sábado, 27 de maio de 2017
Afronta e indignação
Estamos perplexos, chocados, estarrecidos diante de tanta desfaçatez. Um acinte, uma afronta ao cidadão. Faltam palavras para descrever como nos sentimos.
Indignação, raiva, vergonha, desalento, tristeza, nojo, descrença. Também faltam palavras para dar conta do nosso estado de espírito. Não dá para passar por cima dos horrores acumulados. Nem minimizar ou relevar coisa alguma. Já chega estarmos sendo forçados a mudar de assunto e tirar o foco de Odebrecht, OAS, Bumlai, Guarujá, Atibaia, e da expectativa do que diria Palocci, como se tudo isso tivesse deixado de existir de uma hora para outra.
Essa gente está querendo demais.
Esperam que aceitemos que não há nada de reprovável em que um presidente receba favores de empresários, com os mais variados pretextos, e em troca esses “amigos” tenham privilégios especiais.
Esperam que possamos engolir que não há nada condenável em receber dinheiro, a qualquer pretexto, com cuidados para não declarar nem pagar imposto. Até em espécie, em malas e mochilas cheias. Ou travestidos de tríplex, sítios, terrenos, guarda de bens, joias, obras de arte. E ainda querem nos empurrar goela abaixo a noção de que não faz mal algum obsequiar altas figuras da República para conseguir se isentar das leis que valem para todos os outros.
Esperam que, quando isso vem à tona subitamente, aproveitemos para tirar do cargo o bandido da vez, afastar o possível bandido de amanhã e nos deixemos manipular para lá recolocar o bandido de ontem ou anteontem, fingindo que a manobra para lhe garantir impunidade é um ato patriótico para salvar o país.
Esperam distrair a pátria mãe com discursos veementes, slogans e firulas de todo tipo, para que, mais uma vez, as tenebrosas transações possam continuar a nos subtrair sob qualquer forma.
Esperam que desviemos o olhar ou fiquemos cegos às variadas tentativas de criar obstáculos para obstruir a Justiça, atrapalhar investigações, fazer sangrar a Lava-Jato, desmoralizar o Ministério Público.
Os exemplos vêm a público diante de um país estupefato. Não dá para esquecer. Já ouvimos as manobras mais escandalosas, na própria voz dos envolvidos. A começar pela nomeação de Lula por Dilma para a Casa Civil, publicada em edição especial do Diário Oficial na madrugada, com termo de posse sem assinatura levado em mãos pelo “Bessias” para ficar como salvo-conduto e lhe garantir foro privilegiado. Em seguida, veio a revelação captada no áudio feito pelo filho de Nestor Cerveró — em que Delcídio transmitia a preocupação de Lula com eventual colaboração e incluía oferta de fuga em jatinho. Ouvimos ainda, com riqueza de detalhes, as conversas gravadas por Sérgio Machado dando conta do complô de parlamentares de alto coturno para deter a investigação. Acompanhamos diferentes tentativas no Congresso para driblar a legislação — como anistia a caixa 2, ou projetos até eventualmente necessários, mas inoportunos, contra abuso de autoridade, abrangentes a ponto de pretender criminalizar juiz que interprete a lei. E chegamos agora às fanfarronices e confissões do Joesley Safadão, gabando-se de controlar juízes e infiltrar procurador — ouvidas sem reação pelo presidente da República, da boca de alguém que o procurara conforme combinado, no porão, na calada da noite, com o cuidado de não deixar rastros, sob nome falso e sem ser revistado.
Meninos, ouvimos!
Esperam também que a nação, estupefata, faça como eles e se disponha a ignorar as leis que nos regem. Apostam na escalada de violência e confronto, como se a depredação fosse um direito democrático irreprimível. Fala-se em PEC para mudar rapidinho a Constituição e permitir diretas-já sem levar em conta que, para evitar casuísmo, a Carta Magna impõe, em seu artigo 16: “A lei que alterar o processo eleitoral só entrará em vigor um ano após sua promulgação”.
