segunda-feira, 18 de abril de 2016


Tchau, querida

O mistério, talvez tenha achado, traz certo gravitas. Possivelmente até seja verdade. Infelizmente, silencio não é o que se espera dos lideres. Especialmente diante de crises e em face de derrotas. Mas nada é tudo o que se ouviu.

Nada surpreendente. Afinal, desde que o país se dispensou de fazer sentido, não são compreendidos ou compreensíveis os sinais emitidos pelos governantes. Não haveria de ser diferente agora.


Somente nestes tempos estranhos é possível imaginar um país governado por tantos anos por alguém incapaz de com clareza comunicar qualquer ideia, boa ou ruim. Talvez seja por ausência de ideias. Talvez a dificuldade de comunicação torne irrelevante a qualidade das ideias. O fato é que por muito tempo o país esperou por algum sinal de liderança. Inutilmente, diga-se.

Foi assim que a população se encontrou exausta de sofrimento, frustrada em suas expectativas, e desapontada pelas atitudes. E exigiu um fim a indefinição. Ou pelo menos o alguma luz no fim do túnel que pudesse sinalizar horizonte em que a pagina finalmente possa ser virada.

Não é fácil construir tamanho consenso. Mas este governo conseguiu. A maioria concorda. Não da mais para aguentar. Algo tem que ser feito. E rápido. Razoes não faltam. Incompetência, inépcia, inercia, desonestidade, mentira.

Não faltam motivos para defender o afastamento destes governantes. E urgentemente.

Por isso, o resultado da votação não foi surpresa. Apenas consequência natural do elenco de ilegalidades cometido por um governo que, por ser de todo incapaz, foi capaz de fazer qualquer coisa. E que agora experimenta a solidão, o isolamento.

Que estes governantes sigam em marcha batida em direção ao ostracismo que merecem. Que suas historia fique adequadamente registrada em merecida nota de rodapé. A gente cansou.

Tchau, querida.

Temer, sem o direito de errar

Dilma tem poucos amigos. Temer, muitos. Dilma não confia em ninguém. Temer confia. Dilma vive sozinha com a mãe. Temer é casado, tem filhos e detesta a solidão.

Dilma concentra poderes. Temer delega. Dilma impõe sua vontade sem discuti-la. Temer constrói a sua ouvindo os outros.

Dilma detesta a política e os políticos. Depois da família, Temer anos ama a política e os políticos acima de tudo.

O que o resultado da votação do impeachment na Câmara teve a ver com as diferenças de temperamento, estilo e modo de vida de Dilma e Temer? Nada e tudo.

Quem derrubou Dilma foram as mentiras que disse para se reeleger e os muitos erros que cometeu desde então. Mas se ela não fosse como é, e Temer o seu oposto, talvez pudesse sobreviver a um processo que ainda está longe do fim.

Pior do que atravessar, insone, a noite de ontem, certamente será para Dilma viver o seu primeiro dia como presidente da República de direito, de fato, não.

Na vida real, o poder transferiu-se do Palácio da Alvorada, onde ela mora, para o Palácio do Jaburú, onde mora Temer.

Poucos quilômetros separam os dois palácios. Um, porém, abriga o passado em eclipse. O futuro começa a ser desenhado no outro.

É remota a chance de o Senado recusar-se a julgar Dilma. A admissão, ali, do pedido de impeachment está prevista para acontecer até o próximo dia 11.

O Senado só levou quatro dias para admitir julgar o ex-presidente Fernando Collor. É possível que em 10 dias aceite julgar Dilma. Nesse caso, ela será obrigada a afastar-se do cargo e terá o seu destino resolvido em um prazo de 180 dias.

O governo Temer começará de imediato. E dado às nuvens pesadas que privam o país de luz, e às desconfianças que cercam Temer, o vice-presidente no exercício do cargo disporá de pouco tempo para mostrar a que veio.

Um novo presidente costuma desfrutar de um mínimo de 100 dias de lua de mel com os seus governados. É da tradição. Temer não terá esse direito. Como Itamar Franco, o vice de Collor, não teve.

Tampouco a Temer será concedido o direito de errar. Ou acerta logo ou será cobrado por eventuais erros à partida, e, de quebra, por ter agido às claras para subtrair a presidência à Dilma.

