quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

Gente fora do mapa


Valentia e resultados

Tirar o Brasil do Pacto Global para Migração é o tipo da valentia que não custa grande coragem, rende muitas frases de efeito e tem pouquíssimo – ou nenhum – efeito prático. Na raiz desse gesto do novo presidente brasileiro está a convicção de que uma grande conspiração internacional trabalha para retirar a soberania, a capacidade de decisão ou até mesmo a vontade de se defender de Estados nacionais. E que grandes instituições multilaterais (como a ONU, onde se tramitou o tal do inócuo pacto de migração) foram aparelhadas pelos tais globalistas.


O cenário que preocupa de verdade um grande número de analistas internacionais, incluindo as grandes consultorias de risco, é outro. É o que chamam quase em uníssono de agravamento da instabilidade nas relações entre os países. “Nada urgente”, escreve uma dessas consultorias, a Eurásia, “ciclos geopolíticos são lentos e leva-se anos, até décadas, para destruir uma ordem, mas a erosão (da atual ordem) está ocorrendo”.

Neste tipo de cenário abre-se ainda mais o espaço para que indivíduos – tais como dirigentes de alguns países – consigam estragar coisas ainda mais depressa. Mas aqui vai uma nota tranquilizadora: a mesma Eurásia, quando olha para os riscos nestas partes do mundo, está preocupada com o México e seu novo presidente populista de esquerda, e muito pouco com o Brasil (em outras palavras, nossa capacidade de causar estragos internacionais no momento é considerada pequena).

Assim, a guerra comercial entre as duas maiores economias do mundo é descrita como consequência, e não causa, do que se considera como quase inevitável ruptura da ordem internacional descrita como “liberal”. Da mesma maneira, o estado da economia mundial preocupa muitos comentaristas estrangeiros não tanto pela dificuldade de se prever o comportamento dos mercados, mas, sobretudo, por aquilo que se assume com grande dose de convicção: mesmo um pequeno ciclo recessivo (que se dá como favas contadas) encontrará os principais governos menos afinados e capazes de respostas, como aconteceu na grande crise financeira de 2008.

Aqui o foco vai diretamente para os Estados Unidos, e a rara combinação de difícil situação política doméstica com o fato de Washington ser um dos principais fatores que contribuem para virar a ordem internacional de cabeça para baixo – fato exemplificado num presidente que fala tão mal de adversários quanto de aliados. Donald Trump perdeu o controle do Congresso e a atual paralisação do governo é apenas o início de uma áspera batalha política interna.

Nesse sentido, desenha-se um curioso cenário de combates também em relação à política externa americana. O “consenso” entre democratas e republicanos sobre a necessidade de reduzir o papel internacional dos Estados Unidos está sendo quebrado na luta política contra Trump, ou seja, seus adversários começam a falar na necessidade de “reconstruir” valores como a liderança americana e refazer alianças (a belicosidade em relação a China, porém, une nos Estados Unidos forças políticas antagônicas).

Ser “contra” ou “a favor” de Trump é uma dessas bobagens que só tornam ainda mais precária a compreensão do que está em jogo. O problema não está em atacar o “globalismo”, mas em saber qual a capacidade de liderança de Trump no momento em que uma crise econômica transborde para se transformar numa crise geopolítica. E ela vem.

Mediocridade, não!

Coimbra, 26 de março de 1965
Só há uma solução quando se vive num ambiente medíocre, ente medíocres: recusar a mediocridade. (...) Por mero amor à saúde do espírito, qualquer tamanho humano pode, e deve, lutar assim profilacticamente contra a infecção da insignificância, a mais terrível de quantas são habituais nesta terra. É que, depois de contaminado, o doente deixa de sentir o mal que o maculoa. Fica imune à consciência da própria perdição.
Miguel Torga, "Diário X"

O estilo teatral de Bolsonaro

Como diria Lula, nunca na história deste país um presidente trombou tantas vezes com seu próprio governo em tão pouco tempo. Não foram trombadas de conceitos, mas de fatos.

Ao contrário do que dissera, Bolsonaro nunca baixou a alíquota do Imposto de Renda nem subiu a do IOF. Como sempre acontece na história deste país tentou-se remendar o efeito das trombadas com juras de fé e coesão.

Em tese, o presidente vale-se de sua capacidade de comunicação, comprovada na construção de uma candidatura vitoriosa. Na vida real, campanha é uma coisa, governo é outra.