E mais: advogados isentos têm opinado que a Lei 12.850/13, que possibilita colaborações premiadas, limita sua aplicação no caso de quem chefie a organização criminosa. Portanto, não admitiria que para pegar os líderes políticos se passasse uma borracha prévia tão radical em líderes criminosos, como a que permitiu que os irmãos Batista se mudem incólumes para os EUA, a gastar o nosso dinheiro, obtido graças a favores especiais do BNDES e outras fontes públicas. Ainda mais agora, depois de especularem com os efeitos de sua delação sobre ações e câmbio. Leves e soltos. Fica no ar a irreverente pergunta de um motorista de táxi carioca, a encarnar com expressividade a reação do comum dos mortais:
— E no tornozelinho? Nada?
Ana Maria Machado
Indignação, raiva, vergonha, desalento, tristeza, nojo, descrença. Também faltam palavras para dar conta do nosso estado de espírito. Não dá para passar por cima dos horrores acumulados. Nem minimizar ou relevar coisa alguma. Já chega estarmos sendo forçados a mudar de assunto e tirar o foco de Odebrecht, OAS, Bumlai, Guarujá, Atibaia, e da expectativa do que diria Palocci, como se tudo isso tivesse deixado de existir de uma hora para outra.
Essa gente está querendo demais.
Estão há um tempão querendo que acreditemos que presidentes e seus cúmplices são honestos, não sabem de nada — e mesmo com essa incapacidade e incompetência, estão aptos a governar. Também seus auxiliares e apoiadores em todos os níveis. E mais seus opositores e adversários, como se constata nesse pântano onde estão todos atolados e com cujo fedor nos estão obrigando a conviver.
Esperam que aceitemos que não há nada de reprovável em que um presidente receba favores de empresários, com os mais variados pretextos, e em troca esses “amigos” tenham privilégios especiais.
Esperam que possamos engolir que não há nada condenável em receber dinheiro, a qualquer pretexto, com cuidados para não declarar nem pagar imposto. Até em espécie, em malas e mochilas cheias. Ou travestidos de tríplex, sítios, terrenos, guarda de bens, joias, obras de arte. E ainda querem nos empurrar goela abaixo a noção de que não faz mal algum obsequiar altas figuras da República para conseguir se isentar das leis que valem para todos os outros.
Esperam que, quando isso vem à tona subitamente, aproveitemos para tirar do cargo o bandido da vez, afastar o possível bandido de amanhã e nos deixemos manipular para lá recolocar o bandido de ontem ou anteontem, fingindo que a manobra para lhe garantir impunidade é um ato patriótico para salvar o país.
Esperam distrair a pátria mãe com discursos veementes, slogans e firulas de todo tipo, para que, mais uma vez, as tenebrosas transações possam continuar a nos subtrair sob qualquer forma.
Esperam que desviemos o olhar ou fiquemos cegos às variadas tentativas de criar obstáculos para obstruir a Justiça, atrapalhar investigações, fazer sangrar a Lava-Jato, desmoralizar o Ministério Público.
Os exemplos vêm a público diante de um país estupefato. Não dá para esquecer. Já ouvimos as manobras mais escandalosas, na própria voz dos envolvidos. A começar pela nomeação de Lula por Dilma para a Casa Civil, publicada em edição especial do Diário Oficial na madrugada, com termo de posse sem assinatura levado em mãos pelo “Bessias” para ficar como salvo-conduto e lhe garantir foro privilegiado. Em seguida, veio a revelação captada no áudio feito pelo filho de Nestor Cerveró — em que Delcídio transmitia a preocupação de Lula com eventual colaboração e incluía oferta de fuga em jatinho. Ouvimos ainda, com riqueza de detalhes, as conversas gravadas por Sérgio Machado dando conta do complô de parlamentares de alto coturno para deter a investigação. Acompanhamos diferentes tentativas no Congresso para driblar a legislação — como anistia a caixa 2, ou projetos até eventualmente necessários, mas inoportunos, contra abuso de autoridade, abrangentes a ponto de pretender criminalizar juiz que interprete a lei. E chegamos agora às fanfarronices e confissões do Joesley Safadão, gabando-se de controlar juízes e infiltrar procurador — ouvidas sem reação pelo presidente da República, da boca de alguém que o procurara conforme combinado, no porão, na calada da noite, com o cuidado de não deixar rastros, sob nome falso e sem ser revistado.
Meninos, ouvimos!