Ela caminhava teimosamente para cair sozinha. Seu governo deixara de existir de há muito. Mas Temer não se limitou a esperar a queda. Ajudou a provocá-la. Nunca antes na história deste país... Pois é.

Até o golpe militar de 1964, vice e presidente não eram obrigados a ser eleitos na mesma chapa.

João Goulart foi o vice que assumiu com a renúncia de Jânio Quadros, mas os dois haviam sido eleitos em chapas distintas. Deixou de ser assim.

E porque deixou, o vice perdeu importância. Passou a ser visto como um aliado do presidente eleito, alguém, de fato, comprometido com ele e leal a ele.

Uma coisa é o vice divergir do presidente. Natural. Outra bem diferente é passar a opor-se a ele. Outra mais grave é conspirar contra ele.

Dilma sempre tratou Temer com desprezo. Daí a Temer sentir-se à vontade para ajudar a depô-la vai uma distância abissal.

Distância que separa o político sempre correto do político cuja correção depende das circunstâncias e do tamanho de sua ambição.

Temer contribuiu para aumentar os desafios que o aguardam. Além de arcar com uma herança maldita, terá pela frente a hostilidade dos inconformados com o atalho que escolheu para alcançar o poder.

Boa sorte.

Preparando-nos para o pior no dia seguinte

A pergunta é sobre o que acontecerá após este domingo, ao final da sessão, iniciada às 14 horas. Lamentos e comemorações ocuparão Brasília e o resto do país. Vai quebrar o pau, seja de que lado for. Não se supõe os manifestantes invadindo o prédio do Congresso nem o palácio do Planalto. E a presidente da República tomou suas precauções, ou seja, buscando abrigo no palácio da Alvorada, residência que ficará à sua disposição como moradia, enquanto durar o entrevero. Mesmo afastada da chefia do Executivo pelo máximo de 180 dias, ela diz que aguardará o pronunciamento do Senado, a palavra final.

Escapando da boca de dilma entrando na boca de temer impeachment

Caraterizada a defenestração, sairá da História. Confirmada a permanência pelo Senado, precisará encontrar nova imagem para enfrentar a mais áspera de suas funções, de mudar o país de alto a baixo sob violenta rejeição.

O fenômeno que agora se desenvolve à vista de todos revela múltiplas faces. A primeira, de que Madame não deu certo. Seus planos e programas de governo deram em nada na medida em que o desemprego multiplicou-se, as oportunidades minguaram, as fábricas fecharam, a atividade econômica escafedeu-se e os serviços públicos foram para o brejo.

Há quem julgue exagerada essa visão e até faça parte de uma trama engendrada pelos economicamente poderosos para recuperarem seus privilégios. Afinal, certas iniciativas no campo social, estabelecidas pelo governo Lula, prejudicaram a vida das elites. Elas aproveitaram a oportunidade do fracasso na economia para tirar a forra. Claro que impulsionadas pela incompetência.

Junte-se a isso a avalancha da corrupção, estimulada pelos que se imaginaram donos do poder, leia-se PT, Lula e penduricalhos.

Aí está o resultado: quase todos envolvidos nas facilidades de um sistema podre, de um lado, e outros em cobrar o tempo perdido. No meio, o cidadão comum. Será esse o que vai para as ruas, exigindo compensações? Pode ser que não, preparando-nos ainda para o pior…

Decidir é preciso

Sem Dilma, o que vem por aí?

O que pode acontecer com a economia se o impeachment passar e o vice, Michel Temer, assumir a Presidência? Provavelmente, nem ele sabe. Ele até pode ter um plano de emergência (como teve Itamar Franco em seu mandato-tampão), um choque econômico para tentar tirar o País do buraco, mas ele não ignora que vai enfrentar um inimigo imponderável que não consegue controlar: o descrédito, a falta de confiança da população em seu partido, o PMDB, que nos últimos 13 anos dividiu com o PT responsabilidades de governo, as benesses da corrupção espalhada pela gestão pública e as decisões erradas que arruinaram a economia do País.

túnel

A seu favor Temer conta com uma fatalidade: a alternativa Dilma seria pior, o que pode lhe dar um voto de confiança na partida, mas certamente com prazo de validade – dos empresários, mais longo; da população, mais curto. Portanto ele tem pouco tempo para agir, e agora sem direito de errar. Suas chances crescem se ele priorizar temas centrais das manifestações de rua. As reformas política e administrativa, por exemplo. Diferente da previdenciária (necessária, mas mal compreendida), essas reformas têm apoio popular entusiasmado e dariam um bom início para Temer conquistar confiança. Elas têm o mérito de produzir duplo impacto: efeito positivo na economia, ao reduzir o gasto público e o aparato burocrata de governos balofos, e a população ficaria mais protegida de pilantras e enganadores da política, sobretudo em época eleitoral.

