quinta-feira, 30 de maio de 2019

Diário de um brasileiro

O brasileiro convive bem com o escândalo moral.
Os ladrões infestam os salões de luxo,
os Bancos estouram, os banqueiros
são cumprimentados com reverência,
o Presidente do Congresso chama o senador
de bandido, sim senhor, vossa excelência.

O Presidente diz pela televisão
que “é preciso acabar com a roubalheira
nos dinheiros públicos”.
As pessoas das cidades grandes
vivem amedrontadas, qualquer
transeunte pode ser um assaltante.
As meninas cheiram cola. Depois
vão dar o que têm de mais precioso
ao preço de um soco na cara desdentada.

O brasileiro convive com o escândalo
como se fosse o seu pão de cada dia,
com uma indiferença letal.

Como se dormir na casa com um rinoceronte,
mas rinoceronte mesmo,
fosse a coisa mais natural do mundo,
chegando a cheirar a camélias.

O povo, um dia.
Do povo vai depender
a vida que vai viver,
quando um dia merecer.
Vai doer, vai aprender.
Thiago de Mello

Ordem e progresso

Disputas entre facções criminosas em quatro presídios no Amazonas deixam um saldo de 55 mortos. Ainda vamos ver muitas dessas tragédias. Na verdade, o problema tende a se agravar se o governo levar a cabo seus planos de endurecer penas e restringir benefícios de progressão de regime.


Gostamos de pensar os presos como valentões que resolvem tudo na base da violência. Se deixados à própria sorte, rapidamente entrariam numa espiral de caos e anarquia. Mas, como mostra o celebrado economista David Skarbek, essa imagem está errada.

Presos, como quaisquer seres humanos, preferem viver em ambientes organizados e previsíveis. O Estado até consegue propiciar um meio relativamente seguro em presídios pequenos ou enquanto a unidade conta com recursos adequados. Mas, se a população carcerária crescer sem que o número de celas, guardas etc. acompanhe, surgem instabilidades que os próprios presos tratarão de resolver. Está aí o embrião das organizações criminosas.

Elas começam administrando conflitos interpessoais e organizando o comércio ilegal intragrades, mas vão ganhando em sofisticação e capacidade e logo passam a comandar também o tráfico de drogas nas ruas. Três décadas antes de o PCC eclodir nas prisões paulistas, a Califórnia já conhecera a Máfia Mexicana de San Quentin, ou “La Eme”, que atua até hoje.

O poder vaza para fora da cadeia porque o bandido que está solto tem sempre uma boa chance de vir a ser preso amanhã e, mais importante, porque as gangues de fato entregam produtos, como os tribunais informais do crime, que aumentam a produtividade nos negócios. É o mesmo movimento que, fora das cadeias, criou Estados.

Para a segurança pública, tão importante quanto retirar bandidos de circulação é manter a população carcerária em níveis administráveis, o que exige prender muito mais seletivamente do que fazemos hoje.

Gente fora do mapa

Manila (Filipinas)

O poder da caneta

As pessoas que foram às ruas no domingo atendendo a chamado do presidente e as que vão às ruas nesta quinta-feira para protestar contra o governo deram uma demonstração de política real. Uma e outra sugerem a Jair Bolsonaro que ele teria prevalecido num teste de forças que, na verdade, está apenas no começo e no qual a caneta Bic do presidente é insuficiente para vencer.

Começa pelo tal “pacto” dos três Poderes que nem tem como existir (o STF assinando pactos?). A ênfase retórica no “pacto” é, em parte, o resultado da percepção de Bolsonaro de que os termos da vitória eleitoral e “as ruas” lhe teriam permitido enfrentar os outros dois Poderes, e que levou o ministro Paulo Guedes a dizer que “não há antagonismo” entre eles (os Poderes) – frase que só provocou risadas entre seus pares no mundo real da economia e finanças. Tudo bem, reconheça-se que um dos pilares do governo não poderia mesmo declarar outra coisa em público, ainda que fosse para segurar o dólar.


“As ruas” – ou o que Bolsonaro entende por isso – teriam também dito ao presidente que ele não precisa se esforçar muito em conseguir uma base estável no Congresso, pois o ronco das multidões que o apoiam superaria em caso de necessidade os cochichos dos participantes do nefasto conchavo que o impede de realizar os anseios do povo. O problema aqui é o de desafiar um dado estrutural do sistema de governo brasileiro (admita-se, o pior do mundo), que obriga Executivo e Legislativo a se entender de alguma maneira.