Esperam também que a nação, estupefata, faça como eles e se disponha a ignorar as leis que nos regem. Apostam na escalada de violência e confronto, como se a depredação fosse um direito democrático irreprimível. Fala-se em PEC para mudar rapidinho a Constituição e permitir diretas-já sem levar em conta que, para evitar casuísmo, a Carta Magna impõe, em seu artigo 16: “A lei que alterar o processo eleitoral só entrará em vigor um ano após sua promulgação”.
E mais: advogados isentos têm opinado que a Lei 12.850/13, que possibilita colaborações premiadas, limita sua aplicação no caso de quem chefie a organização criminosa. Portanto, não admitiria que para pegar os líderes políticos se passasse uma borracha prévia tão radical em líderes criminosos, como a que permitiu que os irmãos Batista se mudem incólumes para os EUA, a gastar o nosso dinheiro, obtido graças a favores especiais do BNDES e outras fontes públicas. Ainda mais agora, depois de especularem com os efeitos de sua delação sobre ações e câmbio. Leves e soltos. Fica no ar a irreverente pergunta de um motorista de táxi carioca, a encarnar com expressividade a reação do comum dos mortais:
— E no tornozelinho? Nada?
Ana Maria Machado
Brasil gosta tanto de piada que o TSE virou uma
A relação incestuosa de Michel Temer com um pedaço do plenário do Tribunal Superior Eleitoral transformou a apreciação das contas da campanha vitoriosa em 2014 numa casa da Mãe Joana. A pretexto de contribuir para a salvação do PIB, a veneranda senhora vinha usando as provas que incriminam a chapa Dilma—Temer como gordura na fritura do próprio TSE. Subitamente, a conjuntura virou. E a Corte Eleitoral promote para o dia 6 de junho um espetáculo inédito: vai desfritar um ovo.
As páginas do processo expõem uma inacreditável realidade. Nela, um mar de dinheiro roubado da Petrobras escorreu para o caixa do comitê eleitoral de Dilma. Mas quando o processo ganhou corpo uma outra realidade se apresentou, mais inacreditável do que a anterior. Magistrados tarimbados, de aparência respeitável, aceitaram a tese de que a lama era de responsabilidade de Dilma. E Temer não tinha nada a explicar. Como Dilma já fora deposta, o assunto estava encerrado.
A lama escorreu pelos escaninhos do TSE por um ano. Algumas togas conviveram com as provas fingindo que elas não se avolumavam no processo e no site do tribunal. Os julgadores pisavam nas evidências distraídos quando a delação da JBS transformou Temer num morto-vivo investigado no Supremo Tribunal Federal por corrupção, obstrução da Justiça e formação de organização criminosa.
Nada a ver com crimes eleitorais demonstrados nos autos do TSE. Mas o governo que prometia recolocar a economia nos trilhos descarrilou. E tudo o que o TSE fingia que não aconteceu passou a merecer explicação. Temer ainda não sabe o que dizer. Mas já esboçou uma rota de fuga. Sonha com um pedido de vistra que adie o julgamento indefinidamente. Se um dos sete ministros do TSE se prestar a desempenhar esse papel não restará dúvida: o Brasil gosta tanto de piadas que o Tribunal Superior Eleitoral se transformou em uma.
As páginas do processo expõem uma inacreditável realidade. Nela, um mar de dinheiro roubado da Petrobras escorreu para o caixa do comitê eleitoral de Dilma. Mas quando o processo ganhou corpo uma outra realidade se apresentou, mais inacreditável do que a anterior. Magistrados tarimbados, de aparência respeitável, aceitaram a tese de que a lama era de responsabilidade de Dilma. E Temer não tinha nada a explicar. Como Dilma já fora deposta, o assunto estava encerrado.
Nada a ver com crimes eleitorais demonstrados nos autos do TSE. Mas o governo que prometia recolocar a economia nos trilhos descarrilou. E tudo o que o TSE fingia que não aconteceu passou a merecer explicação. Temer ainda não sabe o que dizer. Mas já esboçou uma rota de fuga. Sonha com um pedido de vistra que adie o julgamento indefinidamente. Se um dos sete ministros do TSE se prestar a desempenhar esse papel não restará dúvida: o Brasil gosta tanto de piadas que o Tribunal Superior Eleitoral se transformou em uma.
O desmonte da Lava Jato
A parcela da classe política mais diretamente envolvida nas denúncias da Lava Jato – a cúpula dos três principais partidos, PT, PMDB e PSDB - movimenta-se, com o apoio do presidente Michel Temer, para nova investida contra a Força Tarefa de Curitiba.