O Brasil é campeão mundial em ministérios (32) e partidos políticos (também 32). Eles custam bilhões de reais ao contribuinte brasileiro e a maioria serve para abrigar políticos aparelhados no governo, para receber dinheiro público do Fundo Partidário, vender espaço na TV em época de eleições e espalhar corrupção pela gestão pública. O toma lá dá cá, que Lula institucionalizou e exagerou e Dilma escancara, agora, em troca de votos contra o impeachment, explica a profusão de partidos e ministérios e reclama urgência nas reformas política e administrativa.

Em Brasília poucos acreditam que chegará o dia em que essa realidade vai mudar, que deputados e senadores aceitarão abrir mão de poder e aprovar reformas e regras que eliminem ou contenham seus privilégios. Muito menos que isso se dará pelas mãos de um peemedebista. Porém, se aprovado o impeachment de Dilma, é a chance de Temer e do PMDB sobreviverem nestes dois anos e oito meses de mandato. Propor ao Congresso reformas estruturais sérias (também da previdência, tributária e trabalhista) é o primeiro e imprescindível passo para o novo governo ganhar credibilidade e dar sustentação a um programa econômico que convença o investidor a investir e a população a apoiar e acreditar em que o crescimento econômico pode demorar, mas o País marcha na sua direção.

Nesse choque de credibilidade é fundamental garantir continuidade à Operação Lava Jato. O desmantelamento de esquemas de corrupção no governo, em empresas estatais e fundos de pensão não pode ser desativado ou mascarado para proteger lideranças políticas influentes, como o presidente do Senado, Renan Calheiros.

Temer vai encontrar um país despedaçado: as contas públicas em frangalhos; receita tributária desabando; investimento público zerado e o privado, assustado; desemprego disparando; população perdendo quase 10% de sua renda em apenas dois anos de recessão; a dívida pública passando de 70% do PIB, podendo chegar a 90% em 2020; a corrupção presente por onde circula dinheiro público; programas sociais retrocedendo; pobreza em expansão; Estados falidos e funcionários sem salários. E por aí vai.

São muitas as frentes de ação do novo governo. Um programa de emergência é bem-vindo para perseguir resultados rápidos, mas é indispensável abandonar o ritmo desarvorado de apagar incêndios, que predominou sob Dilma e tanto mal fez ao País. É fundamental pensar o Brasil no longo prazo, arrancar do Congresso a aprovação das reformas, tantas vezes adiadas, planejar ações, construir e perseguir metas.

Impeachment de Dilma é maior derrota de Lula

Ninguém declarou ainda, talvez por pena, mas o principal derrotado com o avanço do impeachment é Lula. Se o Senado ratificar a decisão da Câmara, mandando a presidente para casa mais cedo, Dilma fará as malas, avisará aos netos que está voltando para Porto Alegre e emitirá um aviso aos repórteres: “Vocês não terão mais Dilma Rousseff para chutar.” Lula não pode se dar ao luxo de sair de cena. Terá de se reinventar sem descer do palco. E com a Lava Jato a lhe roçar os calcanhares de vidro.

Depois de passar à história como primeiro presidente a fazer a sucessora duas vezes, Lula reescreve o verbete da enciclopédia como o único mandatário que é desfeito pela própria criatura. Dilma ajudou bastante, mas é Lula o principal responsável pelo desastre. Primeiro porque o petrolão, espécie de mensalão hipertrofiado, foi urdido na gestão dele. Segundo porque o fiasco econômico que estilhaça a presidência de Dilma é decorrência natural do mito da supergerente, um conto do vigário de Lula em que a maioria dos brasileiros caiu.