Novamente em tese, ele faz o que fez Donald Trump, dirigindo-se diretamente ao povo que gosta de ouvi-lo. Novamente na vida real, o estilo de Trump é irrelevante porque ele é acima de tudo um mentiroso. Calcula-se que minta cinco vezes por dia.

As curtas mensagens de Trump podem inspirar Bolsonaro, mas o meio não é a mensagem. Jânio Quadros comunicava-se por bilhetinhos que hoje enfeitam o folclore de sua Presidência, Ninguém ri dos adesivos de Winston Churchill ordenando “Ação, hoje”. Isso porque as coisas aconteciam.

As trombadas de Bolsonaro parecem-se mais com o “campo de distorção da realidade” do genial Steve Jobs. Misturando carisma e segurança, ele se julgava capaz de convencer as pessoas de qualquer coisa.

Bolsonaro pode ter convencido muita gente de que o Brasil precisa se livrar do socialismo, mas quem acreditou na necessidade de colocar o Ministério do Meio Ambiente dentro da Agricultura enganou-se.

O “campo de distorção da realidade” pode funcionar na iniciativa privada, pois diante de um conflito o gênio prevalece ou vai embora.

Foi isso que aconteceu com Jobs em 1985, quando ele deixou a empresa que fundou. (Ele voltou à Apple em 1997, para um desfecho glorioso.) No exercício de uma Presidência, o negócio é outro. Trump ficou em minoria na Câmara e corroeu boa parte do prestígio internacional de seu país.

O governo de Bolsonaro tem três campos de distorção da realidade. Um está na segurança. A ação do crime organizado no Ceará mostrou que não existe pomada para tratar dessa ferida.

Outro fica no mundo dos costumes e tem funcionado como um grande diversionismo. O terceiro, aquele que parecia demarcado com a delegação de poderes ao posto Ipiranga, foi onde se deram as trombadas.

Isso porque os ministros Sergio Moro e Ricardo Vélez podem dizer o que quiserem. No mundo da economia a sensibilidade é imediata e por isso a primeira trombada teve que ser logo remendada.

A eficácia da teatralidade de Bolsonaro mostrou seu limite em menos de um mês. Isso aconteceu antes mesmo que o Congresso reabrisse seus trabalhos.

Dois presidentes deram carta branca a seus ministros da Fazenda. Num caso, com grande sucesso, Itamar Franco sagrou Fernando Henrique Cardoso.

No outro, com retumbante fracasso, o general João Figueiredo manteve Mário Henrique Simonsen no governo. Com o tempo viu-se que Itamar acreditou no que fez, enquanto Simonsen preferiu ser enganado. Não se sabe o que está escrito na carta branca de Paulo Guedes, mas essas cartas nada têm de brancas.

O simples murmúrio de que o secretário da Receita, Marcos Cintra, está na frigideira é um mau sinal. Ele deveria ter pensado duas vezes antes de botar a cara na vitrine desmentindo o presidente, mas o doutor estava certo, e Bolsonaro, errado.

Era uma questão factual, o decreto do IOF não havia sido assinado. Como ensinou o senador americano Daniel Moynihan, “todo mundo tem direito à sua própria opinião, mas não aos seus próprios fatos”.
Elio Gaspari

Novidade no Brasil Novo


Dentro da baleia

“Quase com certeza estamos rumando para uma era de ditaduras totalitárias — uma era em que a liberdade de pensamento será a princípio um pecado mortal e mais tarde uma abstração sem sentido”
Escolhi George Orwell para iniciar o ano, evidentemente não por acaso. Dentro da baleia , ensaio escrito em 1940, revela o Orwell visionário e realista que quase todos associam a suas obras de ficção. Contudo, o lado mais intrigante do escritor está em suas obras de crítica literária e nos ensaios jornalísticos e políticos — a crítica literária e os ensaios muitas vezes mesclam-se de forma esplendorosa, como em Dentro da baleia . Eis um trecho: “Quase com certeza estamos rumando para uma era de ditaduras totalitárias — uma era em que a liberdade de pensamento será a princípio um pecado mortal e mais tarde uma abstração sem sentido”.

Movimentos nacionalistas e populistas à parte, não estamos entrando na era de ditaduras totalitárias que descrevia Orwell. O autor, britânico e liberal, portanto um liberal britânico de pura linhagem, preocupava-se com o fascismo na Europa, com o stalinismo na União Soviética, com o nazismo na Alemanha, com o maoismo na China. Orwell jamais se rendeu às simplificações conservadoras dos regimes ditos “comunistas”, preferindo a sátira para abordar as contradições da utopia socialista inserida em regimes totalitários. A sátira está em falta para tratar das contradições do Brexit de sua terra natal, do trumpismo nos Estados Unidos, da ascensão da extrema-direita mundo afora. Mas divago.