Se bem-sucedida, poderá ser letal.
Além de providências de ordem operacional, já adotadas, como a redução de nove para quatro do número de delegados na investigação e redução do respectivo orçamento, providências que emanam do Ministério da Justiça, cogita de outras iniciativas, no âmbito do Judiciário, que atingem o coração da Lava Jato.
A principal: a tentativa de nova mudança na jurisprudência do STF, hoje em favor da prisão em segundo grau – isto é, na imediata sequência da sentença inicial, fazendo com que o condenado recorra aos tribunais superiores de dentro da cadeia.
Antes, era o contrário: recorria em liberdade, explorando os infindáveis recursos que a lei processual brasileira oferece, beneficiando-se da prescrição da pena. Acaba de acontecer com Paulo Maluf, que jamais foi condenado por jamais ter sido julgado.
Um bom escritório de advocacia garante as acrobacias processualísticas – e são avaliados (e orçados) por essa habilidade.
A prisão em segundo grau, prática vigente nas principais nações democráticas do planeta (nos EUA é já no primeiro grau), foi levada ao exame do STF em fevereiro do ano passado.
E foi aprovada. Voltou a ser apreciada em outubro – e voltou a ser aprovada, ainda que por estreita margem, 6 a 5. E pode voltar a ser revista pela terceira vez, com outro placar.
Se já era estranho que, num prazo de poucos meses (entre fevereiro e outubro de 2016), uma mesma Corte, sem nenhuma mudança em sua composição - e sem que nenhum fato novo o determinasse -, tenha voltado a examinar uma decisão dela própria, que dizer de uma terceira retomada, sete meses depois?
A dedução inevitável, pelos efeitos práticos que daí advirão, é de que se trata de mais uma manobra contra a Lava Jato. Pois é ali que efeitos profundos e imediatos ocorrerão.
Um dos fatores que mais estimulam a opção dos réus pela delação premiada é exatamente a perspectiva de cumprimento imediato da sentença, tão logo confirmada em segunda instância. E as sentenças do juiz Sérgio Moro têm sido rapidamente confirmadas em segundo grau, no Tribunal Regional Federal, em Porto Alegre.
Esse rito objetivo, sem prejuízo do devido processo legal, , mas poupado do longo e tortuoso trajeto nos tribunais superiores – STJ e STF -, estimulou o recurso ao instituto da delação premiada, permitindo que as investigações fisgassem mais e mais gatunos, numa dimensão sem precedentes na História do país.
No entanto, se houver agora um recuo nessa jurisprudência, é possível (e provável) que as coisas mudem. Alguns figurões, já na fila das delações – como Antonio Palocci, Eike Batista, Sérgio Cabral -, podem (e devem) mudar de ideia. Os processos em Brasília obedecem a ritos que não se atêm à ortodoxia jurídica.
Quem propôs a re-re-revisão do tema foi o ministro Gilmar Mendes. Ele foi favorável à prisão em segundo grau nas duas votações anteriores, mas disse, esta semana, que mudou de opinião.
Ao analisar, na terça-feira, um caso concreto, no âmbito da Segunda Turma do STF, disse estar sensibilizado pelos argumentos de seu colega Dias Toffoli, que mudara também de opinião entre a primeira e a segunda votação do tema: na primeira, apoiara a prisão em segundo grau; na segunda, a condenara.
Gilmar procura um meio termo: não exclui a possibilidade desse tipo de prisão, mas não a quer compulsória. Como a composição do STF mudou, com a morte de Teori Zavaski, que apoiou a prisão em segundo grau, e sua substituição por Alexandre de Moraes (único ministro indicado por Temer), a simples mudança de voto de Mendes inverte o resultado anterior.
Nesses termos, volta-se ao Brasil de sempre: condena-se, mas não se prende – e inocenta-se por decurso de prazo. Essa providência, em plena articulação, forneceria a saída “honrosa” por que clamam Temer, Lula, Dilma, Aécio e quantos mais, nesse patamar da hierarquia política, dela necessitem.
O “Fora, Temer” é também o “fora” a seus fictícios adversários petistas, que põem a militância a urrar contra o presidente, mas com ele buscam animadamente um destino comum. Longe de Sérgio Moro – e fora, isto sim, da cadeia.