A reivenção de Lula será um triste espetáculo. Já estava habituado a derrotas. Perdeu três eleições presidenciais. E sempre levantou, sacudiu o pó e seguiu adiante. Mas dessa vez é diferente. Lula caiu do alto de sua empáfia. Por enquanto, comporta-se como o sujeito que, tendo despencado de um edifício de dez andares, ao passar pelo quarto piso, exclama: “Até aqui tudo bem.”

Quando notar que o chão se aproxima com a velocidade de um raio, Lula iniciará a fase da negação. Repetirá em público o que diz em privado desde o início do segundo reinado de madame: 1) “Dilma não ouve o que eu digo”; 2) “Quando ouve não faz.” As frases são injustas e inúteis. São injustas porque Dilma nunca escondeu a devoção que dedica ao criador. São inúteis porque, depois que Dilma terceirizou sua gestão ao criador, qualquer criança de cinco anos sabe que Lula enxerga no espelho a imagem de um culpado.

Ele chegou a esta condição por seus próprios deméritos. Por dois mandatos, abasteceu sua base congressual de propinas. O mensalão secou antes que a cúpula do PT fosse para a cadeia. Mas havia um insuspeitado petrolão. Deflagrada sob Dilma, a Lava Jato emparedou os corruptos. E mandou para cadeia os corruptores. A jazida mixou. Deu-se, então, o previsível: a interrupção do fornecimento regular de propinas converteu aliados em traidores.

Há na Câmara 102 deputados filiados a partidos de oposição. O impedimento de madame foi aprovado por uma massa de impressionantes 367 votos. Nessa conta há 265 silvérios. Quer dizer: os governos financiaram o que agora chamam de “golpe''. Dilma foi picada pelas serpentes “golpistas” que os esquemas da era Lula engordaram. A mais venenosa chama-se Eduardo Cunha.

Política ofusca a crise fiscal, o maior problema do Brasil


Vivemos uma crise fiscal aguda. O gasto público não financeiro é maior do que a receita normal (os economistas chamam de receita recorrente) de impostos, taxas e contribuições. Adicionalmente, a crise fiscal não resultou da crise econômica. O contrário. A crise econômica resulta de crise fiscal. A crise fiscal cria enorme incerteza, inviabilizando o cálculo da rentabilidade de qualquer projeto de investimento.

Como saber qual será o fluxo de caixa produzido pelo projeto e como saber qual será o custo de capital em uma sociedade cujo setor público não consegue pagar suas contas e não se conhece como pagará em algum momento futuro?

Não é possível saber, e, portanto, não há investimento. Ou seja, a brutal queda do investimento que ocorre desde 2014 é consequência da incerteza promovida pela crise fiscal.

A função precípua da política é construir consensos que possibilitem a aprovação no Congresso Nacional de medidas que enfrentem e encaminhem soluções para a crise fiscal aguda. Não havendo tal capacidade, caminharemos inexoravelmente para a inflação, mesmo que nos próximos trimestres, em função da crise, a trajetória dela seja cadente.

A crise política tem impedido que os políticos procurem saídas para a crise fiscal. A principal causa da turbulência política foi a opção que a campanha petista fez em 2014 de ganhar a eleição a qualquer custo. Abusou da mentira e da demonização dos demais candidatos. Construiu uma economia que não existia. Escondeu os problemas e, principalmente, demonizou qualquer conversa sobre ajuste fiscal.

O enorme estelionato eleitoral retirou da presidente eleita qualquer legitimidade de enfrentar a agenda de ajustes. Adicionalmente, as pontes queimadas na campanha eleitoral estimularam uma atitude pouco construtiva da oposição: o maior exemplo foi a contribuição da oposição para eliminar o fator previdenciário. Mesmo os partidos ideologicamente de direita ou de centro que participavam da base de sustentação do governo passaram a olhar o PT com profunda desconfiança.

O PT deixou de ser um interlocutor válido aos olhos de inúmeros partidos políticos, o que dificultou a capacidade do sistema político encetar produtivo diálogo sobre a natureza da crise fiscal.

