebeu de Freire a resposta à altura, que não se intimidou mesmo diante de alguns intelectuais de armazéns de secos e molhados como a senhora Chaui e o escritor e Augusto Massi, professor de literatura e poeta de um verso só.
Os inflamados senhores que formavam a plateia histérica do escritor Raduan Nassar não esperavam pela reação dura de Roberto Freire ao defender o governo do qual faz parte como ministro da Cultura. Achavam que seus gritos delirantes em defesa do PT iriam calar a voz de Freire, coisa que a ditadura não conseguiu. Certamente não conheciam Freire, portanto, são, na verdade, analfabetos políticos por desconhecer uma das vozes mais contundentes contra o regime de opressão que se instalou no país e que teve nele seu principal opositor, enquanto esses pseudointelectuais paulistas, seguidores do PT, viviam como almofadinhas dentro das universidades com medo de enfrentar a repressão.
Ao dizer que Freire não estava altura do evento, Augusto Massi exasperou-se na crítica e na incivilidade. Recebeu, como era de se esperar, o troco a altura ao ser chamado de “idiota” por Freire, que não se intimidou com a adversidade do show promovido pelas viúvas da Dilma e do Lula que, como sempre, promovem espetáculos circenses sem a magnitude dos bons palhaços.
Raduan, o escritor de 81 anos, que o Brasil começou a conhecer depois dessa polêmica, é o autor, entre outros, do livro Lavoura Arcaica, que virou filme. É ignorado pelos brasileiros, mas cultuado por um restrito grupo que o tem como um feroz defensor do governo petista, o mais corrupto da história do país. Para chegar a conclusão de que o país vive um golpe e “não há como ficar calado”, palavras que usou no discurso, foi certamente sabatinado antes pela craque petista que o acompanhou na solenidade de entrega do prêmio. Não acredito numa atitude isolada dele para transformar o ambiente num palanque em defesa da organização criminosa petista.
Ora, se pensavam que o Roberto Freire iria ficar calado diante da manifestação infantiloide, inconsequente e degradante de uns marmanjos que pregam a revolução petista dentro das universidades quebraram a cara. Contra toda aquela plateia que vociferava o “golpe”, Freire, sozinho, os combateu, como sempre fez contra os fascistas quando teve que defender o Brasil das amarras do arbítrio. Chaui, a mais exaltada defensora petista, liderou uma vaia contra o ministro, demonstração cabal de que os seus argumentos tinham se esvaido diante do discurso veemente de Freire, que indicou o caminho mais fácil para Raduan se ver livre do problema: devolver o prêmio Camões e os 100 mil euros que o acompanha. Quem sabe assim o escritor não ficaria mais à vontade para desenvolver o seu discurso oposicionista.
A esquerda de botequim caiu de pau no Freire por esse gesto corajoso. Quem o conhece elogiou. O Freire inflamado que fazia aquela histérica plateia engolir cada palavra ofensiva, é o mesmo que esteve à frente das forças de oposição contra o regime militar. Que bradou no Congresso Nacional, nos sindicatos, nas entidades dos direitos humanos e nas ruas contra a intolerância e o ódio dos radicais. É esse Freire que hoje comanda o Ministério da Cultura para felicidade daqueles que estão envolvidos com a arte e a literatura no país. É esse Freire que vai moralizar o setor, corroído pela corrupção que destroçou o ministério na era petista, decretando o fim do apadrinhamento, da cultura aparelhada e do assalto ao dinheiro público.
O Brasil estaria em boas mãos se tivéssemos mais Freires para defender os nossos valores.
Os inflamados senhores que formavam a plateia histérica do escritor Raduan Nassar não esperavam pela reação dura de Roberto Freire ao defender o governo do qual faz parte como ministro da Cultura. Achavam que seus gritos delirantes em defesa do PT iriam calar a voz de Freire, coisa que a ditadura não conseguiu. Certamente não conheciam Freire, portanto, são, na verdade, analfabetos políticos por desconhecer uma das vozes mais contundentes contra o regime de opressão que se instalou no país e que teve nele seu principal opositor, enquanto esses pseudointelectuais paulistas, seguidores do PT, viviam como almofadinhas dentro das universidades com medo de enfrentar a repressão.
Ao dizer que Freire não estava altura do evento, Augusto Massi exasperou-se na crítica e na incivilidade. Recebeu, como era de se esperar, o troco a altura ao ser chamado de “idiota” por Freire, que não se intimidou com a adversidade do show promovido pelas viúvas da Dilma e do Lula que, como sempre, promovem espetáculos circenses sem a magnitude dos bons palhaços.
Ora, se pensavam que o Roberto Freire iria ficar calado diante da manifestação infantiloide, inconsequente e degradante de uns marmanjos que pregam a revolução petista dentro das universidades quebraram a cara. Contra toda aquela plateia que vociferava o “golpe”, Freire, sozinho, os combateu, como sempre fez contra os fascistas quando teve que defender o Brasil das amarras do arbítrio. Chaui, a mais exaltada defensora petista, liderou uma vaia contra o ministro, demonstração cabal de que os seus argumentos tinham se esvaido diante do discurso veemente de Freire, que indicou o caminho mais fácil para Raduan se ver livre do problema: devolver o prêmio Camões e os 100 mil euros que o acompanha. Quem sabe assim o escritor não ficaria mais à vontade para desenvolver o seu discurso oposicionista.