Se bem-sucedida, poderá ser letal.
Além de providências de ordem operacional, já adotadas, como a redução de nove para quatro do número de delegados na investigação e redução do respectivo orçamento, providências que emanam do Ministério da Justiça, cogita de outras iniciativas, no âmbito do Judiciário, que atingem o coração da Lava Jato.
A principal: a tentativa de nova mudança na jurisprudência do STF, hoje em favor da prisão em segundo grau – isto é, na imediata sequência da sentença inicial, fazendo com que o condenado recorra aos tribunais superiores de dentro da cadeia.
Antes, era o contrário: recorria em liberdade, explorando os infindáveis recursos que a lei processual brasileira oferece, beneficiando-se da prescrição da pena. Acaba de acontecer com Paulo Maluf, que jamais foi condenado por jamais ter sido julgado.
Um bom escritório de advocacia garante as acrobacias processualísticas – e são avaliados (e orçados) por essa habilidade.
A prisão em segundo grau, prática vigente nas principais nações democráticas do planeta (nos EUA é já no primeiro grau), foi levada ao exame do STF em fevereiro do ano passado.
E foi aprovada. Voltou a ser apreciada em outubro – e voltou a ser aprovada, ainda que por estreita margem, 6 a 5. E pode voltar a ser revista pela terceira vez, com outro placar.
A dedução inevitável, pelos efeitos práticos que daí advirão, é de que se trata de mais uma manobra contra a Lava Jato. Pois é ali que efeitos profundos e imediatos ocorrerão.
Um dos fatores que mais estimulam a opção dos réus pela delação premiada é exatamente a perspectiva de cumprimento imediato da sentença, tão logo confirmada em segunda instância. E as sentenças do juiz Sérgio Moro têm sido rapidamente confirmadas em segundo grau, no Tribunal Regional Federal, em Porto Alegre.
Esse rito objetivo, sem prejuízo do devido processo legal, , mas poupado do longo e tortuoso trajeto nos tribunais superiores – STJ e STF -, estimulou o recurso ao instituto da delação premiada, permitindo que as investigações fisgassem mais e mais gatunos, numa dimensão sem precedentes na História do país.
No entanto, se houver agora um recuo nessa jurisprudência, é possível (e provável) que as coisas mudem. Alguns figurões, já na fila das delações – como Antonio Palocci, Eike Batista, Sérgio Cabral -, podem (e devem) mudar de ideia. Os processos em Brasília obedecem a ritos que não se atêm à ortodoxia jurídica.
Quem propôs a re-re-revisão do tema foi o ministro Gilmar Mendes. Ele foi favorável à prisão em segundo grau nas duas votações anteriores, mas disse, esta semana, que mudou de opinião.
Ao analisar, na terça-feira, um caso concreto, no âmbito da Segunda Turma do STF, disse estar sensibilizado pelos argumentos de seu colega Dias Toffoli, que mudara também de opinião entre a primeira e a segunda votação do tema: na primeira, apoiara a prisão em segundo grau; na segunda, a condenara.
Gilmar procura um meio termo: não exclui a possibilidade desse tipo de prisão, mas não a quer compulsória. Como a composição do STF mudou, com a morte de Teori Zavaski, que apoiou a prisão em segundo grau, e sua substituição por Alexandre de Moraes (único ministro indicado por Temer), a simples mudança de voto de Mendes inverte o resultado anterior.
Nesses termos, volta-se ao Brasil de sempre: condena-se, mas não se prende – e inocenta-se por decurso de prazo. Essa providência, em plena articulação, forneceria a saída “honrosa” por que clamam Temer, Lula, Dilma, Aécio e quantos mais, nesse patamar da hierarquia política, dela necessitem.
O “Fora, Temer” é também o “fora” a seus fictícios adversários petistas, que põem a militância a urrar contra o presidente, mas com ele buscam animadamente um destino comum. Longe de Sérgio Moro – e fora, isto sim, da cadeia.
Para onde vamos?
Os brasileiros se sentem no momento sem chão. Perplexos. Dias atrás viviam tempos de retomada. A inflação refluía. Bem como os juros. A atividade econômica ensaiava uma volta, ainda que tímida. O desemprego caía. As reformas, trabalhista e da previdência, estavam encaminhadas.