A crise fiscal resulta de regras que estabelecem à parcela do orçamento público direitos de indivíduos que agregados não cabem no orçamento. Entram nesta lista desde programas inclusivos e relativamente baratos como o programa Bolsa Família; programas caros mas inclusivos, como a política de valorização do salário mínimo e a fixação do salário mínimo como o piso de diversos programas sociais; regimes tributários especiais, como simples e lucro presumido; programas antigos que precisam ser repensados, como a contribuição compulsória para o sistema S e a contribuição sindical obrigatória; as regras exageradamente generosas de concessão do benefício de pensão por morte; as aposentadorias precoces; até excessos descomunais da nova matriz econômica, como os subsídios do BNDES.

A lista é longa e, de uma forma ou de outra, todo brasileiro está implicado.

Não se trata de um estamento apartado da sociedade que se locupleta prejudicando o todo. O estamento somos todos nós e a construção política para evidenciar este diagnóstico e encaminhar soluções demandará muito da classe política.

O maior legado da crise política foi nos distrair de nosso problema maior: a crise fiscal aguda e estrutural que acomete o Estado brasileiro.

Política faliu mais que economia

É mais fácil estimar o que será da economia daqui até a eleição de 2018 do que pensar o futuro próximo da política e do "sistema partidário", essa barafunda gelatinosa mutante e despedaçada que há no Congresso.

PSDB e PT lideraram os anos politicamente mais estáveis da República, 1994-2012. Representavam projetos claros de mudança. Tinham âncoras sociais consideráveis.

Estabilidade não há desde 2013. PT e PSDB estão quase aos pedaços, literalmente. Perderam articulações sociais, entre outros desgastes graves. O resto dos partidos é ainda pior ou nanico.


O PSDB se reduziu a um triunvirato de candidatos hiperindividualistas a presidente com um departamento de bons economistas liberais. O ex-clube de elites econômicas mais esclarecidas racha em três partes carcomidas, uma delas um grupo de direita retrógrada.

Há rumores de que o PT pode rachar com uma debandada de parlamentares. Movimentos sociais ligados ao petismo, históricos ou novos, devaneiam com outras paragens políticas. A grande cola do PT é Lula.

Os dois partidos perderam peso no Congresso, dada a fragmentação crescente desde 1998. Aliás, a fragmentação cresceu tanto de 2010 para 2014 quanto de 1998 a 2010.

Além de Dilma Rousseff, algo mais grave aconteceu ou se revelou entre 2010 e 2014. Houve o Junho de 2013. Renasceu a polarização "ideológica" odienta, que amainava desde meados dos 1990.

Apodreceu o sistema de relações entre governo e Congresso. Regras eleitorais, entre outras, reforçaram incentivos para a fragmentação partidária, nome bonito para a formação de grupos que vão de tropas de barganha a bandos de extorsão.

Sim, a coisa vinha de longe. FHC formou a maioria mais sólida do período, mas adquiria apoio com ministérios (preservando os essenciais) e com emendas parlamentares; houve a compra de votos da emenda da reeleição.

Lula, mais minoritário e de início avesso ao PMDB, pagou mais caro. Inflou o número de ministérios (em 60%) para acomodar a barganha e facções petistas irritadas com a "virada à direita" de 2002. Teve mensalão e petrolão.

Nos anos da estabilidade, 1994-2012, politólogos dedicaram-se a um debate de tamanho bíblico sobre a governabilidade. Parecia prevalecer a ideia de que um sistema presidencialista com "n" partidos, o brasileiro, era "governável". Isto é, os poderes do presidente e de uma cúpula centralizada no Congresso eram capazes de organizar maiorias estáveis de partidos que votavam de modo relativamente previsível, "fiel", produzindo a legislação de interesse, em vez de impasses e tumultos.

Pois então. Algo deu errado (já dava, mas não cabe aqui).

Não se prestou atenção nas relações dos partidos com a sociedade nem a contextos sociais e econômicos que produziram essa governabilidade.

Não se atentou para a qualidade desse processo. À corrupção progressiva (escassa prestação de contas). À substância dos partidos (propõem o quê? para quem?). Ao caos do troca-troca partidário. Ao resultado da "governabilidade", às políticas aprovadas: Dilma Rousseff produziu desastre com anuência ou conivência parlamentar e social.

É uma descrição parcial do problema. Mas talvez a política esteja mais quebrada do que a economia.