Nesse sentido, Bolsonaro está conseguindo o inverso do que pretende. O Congresso está caminhando até com certa rapidez para fortalecer suas prerrogativas e com pautas próprias (na área tributária, por exemplo). Mais complicado ainda para o presidente, o mundo parlamentar se impressionou menos do que ele acredita com as manifestações de rua. Ao contrário, está tomando a guerra deflagrada pelo bolsonarismo nas redes sociais como incentivo para reduzir as prerrogativas do Executivo em dois setores-chave: alocação de recursos pelo orçamento e uso de medidas provisórias.

Ao aderir a simplificações brutais da (admita-se) complexa e dificílima relação com o Legislativo, Bolsonaro ignora um outro dado relevante da realidade dos fatos. Parlamentares reagem, sim, não só “às ruas”, mas, também, a uma série de pressões políticas, sociais, econômicas e regionais que os empurram, por exemplo, para a aprovação de alguma reforma da Previdência – é o que explica, em parte, o entendimento relativamente muito mais fácil entre o próprio Guedes e os presidentes das casas legislativas, que estabeleceram há tempos linha direta com importantes segmentos da atividade econômica.

As elites da economia estão há tempos totalmente convencidas de que não há um plano B para a não aprovação de alguma reforma da Previdência. Mais ainda: clamam por algo que mexa com a sufocante questão dos impostos (nem estamos falando da carga). Alguma surpresa com o fato, mencionado acima, de o Legislativo querer seguir adiante com uma pauta “própria” de reforma tributária? Ou das expectativas dos agentes de mercado voltadas agora menos para Bolsonaro e mais para o Congresso?

Aos cinco meses de governo, está se ampliando a noção de que a formação de uma base coesa e estável de Bolsonaro no Legislativo não só continua distante, mas, talvez, nunca se concretize. O presidente não se mostra disposto a liderar nada nesse sentido, e já deixou a própria bancada mais de uma vez na mão. Confia estar na rota política correta. É a que vai ajudar a diminuir muito o poder da sua caneta.

Mitinho

O fato é que Bolsonaro é um Messias precário, que não está conseguindo lidar com os demônios que o perturbam. As “corporações” e a “velha política” que ele denuncia fazem parte do jogo democrático e não podem ser confundidas com Belzebu, Asmodeus ou Lúcifer. A verdade é que ninguém inviabiliza seu governo, a não ser ele mesmo. Quem está contra ele, está contra Deus é um raciocínio estranho e perigoso.
 
Bolsonaro quer estabelecer uma disputa do bem contra o mal, na qual ele representa o lado certo. E o inferno são os outros. Mentira. Tudo pode parecer misterioso, mas, no fundo, é só uma forma de esconder a própria incompetência
Vicente Vilardaga

A guerra das culturas

Não existe mais muita coisa capaz de me chocar no Brasil – mas uma cena acabou conseguindo. Em Curitiba, apoiadores de Jair Bolsonaro arrancaram uma faixa com os dizeres Em Defesa da Educação da fachada da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Centenas de pessoas aplaudiram.


Ficou evidente que o Brasil vive uma guerra de culturas. As forças do obscurantismo estão atacando o iluminismo. Este mês, duas grandes manifestações levaram milhares de brasileiros às ruas. Elas não poderiam ter sido mais distintas.

Da primeira, participaram sobretudo pessoas jovens, que protestaram pela educação, há duas semanas. Eram negras e brancas e tudo o que há no meio. São o Brasil do futuro. E é por esse futuro que lutam. Porque, se há algo com que se pode solucionar quase todos os outros problemas do Brasil, é a educação.

Através dela, é possível conter as pragas da violência, da desigualdade, da destruição ambiental e da corrupção. Para fazer mudanças no Brasil, seria preciso começar por aí. Os verdadeiros patriotas, portanto, são os estudantes do ensino médio e universitários que vão às ruas contra os cortes do governo.

Também está claro o motivo pelo qual muitos brasileiros são contra a educação para todos. Esses participaram da outra manifestação, que aconteceu no último domingo, com o intento de apoiar o presidente Bolsonaro, cujo governo está ameaçado de acabar em fiasco. Mas os fãs dele só veem o que querem ver. Em vez de um homem medíocre, misantropo, intelectualmente e moralmente fraco, eles reconhecem um "mito". Nos atos, houve até quem dissesse que Bolsonaro foi enviado por Deus. Que Deus cruel.