As expectativas de mercado eram as melhores possíveis. A Nação começava finalmente a entrar nos trilhos após um longo e tenebroso período nas mãos petistas. Como que por uma hecatombe, tudo mudou. Ou quase. A delação dos irmãos Batista impôs uma nova agenda de crise. Parou o ciclo virtuoso. Embalados pela ideia do quanto pior, melhor, tubarões da ladroagem, oportunistas da pior espécie e arruaceiros de plantão aproveitaram para sabotar o País. Nas ruas, a baderna tomou conta.
Os agitadores promoveram quebra-quebra, tocaram fogo em ministérios, invadiram prédios públicos, impuseram o caos, numa selvageria espantosa. Movimentos ditos de esquerda, como CUT e MST, braços radicais vinculados ao Partido dos Trabalhadores, financiados durante anos por subvenções federais nas gestões Dilma e Lula, empunharam suas bandeirolas vermelhas e palavras de ordem inflamadas para reclamarem, indignados, dos erros de Temer.
Indignação que faltou quando seus próprios líderes deixaram jorrar bilhões em desvios da Petrobrás, em esquemas de Mensalão e para a corrupção institucionalizada. No Congresso, protagonizando espetáculos ainda mais deprimentes, parlamentares de oposição tentaram impor na marra a tese de só votar projetos de interesse nacional após a retirada de cena do presidente.
Como se a discussão de mudanças vitais e urgentes para todos os cidadãos pudesse ser usada como moeda de troca, na base da chantagem. Estavam se lixando para o melhor em prol do Brasil. Os espertalhões planejaram travar a pauta de qualquer maneira até a obtenção do intento almejado. A retaliação como forma de gerar mais incerteza política, econômica e administrativa movia a patota.
Ao fim e ao cabo a minoria ruidosa e ensandecida dos petistas pretende impor – em afronta aberta à Constituição – eleições diretas antecipadas para, se possível, recolocar seu timoneiro Lula de volta no Planalto, mudando o curso dos julgamentos que devem levá-lo à cadeia. Suprema desfaçatez, mesmo a deposta Dilma, denunciada por caixa dois, entre outros crimes, e acusada de receber milhões dos irmãos Batista, apelou à Justiça para reassumir o cargo. Diz o provérbio que quando o caldo entorna, os ratos são os primeiros a aparecer.
No Senado, o congressista Randolfe Rodrigues deu chiliques. Queria ir às vias de fato com os demais, evitar a leitura de um relatório da comissão que propunha mudanças na Lei Trabalhista. Seus colegas de parlamento, os petistas Lindbergh Farias e Gleisi Hoffmann, investigados por improbidade e comprometidos até o pescoço na Lava-Jato, usaram do mesmo expediente e aos berros, provocando e sem senso de responsabilidade, tumultuaram o quanto podiam. Hoje são esses mesmos aloprados que querem, a qualquer custo, assumir o poder para manter funcionando as maracutaias de outros carnavais.
A forma como o sistema político fará uma reciclagem é a grande discussão que se segue. O presidente Temer prevaricou. Recebeu na calada da noite um empresário e escutou dele relatos absurdos de práticas de gatunagem. Deve ser investigado e, se comprovado seu envolvimento, punido na letra da lei. Isso não necessariamente significa condená-lo antecipadamente.
Apeá-lo do posto na marra e colocar na vaga um aventureiro, pretenso “salvador da pátria”, como muitos arvoram o papel, pode, ao invés de sanar a crise, agravá-la. Não devemos ser indulgentes com o malfeito, mas também não podemos ser alheios aos interesses ocultos. E eles são muitos. Dizem que Temer perdeu as condições de governabilidade. E é bem possível que sim.
Mas a dúvida maior é quem hoje, nesse carcomido cenário político que aí está, reúne as condições para tamanha tarefa? A conversa gravada em áudio está decerto repleta de trucagens. Na denúncia, a principal prova não foi sequer periciada. A frase que induziria ao entendimento de uma anuência do presidente para com um crime não está no contexto. As chances de adulteração não estão descartadas. E nesse caldeirão de incertezas, o presidente recusou renunciar.