A esquerda de botequim caiu de pau no Freire por esse gesto corajoso. Quem o conhece elogiou. O Freire inflamado que fazia aquela histérica plateia engolir cada palavra ofensiva, é o mesmo que esteve à frente das forças de oposição contra o regime militar. Que bradou no Congresso Nacional, nos sindicatos, nas entidades dos direitos humanos e nas ruas contra a intolerância e o ódio dos radicais. É esse Freire que hoje comanda o Ministério da Cultura para felicidade daqueles que estão envolvidos com a arte e a literatura no país. É esse Freire que vai moralizar o setor, corroído pela corrupção que destroçou o ministério na era petista, decretando o fim do apadrinhamento, da cultura aparelhada e do assalto ao dinheiro público.
O Brasil estaria em boas mãos se tivéssemos mais Freires para defender os nossos valores.
Pichação ativista
A história da aposentada Irmela Mensah-Schramm, de 71 anos, ganhou o noticiário da Alemanha, mais precisamente os cadernos policiais. Após esperar quase três meses para que uma pichação que promovia o ódio fosse removida, Irmela cansou e resolveu agir por conta própria: pegou sua tinta spray e foi transformar o "Merkel muss weg" (Fora Merkel) – slogan do movimento Pegida e de partidários da legenda populista de direita Alternativa para a Alemanha – pichado num muro de Berlim em "Merke! Hass weg!" (Lembre-se! Fora ódio!).
No meio da ação de transformação, Irmela foi pega no flagra por um policial e, agora, ela enfrenta um processo na Justiça. "O que está por trás deste lema é o ódio contra refugiados primeiramente e, somente depois, vem a Merkel. Por isso, resolvi transformar a frase pichada num slogan para a reflexão", explicou-me a simpática pedagoga.
Apesar da boa intenção, a ativista sofreu uma derrota na primeira batalha judicial e foi condenada a pagar uma multa de 1,8 mil euros. "A Promotoria alegou que não vê perspectiva de melhora no meu caso", disse, achando graça do argumento. E Irmela não pretende mesmo deixar de apagar ou transformar pichações que promovem o ódio.
A ativista não se deu por vencida e recorreu da decisão. Sua defesa pede que ela seja declarada inocente. Irmela argumenta que o crime foi cometido pela pessoa que pichou o slogan, ela estava apenas cumprindo seu papel de cidadã ao removê-lo. Há mais de 30 anos, a aposentada dedica sua vida a limpar a cidade de adesivos e pichações xenófobas e neonazistas.
Esta missão começou por acaso. Depois de ver um adesivo neonazista colado próximo a sua casa, Irmela não teve dúvida de que aquele pedaço de papel remetendo a um passado monstruoso não poderia ficar ali. A limpeza a encheu de satisfação. Desde então, a aposentada se dedica a apagar mensagens deste tipo em várias partes da Alemanha e países da Europa.
O uso do spray para transformar pichações é recente. Irmela contou-me que a ferramenta é prática de se carregar na bolsa e bastante útil para slogans que não são fáceis de serem limpos.
Por seu engajamento, ela ganhou prêmios, mas, após o julgamento, ela devolveu dois que recebeu da cidade de Berlim, onde mora há 48 anos. "Os prêmios foram um reconhecimento pelo meu trabalho voluntário. A condenação, porém, transformou esse trabalho voluntário em crime", afirmou, ressentida.
Após o incidente em Berlim, Irmela foi pega novamente pela polícia pacificando pichações neonazistas no estado da Saxônia, onde agora enfrenta uma investigação.
"Não alcançaremos nada, se não fizermos nada. E se você não fizer nada, quem vai fazer?", disse em resposta a minha pergunta sobre o que a levou a iniciar essa jornada de limpeza de frases carregadas de preconceito que surgem do dia para noite em muros ou postes das cidades.
Clarissa Neher
No meio da ação de transformação, Irmela foi pega no flagra por um policial e, agora, ela enfrenta um processo na Justiça. "O que está por trás deste lema é o ódio contra refugiados primeiramente e, somente depois, vem a Merkel. Por isso, resolvi transformar a frase pichada num slogan para a reflexão", explicou-me a simpática pedagoga.
Não alcançaremos nada, se não fizermos nada. E se você não fizer nada, quem vai fazer?
A ativista não se deu por vencida e recorreu da decisão. Sua defesa pede que ela seja declarada inocente. Irmela argumenta que o crime foi cometido pela pessoa que pichou o slogan, ela estava apenas cumprindo seu papel de cidadã ao removê-lo. Há mais de 30 anos, a aposentada dedica sua vida a limpar a cidade de adesivos e pichações xenófobas e neonazistas.
Esta missão começou por acaso. Depois de ver um adesivo neonazista colado próximo a sua casa, Irmela não teve dúvida de que aquele pedaço de papel remetendo a um passado monstruoso não poderia ficar ali. A limpeza a encheu de satisfação. Desde então, a aposentada se dedica a apagar mensagens deste tipo em várias partes da Alemanha e países da Europa.
O uso do spray para transformar pichações é recente. Irmela contou-me que a ferramenta é prática de se carregar na bolsa e bastante útil para slogans que não são fáceis de serem limpos.
Por seu engajamento, ela ganhou prêmios, mas, após o julgamento, ela devolveu dois que recebeu da cidade de Berlim, onde mora há 48 anos. "Os prêmios foram um reconhecimento pelo meu trabalho voluntário. A condenação, porém, transformou esse trabalho voluntário em crime", afirmou, ressentida.
Após o incidente em Berlim, Irmela foi pega novamente pela polícia pacificando pichações neonazistas no estado da Saxônia, onde agora enfrenta uma investigação.
"Não alcançaremos nada, se não fizermos nada. E se você não fizer nada, quem vai fazer?", disse em resposta a minha pergunta sobre o que a levou a iniciar essa jornada de limpeza de frases carregadas de preconceito que surgem do dia para noite em muros ou postes das cidades.
Clarissa Neher
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