Se não temos totalitarismo no nacionalismo ascendente, sobra falta de liberdade de pensamento. Por razões diversas — dentre as quais não se pode excluir o Big Brother das redes sociais —, a liberdade de pensamento está se tornando um pecado mortal neste final de década. Não tardará para que seja uma abstração sem sentido. “Deus acima de todos”, para religiosos ou não religiosos, é a mais pura retratação dessa abstração sem sentido que é o ato de refletir e escrever sem amarras, sem medo de ser rotulado indelevelmente pelas patrulhas incansáveis.

Ilustrar como estrebucha o livre pensamento é cada vez mais fácil, afinal o livre pensamento exige que a reflexão tenha nuances. Desafio os leitores a encontrar um tema sobre o qual as nuances estejam bem apresentadas hoje em dia. O “globalismo”? Para os detratores, grande conspiração das elites internacionais contra os homens e mulheres esquecidos, contra a classe média; para os mais extremados, contra os valores cristãos. Ou, para os defensores, um benefício inequívoco e mal compreendido por aqueles que não são suficientemente versados sobre o tema. Ignorância de um lado, arrogância de outro. A imigração? A destruição das culturas locais por gente que quer extrair da população nativa seus direitos — o direito a um bom emprego, a uma renda digna — sem dar nada em troca, sem querer se assimilar. Ou um benefício inequívoco que deve ser preservado a qualquer custo. O reconhecimento de que disparidades salariais entre homens e mulheres, controladas todas as possíveis razões para isso, prejudicam o crescimento econômico? Coisa de feminista, assunto de menor importância diante de tantas questões mais urgentes. Ou tema que deve ser tratado com a adoção imediata de políticas para combater tais diferenças, ainda que os defensores dessas políticas talvez não tenham compreendido todas as dimensões de tão complicado problema. As mudanças climáticas? Invenção das elites mancomunadas com cientistas sem ética para impedir o progresso ou prejudicar setores específicos que antes empregavam e pagavam bem, como a indústria carvoeira. Ou algo que deve ser levado a sério, ainda que “sério” se resuma apenas a um punhado de palavras nas declarações quase sempre vazias e sem a tração devida dos fóruns internacionais. A China? País imperialista que quer avançar a todo custo, ameaçando a sociedade ocidental com suas práticas desleais. Ou país imperialista que quer avançar a todo custo, ameaçando a sociedade ocidental com suas práticas desleais.

No último ano desta década, neste 2019 que acaba de se iniciar, temos uma escolha. Podemos reaprender a apreciar as nuances dos argumentos e o que cada lado tem a dizer sobre temas tão importantes quanto o ritmo da globalização, a imigração, as desigualdades de salário e oportunidade, as mudanças climáticas, a China. Ou fazer jus à premonição nada auspiciosa de Orwell:

“Entre nas entranhas da baleia — ou, antes, admita estar dentro da baleia (porque, claro, você está) .”

Monica de Bolle

O dilema da defesa das ideias no vale de lama das redes

Em uma poderosa coincidência sob a sombra do zeitgeistpolítico, nesta segunda-feira, em uma mesma manhã, o líder do movimento italiano 5 Estrelas ofereceu apoio – especialmente o conhecimento de organização em redes sociais – aos coletes amarelos franceses, enquanto um dos dirigentes dos Verdes alemães anunciou que ia descer do carro Twitter e Facebook. Os movimentos que expressam antagonismo ao sistema surfam nas ondas das redes; os defensores do sistema se afundam ou renunciam.


A sinergia entre os amarelos italianos e franceses é apenas o desdobramento mais recente da estratégia bem afinada de populistas que querem falar diretamente com os povos, evitando o filtro da mídia profissional, e de pessoas que querem se organizar de forma eficaz e sem as estruturas hierárquicas tradicionais. A simplicidade das mensagens populistas se adapta perfeitamente ao ambiente das redes. A complexidade, por sua vez, sangra.

Trump tem 57 milhões de seguidores no Twitter. Salvini é um autêntico mestre do Facebook Live; Bolsonaro venceu as eleições brasileiras substancialmente nas plataformas digitais.