Sabe que um processo de impeachment se alongaria por meses e mesmo a alternativa de cassação de sua chapa (ao lado de Dilma), por questões alheias a essas que estão pesando contra si, poderia ser contestada no Supremo, arrastando o assunto por anos – enquanto a Nação sangra sem trégua. Temer ainda tenta convencer os compatriotas, mesmo aliados, que possui condições de seguir no cargo.
Foi de fato o fiador das reformas, como hábil negociador e conhecido traquejo político. Seus eventuais substitutos, boa parte deles cogitados a varejo nas rodas de Brasília, ou descartam a possibilidade ou estão com algum nó para desatar. Rodrigo Maia, o presidente da Câmara, e natural sucessor, responde a três inquéritos e seria, como Temer, um presidente no cargo submetido a investigações.
O jurista Nelson Jobim, que também disse não, já foi conselheiro de empresas flagradas na Lava-Jato e é visto como preposto de Lula, o que gera ressalvas a seu nome. O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, teve passagem como funcionário da J&F e muitos poderão levantar a suspeita de que os irmãos Batista fizeram a delação para derrubar um governo e colocar no lugar alguém de sua confiança. E por aí vai a novela que celebra mais um triste capítulo de nossa história. Nesse momento delicado o Congresso tem que fazer sua parte e os brasileiros precisam estar atentos ao risco de virarem massa de manobra, seguindo como cordeiros para o curral de criminosos contumazes.
As expectativas de mercado eram as melhores possíveis. A Nação começava finalmente a entrar nos trilhos após um longo e tenebroso período nas mãos petistas. Como que por uma hecatombe, tudo mudou. Ou quase. A delação dos irmãos Batista impôs uma nova agenda de crise. Parou o ciclo virtuoso. Embalados pela ideia do quanto pior, melhor, tubarões da ladroagem, oportunistas da pior espécie e arruaceiros de plantão aproveitaram para sabotar o País. Nas ruas, a baderna tomou conta.
Os agitadores promoveram quebra-quebra, tocaram fogo em ministérios, invadiram prédios públicos, impuseram o caos, numa selvageria espantosa. Movimentos ditos de esquerda, como CUT e MST, braços radicais vinculados ao Partido dos Trabalhadores, financiados durante anos por subvenções federais nas gestões Dilma e Lula, empunharam suas bandeirolas vermelhas e palavras de ordem inflamadas para reclamarem, indignados, dos erros de Temer.
Indignação que faltou quando seus próprios líderes deixaram jorrar bilhões em desvios da Petrobrás, em esquemas de Mensalão e para a corrupção institucionalizada. No Congresso, protagonizando espetáculos ainda mais deprimentes, parlamentares de oposição tentaram impor na marra a tese de só votar projetos de interesse nacional após a retirada de cena do presidente.
Como se a discussão de mudanças vitais e urgentes para todos os cidadãos pudesse ser usada como moeda de troca, na base da chantagem. Estavam se lixando para o melhor em prol do Brasil. Os espertalhões planejaram travar a pauta de qualquer maneira até a obtenção do intento almejado. A retaliação como forma de gerar mais incerteza política, econômica e administrativa movia a patota.
Ao fim e ao cabo a minoria ruidosa e ensandecida dos petistas pretende impor – em afronta aberta à Constituição – eleições diretas antecipadas para, se possível, recolocar seu timoneiro Lula de volta no Planalto, mudando o curso dos julgamentos que devem levá-lo à cadeia. Suprema desfaçatez, mesmo a deposta Dilma, denunciada por caixa dois, entre outros crimes, e acusada de receber milhões dos irmãos Batista, apelou à Justiça para reassumir o cargo. Diz o provérbio que quando o caldo entorna, os ratos são os primeiros a aparecer.
No Senado, o congressista Randolfe Rodrigues deu chiliques. Queria ir às vias de fato com os demais, evitar a leitura de um relatório da comissão que propunha mudanças na Lei Trabalhista. Seus colegas de parlamento, os petistas Lindbergh Farias e Gleisi Hoffmann, investigados por improbidade e comprometidos até o pescoço na Lava-Jato, usaram do mesmo expediente e aos berros, provocando e sem senso de responsabilidade, tumultuaram o quanto podiam. Hoje são esses mesmos aloprados que querem, a qualquer custo, assumir o poder para manter funcionando as maracutaias de outros carnavais.