É preciso reformar


Não há esperanças para o brasileiro, cansado de crer em vão, massacrado, subjugado, iludido. Se tais soluções não vierem das representações políticas e desse novo Brasil que o impeachment propõe e festeja, a população irá às ruas para exigir que sejam implementadas as mudanças prometidas, que se adiam com tanto prejuízo para o país. Sem pagarmos o preço da realização de reformas, o resto é conversa fiada. Com Dilma, Temer, Cunha ou Moro, não importa
Luiz Tito, "E agora, José?"

A história do Brasil do PT

A “batalha do impeachment” é a ponta do iceberg de um problema maior, problema este que transcende em muito o cenário mais imediato da crise política brasileira e que independe do destino do impeachment e de sua personagem tragicômica Dilma.

Mesmo após o teatro do impeachment, a história do Brasil narrada pelo PT continuará a ser escrita e ensinada em sala de aula. Seus filhos e netos continuarão a ser educados por professores que ensinarão essa história. Essa história foi criada pelo PT e pelos grupos que orbitaram ao redor do processo que criou o PT ao longo e após a ditadura. Este processo continuará a existir. A “inteligência” brasileira é escrava da esquerda e nada disso vai mudar em breve. Quem ousar, nesse mundo da “inteligência”, romper com a esquerda perdenetworking.

Ao afirmar que “a história não perdoa as violências contra a democracia”, José Eduardo Cardozo tem razão num sentido muito preciso. O sentido verdadeiro da fala dos petistas sobre a história não perdoar os golpes contra a democracia é que quem escreve os livros de História no Brasil, e quem ensina História em sala de aula, e quem discorre sobre política e sociedade em sala de aula, contará a história que o PT está escrevendo. Se você não acredita no que digo é porque você é mal informado.



O PT e associados são os únicos agentes na construção de uma cultura sobre o Brasil. Só a esquerda tem uma “teoria do Brasil” e uma historiografia. Essa construção passa por uma sólida rede de pesquisadores (as vezes, mesmo financiada por grandes bancos nacionais), professores universitários, professores e coordenadores de escolas, psicanalistas, funcionários públicos qualificados, agentes culturais, artistas, jornalistas, cineastas, produtores de audiovisual, diretores e atores de teatro, sindicatos, padres, afora, claro, os jovens que no futuro exercerão essas profissões. O domínio cultural absoluto da esquerda no Brasil deverá durar, no mínimo, mais 50 anos.

Erra quem pensa que o PT desaparecerá. O Lula, provavelmente, sim, mas o PT como “agenda socialista do Brasil” só cresce. O materialismo dialético marxista, mesmo que aguado e vagabundo, com pitadas de Adorno, Foucault e Bourdieu, continuará formando aqueles que produzem educação, arte e cultura no país. Basta ver a adesão da camada “letrada” do país ao combate ao impeachment ao longo dos últimos meses.

Ao lado dessa articulada rede de agentes produtores de pensamento e ação política organizada que caracteriza a esquerda brasileira, inexiste praticamente opção “liberal” (não vou entrar muito no mérito do conceito aqui, nem usar termos malditos como “direita” que deixam a esquerda com água na boca). Nos últimos meses apareceram movimentos como o Vem Pra Rua e o MBL, que parecem mais próximos de uma opção liberal, a favor de um Brasil menos estatal e vitimista. Ser liberal significa crer mais no mercado (sem ter de achá-lo um “deus”) e menos em agentes públicos. Significa investir mais na autonomia econômica do sujeito e menos na dependência dele para com paternalismos estatais. Iniciativas como fóruns da liberdade, todas muito importantes para quem acha o socialismo um atraso, são essencialmente incipientes. E a elite econômica brasileira é mesquinha quando se trata de financiar o trabalho das ideias. Pensa como “merceeiro”, como diria Marx. Quer que a esquerda acabe por um passe de mágica.

O pensamento liberal no Brasil não tem raiz na camada intelectual, artística ou acadêmica. E, sem essa raiz, ele será uma coisa de domingo à tarde. A única saída é se as forças econômicas produtivas que acreditam na opção liberal financiarem jovens dispostos a produzir uma teoria e uma historiografia do Brasil que rompa com a matriz marxista, absolutamente hegemônica entre nós. Institutos liberais devem pagar jovens para que eles dediquem suas vidas a pensar o país. Sem isso, nada feito.

