Segundo o estudo “Democracia sob tensão”, apresentado no Brasil na semana passada, as pessoas preferem mais ordem mesmo que com menos liberdade e estão preocupadas com problemas para os quais a democracia não vem respondendo satisfatoriamente: desemprego, segurança, desigualdade, perda do poder aquisitivo.
Esse quadro se agravou a partir da crise mundial de 2008 e como consequência de uma globalização excludente. Enquanto os países de democracia liberal mal se recuperaram da crise e enfrentam insatisfações decorrentes da ampliação da desigualdade, a China e a Índia – países de regimes autoritários – experimentaram forte crescimento econômico e incorporaram imensos contingentes ao mercado.
Esse é o pano de fundo para a eleição de Donald Trump nos EUA e Jair Bolsonaro no Brasil, o triunfo do Brexit reafirmado de forma esmagadora na recente vitória de Boris Johnson na Inglaterra, e para governos como o de Viktor Orbán, na Hungria, Erdogan na Turquia.
No caso brasileiro, a disfuncionalidade da democracia assume proporções catastróficas. Em seu artigo “Desafios da economia brasileira”, o economista Marcos Lisboa mostra que no período de 1981 a 2018 o PIB per capita cresceu apenas 38%. Compará-lo com a China de crescimento de 860% ou da Coreia do Sul, de 526%, seria covardia. O tamanho do nosso desempenho pífio salta aos olhos quando cotejado com o Chile, cuja expansão foi de 173,%, no mesmo período. A Colômbia que viveu uma guerra civil teve um crescimento e 103%.
As raízes da semi-estagnação brasileira estão no esgotamento do modelo de substituição de importações, no final dos anos 70. Segundo Armínio Fraga, nesse modelo o Estado teve grande peso numa economia fechada e de pouca ênfase na produtividade, educação e igualdade. O governo Geisel foi o último suspiro de um modelo que, paradoxalmente, unia na sua defesa a esquerda nacionalista e os militares. Ao final, gerou a hiperinflação e a explosão da dívida externa.
A Constituinte de 1988 e governos sucessivos alargaram a inclusão social, particularmente com a queda da inflação, a universalização do ensino fundamental, o Sistema Único de Saúde e o Bolsa Família. Como se deu em um quadro de baixo crescimento, de um Estado campeão em transferência de renda para os mais ricos e lanterninha na transferência para os mais pobres, o resultado previsível foi a deterioração dos serviços públicos.
O desastre da nova matriz econômica do segundo mandato de Lula e do governo Dilma agravaram a crise fiscal do Estado e a ineficiência da economia; por meio de subsídios, da política de “campeões nacionais” e de investimentos calamitosos como Abreu e Lima, Comperj, Pasadena, Sete Brasil. Também levou à explosão dos gastos públicos.
O Estado brasileiro não investe, gasta. E muito mal, sempre acima do que arrecada. Não serve aos brasileiros, serve às corporações que o capturaram. Segundo Armínio Fraga, esse Estado se apropria de 35% do Produto Interno Bruto, enquanto que só a União consume 28% do PIB para pagar o funcionalismo e aposentadorias. Não, há, portanto, retorno para a sociedade sob a forma de serviços públicos de qualidade. Isto explica por que na pesquisa “Democracia sob Tensão” apenas 23% dos brasileiros avaliaram que a democracia funciona bem.
Distensionar a democracia implica em promover o crescimento sustentado com inclusão social, levando adiante o programa de reformas. Não se trata, como se pregou na década de 70, de primeiro fazer o bolo crescer para depois dividir. Crescimento e inclusão devem andar juntos, sob pena do descrédito da democracia levar água para demagógicos e populistas que não nos conduzirão a lugar nenhum.