O ideal do movimento bolsonarista é um país no qual os papéis sociais (e sexuais) são claramente distribuídos. É um país onde há uma nítida definição de quem fica em cima e de quem fica embaixo. São os próprios apoiadores brancos de Bolsonaro que tiram proveito dessa desigualdade. Primeiro, por meio da legião de trabalhadores baratos e sem formação. E segunda, porque a existência dos pobres faz eles se sentirem superiores.

É assim que devem ser interpretadas as fotos sarcásticas tiradas com sem-teto pelos manifestantes. Eles lucram com as estruturas antigas do feudalismo, que ainda existem no Brasil e que só podem ser rompidas com a educação. Por isso, qualquer esforço de criar igualdade de oportunidades é chamado por eles de "socialismo".
O conflito entre o pensamento esclarecido e o antiesclarecimento fica mais evidente quando se trata de religião e racionalidade. A questão fundamental se debruça sobre o que deve ter mais influência nas decisões políticas. Nas sociedades modernas, a resposta costuma ser: a razão. Os novos direitistas brasileiros acham que isso está errado – desde Olavo de Carvalho, o ideólogo do antiesclarecimento, passando pelos ministros Damares Alves e Ernesto Araújo, até o próprio presidente ("Deus acima de todos").

Eles confundem sua fé com conhecimento. Por isso, desprezam o conhecimento dos outros e a ciência, que é complexa e cheia de nuances. Assim, pode-se explicar o fato de Bolsonaro acusar o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de disseminar "fake news" – apesar de ele não ser um especialista em estatística. A ministra da Família, Damares Alves, afirma que a Teoria da Evolução é errada – mas não tem noção de biologia. E o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, acha que as mudanças climáticas não estão acontecendo – contra o consenso de pesquisadores no mundo todo.

Enquanto isso, nas ruas, os direitistas pedem "o fim de Paulo Freire", que nunca leram. Esse desprezo por intelectuais e cientistas é uma característica fundamental de regimes autoritários. É ela, na verdade, que está por trás dos contingenciamentos financeiros na área da educação.

O cenário combina com a notícia de que o Brasil entrou para o grupo de 24 países no mundo que vivem uma "erosão" em suas democracias. A avaliação é do Instituto V-Dem (Varieties of Democracy, ou Variedades da Democracia), da Universidade de Gotemburgo, que tem o maior banco de dados sobre democracias no mundo. O Brasil, segundo os especialistas, está sendo afetado severamente por uma onda de autocratização.

Será que as pessoas que aplaudiram quando a faixa a favor da educação foi arrancada em Curitiba aplaudiriam amanhã, se os livros de Paulo Freire, Jorge Amado e Chico Buarque fossem queimados? Temo que a resposta seja "sim". Essas pessoas acreditam que sua ignorância vale mais do que o conhecimento dos outros. O Brasil está num caminho escuro e perigoso.
Philipp Lichterbeck

Veneno da política intoxica o PIB e derruba 2019

Nas pegadas de um final de semana em que o Posto Ipiranga de Jair Bolsonaro ameaçou fechar as portas —"Pego o avião e vou morar lá fora", disse Paulo Guedes—, o IBGE informa nesta quinta-feira que o PIB do primeiro trimestre de 2019 foi medíocre. É o prenúncio de um mal maior: o excesso de veneno na política intoxica a economia, comprometendo o crescimento do país pelo terceiro ano consecutivo.

A recuperação da economia está, por assim dizer, pendurada numa palavra: Confiança. Algo que os governos não conseguem inspirar. Após a ruinosa gestão de Dilma Rousseff, o impeachment e a pauta liberal de Michel Temer animaram a conjuntura. Súbito, o grampo do Jaburu carbonizou as expectativas. Em vez de salvar a Previdência e sanear as contas públicas, Temer priorizou o salvamento do próprio pescoço.


A eleição de Jair Bolsonaro, com Paulo Guedes a tiracolo, reacendeu o otimismo do mercado. A ilusão durou pouco. Em cinco meses de mandato, descobriu-se que a única coisa que cresce no Brasil é a capacidade do capitão de produzir crises contra si mesmo. Já seria o suficiente para potencializar o pessimismo. Nem precisava do auxílio externo proporcionado pelos ruídos da guerra comercial entre China e Estados Unidos.