Sem essa ação, não importa quantas Dilmas destruírem o Brasil, pois elas serão produzidas em série. A nova Dilma está sentada ao lado da sua filha na escolinha.

Luiz Felipe Pondé 

Dias marcantes

Estamos vivendo dias marcantes. Se até para quem já viveu outros iguais ou parecidos, são marcantes, imagine para quem os vive agora a primeira vez, caso de muitos que nesses dias estão nas ruas palpitando sobre política, tomando partido ou trocando de algum. Dias marcantes são os inesquecíveis. Esses que vivemos agora estão sendo marcantes, extenuantes e históricos.

Você tem dias marcantes na sua vida, deve ter alguns. Todo mundo tem. Às vezes só percebe que tinham sido marcantes quando lembra deles tempos depois, anos após. Dias são parâmetros diferentes, importantes, específicos. Você começa um e nunca sabe como ele vai terminar, do acordar ao dormir de novo, o período que vive o dia, e que claro abarca a noite, mas não é desse período o dia sobre o qual falamos. Você pode ter tido um dia marcante porque aquela foi uma noite magnífica. É coisa de memória, que vai para uma gaveta específica e às vezes até surpreendente.


Qual é o dia marcante para você? Dia de alguma luta inglória, ou de uma vitória suada?

Repara que tem essa: dias marcantes podem o ser por motivos bons ou ruins, essa coisa dialética. Morte, vida, começo ou fim. O dia que perdeu alguém; o dia que ganhou alguém.

Pode ter sido bobo ou extraordinariamente proveitoso. Pode ter virado dia comemorativo, tipo dia do casamento, dia do nascimento. Pode ter sido dia da caça ou do caçador. Datados ou não. Você pode deles lembrar o mês ou o ano, ou apenas uma época, em qual década. Alguns vêm completos, até com dia, mês, ano, hora. E cor, cheiro, sabor. Esses são os marcaram a ferro e fogo.

Pensando agora, me veio na mente dias marcantes díspares. O dia em que tirei meu aparelho de dentes, que viveu comigo e foi um suplício oito longos anos. Tinha quinze anos. O dia do casamento, vejam só, de um amigo; na verdade exatamente o que aconteceu depois desse casamento quase 30 anos atrás. Uma paixão eterna, sem cura.

Na minha profissão tive muitos dias marcantes. Muitos deles com o mesmo afã dessas horas de agora, quando acompanhava pelo Jornal da Tarde e Rádio Eldorado a luta pelas Eleições Diretas, os comícios, e especialmente o mais marcante, o grande dia da votação no Congresso da Emenda Dante de Oliveira, o nome do deputado que a havia apresentado. Fui a última a sair do ar, já de madrugada. "Eles" censuravam tudo e haviam proibido a cobertura livre. Meu golpe foi ficar falando de lá com a redação ao telefone direto de um orelhão (daqueles com ficha) na Praça da Sé, perto de onde havia um palanque acompanhando a votação em Brasília, e que dispunha de alto-falantes, nomeando voto a voto. Assim os meus ouvintes acompanharam a votação até eu ser "descoberta". Lembro do dia por isso e mais ainda por causa da grande tristeza da derrota que ocorreu naquele dia e que ainda atrasaria o país alguns anos. Lembro do calvário de Tancredo Neves, e do marcante dia do féretro pelas ruas de São Paulo. Já choramos muito por política, sim.

Decepção também faz muitos dias serem marcantes. O time que deixou de ser campeão. O fim de um relacionamento. A descoberta de uma traição. Um encontro esperado e desmarcado.

Dias marcantes podem ter sido dias trabalhados ou descansados. Letivos, entre muitos que lembramos por motivos que só muita terapia poderia explicar. Dias úteis e inúteis, ou que foram úteis para alguém, talvez. Dias assim, assados, nublados ou ensolarados.

Pois esses dias de agora são desses, marcantes, e cujas marcas esperamos sejam boas e não nos deixem cicatrizes. Eles podem não ir para o lado que você gostaria, mas sabe de antemão que são dias frenéticos, do tipo que ainda por muito tempo procurará e precisará de ajustes. Dias melhores virão. Ainda mais marcantes.