Diante disso, os defensores da ordem liberal sofrem terrivelmente. Alguns lutam nessa trincheira, como Macron (3,5 milhões no Twitter), que às vezes dá sintomas de habilidade – "torne o nosso planeta grande outra vez", lançou rápido, quando Trump se retirou do Acordo de Paris –, ou, antes, Renzi (3,3 milhões). Outros, como Merkel, se esquivam desse combate. E agora, o chamativo gesto de Robert Habeck na Alemanha, que ali estava, e não mais. Resta ver se vai iniciar uma tendência.

Como argumento, Habeck lamenta a agressividade propiciada por uma rede como o Twitter. Lamenta a desconcentração, a falta de profundidade que esses formatos involuntariamente encorajam. Em suma, como muitos outros, Habeck se rebela diante de um tempo que privilegia a horizontalidade – a rapidez, a volatilidade, conectividade, bicando aqui e ali – em detrimento da verticalidade que impulsionou a humanidade durante séculos – concentração, especialização do trabalho, aprofundamento como uma ferramenta para transcender e chegar às alturas.

E curiosamente, Luigi Di Maio, líder do 5 Estrelas, usa precisamente a palavra "horizontal" no post em que oferece apoio aos coletes amarelos para dar impulso a seu movimento.

Obviamente, as redes em si mesmas são um instrumento neutro que também exerce um poderoso efeito disseminador de conhecimento. E de controle sobre templos que frequentemente são corruptos e autorreferenciais. Mas também é evidente que na vida real costumam propiciar a superficialidade, distração, instintos agressivos.

Desponta aqui, portanto, um grande dilema existencial do nosso tempo. O mundo gira em direção ao eixo horizontal a passos gigantes. É preciso defender a verticalidade se embrenhando nela e lutando também no eixo que se execra? Cada um terá sua resposta, mas é claro que as redes são formidáveis coletoras de votos e que a verticalidade tem que fazer um grande esforço para aprumar seu relato, seja enrolada em si mesma ou desdobrada em território adverso. A horizontalidade avança.

Os muitos Brasis de muitas verdades

Foi uma das primeiras medidas do novo governo. Eu a encarei como brutal e triste. Por decreto, Jair Bolsonaro submeteu as terras indígenas ao Ministério da Agricultura. A nova chefe da pasta, Tereza Cristina, defende os interesses do agronegócio, que está numa espécie de guerra com os índios há décadas. Há mortes todos os anos. E são sempre os índios, nunca os latifundiários ou seus pistoleiros. Ou seja: Bolsonaro transformou em jardineiro o bode que está esperando para destruir o jardim.

Os motivos são claros: ele precisa satisfazer os ruralistas, um dos seus grupos de eleitores mais importantes. Precisa do apoio da "bancada do boi" no Congresso. E também aprendeu com Maquiavel: "As injustiças devem ser feitas todas de uma só vez, a fim de que, pouco saboreadas, ofendam menos (...)."

Por trás de tudo isso, porém, há algo mais grave: uma visão muito limitada e autoritária do Brasil. A justificativa tuitada pelo presidente chamou minha atenção: "Menos de um milhão de pessoas vivem nestes lugares isolados do Brasil de verdade, exploradas e manipuladas por ONGs." Eu me perguntei: qual é esse "Brasil de verdade" do presidente? E por que ele simplesmente não pergunta aos próprios indígenas em que "Brasil de verdade" eles gostariam de viver? Há 500 anos, muito cara-pálida falou pelos índios. Bolsonaro é só mais um.

Lembrei das minhas pesquisas junto aos povos Suruí, Cinta Larga e Tenharim ao longo da fronteira agrária em Rondônia e no Amazonas. E da minha viagem às reservas dos índios Guarani em Mato Grosso do Sul, onde vivem em condições precárias em meio a imensos pastos de gado e campos de grãos, esquecidos pelo Estado e pela sociedade. Todas as tentativas intentos deles de sair dessa situação são respondidas com violência.

Nessas reservas, não vi ONGs que "manipulavam e exploravam" os indígenas. Mas com frequência vi igrejas evangélicas cujos pastores diziam aos índios que sua língua, seus cânticos, seu vestuário e seus deuses florestais eram "coisa do demônio". E depois de falar essas besteiras, exigiam o dízimo.


Por isso, um grupo de índios Suruí em Rondônia permitiu a entrada de madeireiros ilegais na floresta, onde puderam derrubar as maiores e mais valiosas árvores em troca de uma taxa. Com o dinheiro, os Suruí pagavam o dízimo. Mas houve uma disputa com outros Suruí que diziam que isso era errado. Assim, o povo ficou dividido entre si.