Continua na ribalta ela, a reforma da Previdência. Até o asfalto já roncou pelo ajuste previdenciário —coisa inédita no mundo. Mas a ficha dos atores políticos demora a cair. Com sorte, Bolsonaro se autoimpõe uma abstinência de redes sociais. E a coisa se resolve até setembro. Com azar, novas polêmicas esticarão a corda até as vésperas do Natal, empurrando o pessimismo e a retração dos investimentos para dentro de 2020.

O brasileiro deve ser um dos sujeitos mais bombardeados por notícias econômicas do mundo. Aqui, a economia tem mais espaço no noticiário do que o futebol. Quanto mais a economia não dá certo, mais manchetes ela ocupa. Quanto mais o cidadão acompanha as novidades, mais percebe que entende apenas o suficiente para saber que precisa entender muito mais para descobrir o que leva um país com 13 milhões de desempregados a desperdiçar tanta energia com desavenças políticas.

Pensamento do Dia


Crítica da razão autoritária

É compreensível que a vitória nas urnas dê aos vitoriosos a sensação de que tudo podem, tudo devem, e de que a democracia é aquele regime em que eu venço, nós empatamos e você perde. A vontade popular se coagula em poder político e o poder político faz a vontade popular. Felizes para sempre.

Alguns interpelam, como se berrassem obviedades: “Acaso a vontade do povo pode ser confundida com ditadura?!” Infelizmente a reposta é sim, pode, e com frequência se confunde. Quem lê Jean-Jacques Rousseau sabe do que se trata.

A volonté générale é o adubo de muita manifestação autoritária e violenta. O autoritarismo, aliás, poucas vezes nasce contra o povo, quase sempre nasce em seu nome, e se funda na ideia de que o líder conduz o povo ao destino a que o povo aspira. Mais: na ideia de que as vontades de líder e povo se confundem ao ponto da indistinção.


Com isso quero dizer que essa é a intenção manifesta do clã Bolsonaro? Até onde a vista alcança, apesar de sua falta de jeito ou de gosto, Jair Bolsonaro parece estar de acordo com os termos do compromisso: Constituição, divisão de poderes, oposição, imprensa livre. Chatices.

Entretanto, essa aceitação não lhe é tão natural. Ele não toca de ouvido. Quilômetros de votos, declarações, atos e omissões ao longo dos anos, e de anos nem tão distantes assim, desmentem sua melhor educação política. Ninguém foge da própria biografia.

O que me preocupa, mais do que o presidente, é boa parte do eleitorado radical que o acompanha. Estes, sim, parecem assumir que democracia é a bigorna com a qual se amassa a cabeça dos perdedores. Podem não representar a maioria, mas não são poucos. E são entusiasmados.

Tudo se traduz na convicção de que, vencidas as eleições, a razão de quem venceu é a única razão a ser levada em conta, como se não houvesse outros debates, ideias, conflitos, visões e razões a se considerar. Como se o resultado das urnas fosse passe-livre para quaisquer efeitos e resultados depois delas – em nome do povo, para o povo, pelo povo.
No mundo civilizado, não é.

E perigosos...

Fanáticos são pontos de exclamação ambulantes
Amós Oz

Sorte e azar

Formam um idioma destinado a explicar eventos marginais as rotinas. Quando “a vida” nega ou dá mais do que se espera — uma loteria, por exemplo, entra em cena o dualismo azar ou sorte.

Travei conhecimento com essa linguagem quando minha avó Emerentina me pediu um palpite para o jogo do bicho. Vovó jogava no bicho diariamente e frequentava uma roda de pôquer de “gente educada” e “bem-vestida”, incapaz de uma “grosseria”. Um dia, ela me explicou essa aristocracia das cartas:

— Eles sabem perder, e só quem perde sabe ganhar. Ademais — continuou — é preciso jogar para se descobrir vivo ou morto. Minha avó sabia o que dizia. Seu primeiro marido foi assassinado à bala por um rival inconformado.

— Meu netinho — disse a um garoto de 8 anos — dê um palpite para o jogo do bicho.

— Como assim?

— Diga o nome de um bicho que você gosta, e eu vou jogar.

— Elefante! — pronunciei, orgulhoso porque estava usando na prática e na vida o que havia visto com admiração e alegria num filme de Tarzan no dia anterior.

No final da tarde, fui chamado por vovó e a encontrei na sala de visita muito bonita no seu austero vestido preto. Estava empoada e com cabelos cuidadosamente penteados. Fui recebido com um sorriso tão aberto como seus braços, nos quais eu caí para receber o incondicional afeto que nos abandona quando viramos adultos.