Serão mais que dias, etapas. Só estou curiosa de saber como que lembraremos desses aqui mais tarde, ali logo mais no futuro.

Marli Gonçalves

Brasileiros à beira de um ataque de nervos

Os almoços de família já não são mais os mesmos: as constrangedoras conversas sobre relacionamentos há tempos deram lugar a longas discussões políticas à mesa. Chega a dar saudades da tediosa época em que a grande questão do dia, nos papos de elevador, era "será que vai chover?", não "será que a Dilma cai?". Com um Governo na berlinda e um cenário econômico desanimador, a tensão que pesa sobre o ombro do brasileiro virou questão de saúde pública. Sem saber para onde caminha o Brasil, cresce nos consultórios o número de casos de pessoas com transtornos ligados a estresse, ansiedade e angústia. Irritabilidade, preocupação, fadiga, falta de sono são algumas das queixas mais comuns. Soa familiar?

Mestre em saúde pública, o psicólogo e professor universitário Ricardo Sebastiani, do Nêmeton Centro de Estudo e Pesquisa em Psicologia e Saúde, coordena uma equipe de 38 profissionais que atuam em 16 unidades da cidade de São Paulo. No primeiro trimestre de 2016, ele e a equipe observaram um fenômeno inédito: nos primeiros três meses do ano, quando o movimento tradicionalmente costuma ser menor, a procura por terapia aumentou. Neste mesmo período, as queixas ligadas a transtornos de ansiedade cresceu 20%, dentro de um universo de cerca de 1.500 consultas por mês.
Nas sessões de terapia, a crise política ou econômica tem sido tema das divagações de ao menos 6 em cada 10 pacientes, o que também não era habitual. Mas em semanas de acontecimentos mais quentes, como quando ocorreram as manifestações contra e a favor do impeachment da presidente Dilma Rousseff, em março, a proporção chegou a 9 em cada 10. As reclamações têm uma razão real: qualquer que seja o desfecho do processo, o resultado afeta diretamente as vidas da população. "As pessoas estão vivendo um estado permanente de ansiedade e tensão, que às levam aos limites da suas capacidades de resistir e se adaptar. Isso deixa o corpo e a saúde emocional no limite também", diz Sebastiani, psicólogo há mais de 30 anos.


Alguns dos efeitos disso sobre o corpo são: a queda na imunidade (que deixa as pessoas mais suscetíveis a viroses e infecções), sintomas psicossomáticos (diarreias, alergias de pele, dores de cabeça e dores musculares, por exemplo), episódios de crise de ansiedade (ataques de pânico), instabilidade de humor e maior intolerância (o tal pavio curto), além da sensação de cansaço permanente e, em casos mais graves, a depressão.

Entre os que demonstram maior preocupação estão os adultos em fase produtiva, sobretudo pelo temor em relação ao trabalho e ao sustento familiar. Segundo o levantamento feito por Sebastiani com colegas da área, entre os profissionais que mais demonstram sofrer com a crise estão: jornalistas (sim, é verdade), professores, profissionais da saúde e advogados.

"O estresse, agravado pela situação atual de instabilidade política e de crise econômica, age no sentido de incrementar os conflitos internos das pessoas, que ficam mais ansiosas. A sensação de insegurança e indefinição desperta uma profunda angústia que faz com que as pessoas se alterem muito. E isso, somado ao acúmulo de outras situações de tensão, tem provocado um aumento de queixas [no consultório] nesse sentido e uma busca maior por ajuda", explica o médico psiquiatra e psicanalista José Roberto de Campos de Oliveira, de São Paulo, que atende pacientes há 37 anos.

Alguns dos efeitos sobre o corpo são a queda na imunidade, transtornos psicossomáticos , ataques de pânico, instabilidade de humor e fadiga

"É um sentimento de constante insegurança. O maior temor é o de perder o emprego e não ter como pagar as contas. Há também um sentimento de descontinuidade: projetos suspensos por falta de dinheiro, mudanças de hábito que diminuem as opções de válvula de escape da população... E quanto maior o conhecimento sobre o que está acontecendo, maior a preocupação quanto à indefinição do cenário político", completa Ricardo Sebastiani.

Leia mais a reportagem de Mariana Novaes