Os fiscais do Ibama na região também ficaram com raiva. Disseram que se sentiam impotentes, que tinham medo que a máfia dos madeireiros incendiaria a estação se eles impedissem o transporte ilegal de árvores.

Mas afinal, de que lado está o presidente? Ele está com os madeireiros, os pastores evangélicos e os Suruí que vendem a floresta ilegalmente? Ou ele está ao lado dos Suruí do bem e os fiscais, que querem defender a lei?

Conto tudo isso para mostrar como a narrativa desse governo é rasa e isenta de complexidade. Se acreditarmos nela, o Brasil está cheio de professores marxistas, artistas degenerados, defensores dos direitos humanos que defendem bandidos e índios preguiçosos. E, naturalmente, também está cheio de jornalistas estrangeiros que são adeptos do PT.

Em primeiro lugar, sempre está a definição da realidade, descrita como terrível e descontrolada. Portanto, é preciso adotar medidas drásticas para reassumir o controle. É a metodologia de todos os regimes autoritários, tanto de direita quanto de esquerda. O poder sempre é também o poder de definir.

Mas, para que a narrativa funcione, são necessárias pessoas que acreditem nela. E, surpreendentemente, sempre há muitas delas. O matemático e filósofo britânico Bertrand Russell explicou da seguinte maneira: "O problema do mundo é que as pessoas inteligentes estão cheias de dúvidas, e as pessoas idiotas estão cheias de certezas."

Então, o presidente do Brasil fala que os índios deveriam viver no "Brasil de verdade". A que Brasil ele se refere? À Barra da Tijuca onde fica o seu condomínio? Às casernas dos militares que ele tanto venera? Ou ao Brasil da música sertaneja e dos rodeios?

Será que esse "Brasil de verdade" existe, afinal? Ou é apenas um devaneio como o socialismo que Bolsonaro combate tão fervorosamente quanto Dom Quixote os moinhos, que ele toma por gigantes?

Quem viajou uma vez pelo Brasil sabe que não existe um "Brasil de verdade". Conheci viticultores na Serra Gaúcha e pescadores no Delta do Parnaíba. Conheci latifundistas em Mato Grosso do Sul e quilombolas no Recôncavo Baiano. Conheci um criador de aves com dezenas de araras em Poços de Caldas e um colecionador de cristais na Chapada dos Veadeiros. Conheci um jogador de futebol profissional do Grêmio e um catador de lixo no Rio de Janeiro: um médico jovem do programa Mais Médicos em São João del Rei e um pajé velho e cego no rio Madeira; o porta-voz dos Jogos Olímpicos de 2016 e a porta-voz da favela que deu lugar ao Parque Olímpico. Não existe um "Brasil de verdade", mas muitos Brasis de muitas verdades. Quem diz o contrário não tem ideia do que é esse pais. A pluralidade é característica desse país. E, finalmente, é preciso fazer com que o reconhecimento dos primeiros povos do país façam parte dessa diversidade.

Existem mais de 300 povos indígenas por aqui, que falam mais de 270 línguas diferentes. Na maior parte das vezes, são pobres. Mas não empobrecem o Brasil: pelo contrário, o enriquecem. Mas ainda não sê vê a tradição indígena como tesouro cultural, com todo o pensamento, os hábitos de vida, os rituais milenares. "Há interesse em quadros de Monet ou Renoir, o que é louvável, mas não em pinturas indígenas extremamente ricas, de até mil anos atrás", bem observou o professor da USP Gerson Damiani.

Os governos do PT foram péssimos para os povos originários do Brasil e para o meio ambiente. Foi Lula que quis construir Belo Monte a todo custo; e Dilma demarcou o menor número de terras indígenas entre todos os governantes do país desde 1985. O PT também não falava com os índios, decidia por eles. Exatamente como Bolsonaro faz agora.

O PT foi um desastre para o meio ambiente e os índios. Com Bolsonaro, eles estão ameaçados pelo apocalipse.

O deputado estadual recém-eleito do PSL do Rio de Janeiro Rodrigo Amorim disse que "quem gosta de índio, que vá para a Bolívia, que, além de ser comunista, ainda é presidida por um índio". Quem é que não pensa em Bertrand Russell?!

Mas, quando se fala realmente com os indígenas, ouve-se o seguinte: "Achar que a população indígena, estando em terras demarcadas, não está integrada à sociedade é um pensamento retrógrado." A frase é do Conselho Indígena de Roraima. O que querem os indígenas? Antes de tudo, querem ser ouvidos.
Philipp Lichterbeck