— Você acertou, deu elefante na cabeça! — disse, passando para minhas mãos uma moeda com a qual eu me entupi de chocolates comprados na esquina da nossa rua no Bar do Soares.


Criado num país no qual quem segue as leis, paga imposto e lê instruções é considerado um babaca, conforme ouvi numa pesquisa, confesso o meu inconformismo com a desobediência malandra e esperta como norma, vigente no espaço público. Quando atravesso uma rua movimentada e fico diante de um automóvel que aguarda minha passagem; ou entro numa fila na qual abrem caminho para o idoso que hoje sou, entendo que estou com sorte. Do mesmo modo e pela mesma regra, sinto-me azarado quando redescubro uma sistemática roubalheira pública desfigurando o sistema financeiro nacional.

Quando saio de casa para o trabalho, oscilo diante de um trânsito normal (quando tenho sorte) ou engarrafado (nos dias de azar). Ademais, enfrento a incerteza de não saber se as tais reformas sem as quais o Brasil vai acabar serão ou não aprovadas. Ou se o supremo magistrado da nação vai bosquejar mais uma crise. Aos 82 anos, eu ainda vivo num país que não se acertou com suas rotinas.

Sei, porém, do seguinte: minha vida em casa é mais previsível do que na rua. Em meio à pessoalidade, muitas vezes exagerada ao ponto de englobar o mérito, o lar ainda é mais seguro do que as decisões dos poderes da República. No nevoeiro das minhas dúvidas, não posso deixar de imaginar que a aprovação da reforma da Previdência será mais ou menos equivalente a acertar no elefante!

A experiência do menino transformou-se na obsessão profissional do estudante de sistemas culturais que são alternativos. Assim aprendi que nenhuma cultura suprime o idioma das coincidências, das fortunas e dos acidentes. Não existem sociedades perfeitas, aprendi, um tanto chocado, com um Lévi-Strauss que contrariava meus professores certos dos rumos da História Universal...

Poucas sociedades jogam tanto com a sorte como a brasileira. Poucas entram na nossa feroz jogatina com suas leis e instituições. E têm tanta familiaridade com a proximidade de um abismo social que é um flerte com o desastre. Somos, como diz meu ex-mentor, o brasilianista Richard Moneygrand, inimigos tenazes de nós mesmos.

Como não tenho e nem acredito que exista uma chave para o futuro — exceto a do risco e da boa-fé — sou um cultor da esperança.

Como tal, estou mais ou menos convencido de que, se fiz minha avó acertar no elefante, um dia vou ganhar na Mega-Sena. Então, entupido de dinheiro, irei inaugurar a Era da Filantropia no Brasil, tirando a pátria de uma piedosa e sovina caridade.

A quem possa interessar, informo que os diplomas de Harvard são escritos em latim.

Por que o tráfico de drogas entra no cálculo do PIB europeu

Às vésperas do anúncio oficial do Produto Interno Bruto (PIB), o Brasil enfrenta onda de revisões, feitas por instituições financeiras, que têm rebaixado a estimativa para o crescimento da economia do país em 2019.

O PIB é, segundo economistas, uma importante medida que indica o quanto a economia pode estar acelerando ou se contraindo com base na soma de todos os bens e serviços produzidos num país.

A origem desse indicador remonta a década de 1930, quando o economista Simon Kuznets, em busca de saídas para a Grande Depressão nos EUA, acabou criando uma forma de medir a economia contabilizando tudo que é produzido em determinado país.

A forma de calculá-lo, contudo, tem variado e a conta final depende do que se coloca na equação. Muitos países, entre eles todos os 27 membros da União Europeia, passaram a incluir atividades ilícitas como tráfico de drogas e contrabando no cálculo do PIB o que, na prática, ajuda a economia a parecer maior.

É uma decisão considerada controversa por muitos economistas porque atividades ilícitas são difíceis de mensurar e representam gastos adicionais por parte do Estado com, por exemplo, segurança e saúde. Por outro lado, contabilizar atividades ilegais é capaz de turbinar um dos principais indicadores econômicos do mundo.

Em 2014, países como a Itália, Reino Unido e Espanha anunciaram que iriam passar a contabilizar tráfico de drogas, prostituição, contrabando de cigarros e bebidas. A decisão atendia a uma exigência da União Europeia para que todos os países do bloco incluíssem atividades ilícitas no cálculo do PIB.

"Este não é apenas um requisito europeu, mas internacional – tem sido coberto pela metodologia desde a edição de 1993 do Sistema de Contas Nacionais da ONU [Organização das Nações Unidas]", informou à BBC News Brasil o Eurostat, o Gabinete de Estatísticas da União Europeia, por meio da assessoria de imprensa.


À época, segundo a imprensa britânica, o Reino Unido avaliou que a ação de prostitutas e traficantes iria incrementar em 9,7 bilhões de libras (o equivalente a R$ 497 bi em valores atuais) – ou em 0,7% – o PIB de 2009, ano em que o país tentava se recuperar de uma das piores crises econômicas da história recente.

O efeito na Europa, como um todo, parece ter sido mais modesto. Apesar de afirmar que não mantém estimativas regulares da quantidade das atividades ilegais, o Gabinete de Estatísticas da UE diz que a projeção feita em 2014 foi de aumento que corresponde a 0,38% do PIB do bloco.

De acordo com o Eurostat, além da inclusão das atividades ilícitas, outras mudanças na forma do cálculo feitas em 2014 resultaram num aumento total de em 3,67% no PIB da União Europeia.

As previsões para 2019 não são muito otimistas para o Brasil. O mercado financeiro vem reduzindo as expectativas de crescimento da economia neste ano. Divulgado no dia 20 de maio pelo Banco Central, o boletim de mercado, conhecido como relatório Focus, mostra uma redução na estimativa de crescimento deste ano de 1,45% para 1,24%, com base em levantamento feito junto a 100 instituições financeiras. No começo do ano, a expectativa era de um crescimento de mais de 2,5% no ano.

O indicador que representa uma prévia do PIB (IBC-Br) aponta uma retração de 0,68% no primeiro trimestre do ano.

Nesse cenário, a inclusão do tráfico de drogas, jogos de azar e contrabando de bebidas e cigarros poderia, em tese, inflar o PIB. Economistas apontam, contudo, que a medida é controversa e que o ideal seria ter um cálculo separado para as atividades ilícitas.

"Grande parte dos países que adotarem essa medida terão como resultado um grande aumento do PIB, inclusive o Brasil", afirma a economista Marcelle Chauvet, professora da Universidade da California Riverside e especialista em ciclos econômicos, que defende mensurar e divulgar o PIB com e sem as atividades ilegais.

"É importante haver um esforço orquestrado para contabilizar atividades ilegais. Essas atividades chegam a um percentual muito grande na economia de alguns países", diz Chauvet. "Isso permitirá uma comparação histórica da evolução da economia de cada país, como também comparação entre países que adotam ou não a inclusão de atividades ilegais", completa.

O economista e professor da Universidade de Brasília (UnB) Victor Gomes também acha "interessante" dimensionar esses mercados clandestinos, mas afirma que a inclusão no cálculo do PIB é uma questão complicada.

"Ter uma noção de qual é a produção, mesmo de coisas que a gente não goste ou não concorde, é sempre bom. Serviria inclusive como auxílio para várias políticas", justifica.

Quem calcula o PIB oficialmente no Brasil é o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que diz estar se esforçando para, além de encontrar um cálculo cada vez mais preciso, manter a comparabilidade internacional.

À BBC News Brasil, o IBGE informou que acompanha as discussões internacionais sobre contabilizar atividades ilegais ao medir o tamanho da economia. "Mas, por enquanto, não há projetos de incorporarmos essas atividades no cálculo do PIB", disse o órgão, por meio da assessoria de imprensa.

No Ministério da Economia, a atual forma de contabilizar o PIB parece agradar integrantes da pasta.

O secretário de política econômica do Ministério da Economia, Adolfo Sachsida, diz que o PIB é importante para verificar se as políticas estão funcionando e afirma que, da forma como é calculado hoje, "está valendo".

"No plano teórico, eu entendo que o PIB é a soma de todos os bens e serviços produzidos em uma economia em um período de um ano. Essa é a definição básica. Por essa definição, devia entrar tudo no cálculo. Mas não tenho ideia, não vejo vantagem", afirmou Sachsida.

"No fundo, para que precisamos do PIB? O PIB é uma medida pra verificar se as políticas estão funcionando, se o país está caminhando na direção correta. É isso que precisamos, de um indicador. Eu não tenho esse preciosismo que alguns têm, não. Pra mim, do jeito que está, está valendo", disse Sachsida, ao ser questionado pela BBC News Brasil sobre o tema.