A forma como o sistema político fará uma reciclagem é a grande discussão que se segue. O presidente Temer prevaricou. Recebeu na calada da noite um empresário e escutou dele relatos absurdos de práticas de gatunagem. Deve ser investigado e, se comprovado seu envolvimento, punido na letra da lei. Isso não necessariamente significa condená-lo antecipadamente.
Apeá-lo do posto na marra e colocar na vaga um aventureiro, pretenso “salvador da pátria”, como muitos arvoram o papel, pode, ao invés de sanar a crise, agravá-la. Não devemos ser indulgentes com o malfeito, mas também não podemos ser alheios aos interesses ocultos. E eles são muitos. Dizem que Temer perdeu as condições de governabilidade. E é bem possível que sim.
Mas a dúvida maior é quem hoje, nesse carcomido cenário político que aí está, reúne as condições para tamanha tarefa? A conversa gravada em áudio está decerto repleta de trucagens. Na denúncia, a principal prova não foi sequer periciada. A frase que induziria ao entendimento de uma anuência do presidente para com um crime não está no contexto. As chances de adulteração não estão descartadas. E nesse caldeirão de incertezas, o presidente recusou renunciar.
Sabe que um processo de impeachment se alongaria por meses e mesmo a alternativa de cassação de sua chapa (ao lado de Dilma), por questões alheias a essas que estão pesando contra si, poderia ser contestada no Supremo, arrastando o assunto por anos – enquanto a Nação sangra sem trégua. Temer ainda tenta convencer os compatriotas, mesmo aliados, que possui condições de seguir no cargo.
Foi de fato o fiador das reformas, como hábil negociador e conhecido traquejo político. Seus eventuais substitutos, boa parte deles cogitados a varejo nas rodas de Brasília, ou descartam a possibilidade ou estão com algum nó para desatar. Rodrigo Maia, o presidente da Câmara, e natural sucessor, responde a três inquéritos e seria, como Temer, um presidente no cargo submetido a investigações.
O jurista Nelson Jobim, que também disse não, já foi conselheiro de empresas flagradas na Lava-Jato e é visto como preposto de Lula, o que gera ressalvas a seu nome. O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, teve passagem como funcionário da J&F e muitos poderão levantar a suspeita de que os irmãos Batista fizeram a delação para derrubar um governo e colocar no lugar alguém de sua confiança. E por aí vai a novela que celebra mais um triste capítulo de nossa história. Nesse momento delicado o Congresso tem que fazer sua parte e os brasileiros precisam estar atentos ao risco de virarem massa de manobra, seguindo como cordeiros para o curral de criminosos contumazes.
A falácia das 'diretas já'
Os defensores da antecipação da eleição direta para presidente querem fazer acreditar que somente assim teremos um governo com legitimidade e, portanto, capaz de tirar o País da crise. Essa concepção do voto direto como panaceia dos problemas nacionais se presta a vários propósitos, a maioria inconfessáveis, e nenhum deles efetivamente democrático. Quem apregoa a eleição direta para presidente agora, de afogadilho, ou defende interesses turvos ou é apenas oportunista.
Em primeiro lugar, basta observar quais partidos lideram o esforço para colocar o tema na pauta do Congresso. São em sua maioria siglas que desde sempre se dedicam a questionar a legitimidade e a sabotar qualquer governo democraticamente eleito que não seja integrado por um dos seus. Os notórios PT, PSOL, Rede e PCdoB, entre outros, informaram que vão se reunir na semana que vem para discutir a formação de uma “frente nacional” para defender a antecipação da eleição presidencial direta. A memória nacional está repleta de exemplos de como os petistas e seus filhotes mais radicais jamais aceitaram o resultado das eleições presidenciais que perderam, e provavelmente continuarão a não aceitar caso o vencedor do próximo pleito não seja Lula da Silva ou alguém da patota.
Com Michel Temer na Presidência, a estratégia antidemocrática consiste em infernizar a vida do presidente para que ele renuncie e, ato contínuo, sejam convocadas eleições diretas. Para tanto, apostam na aprovação de alguma das propostas que estão no Congresso com vista a alterar o artigo 81 da Constituição, que determina que, em caso de vacância da Presidência e da Vice-Presidência nos últimos dois anos do mandato, haverá eleição para ambos os cargos “trinta dias depois da última vaga, pelo Congresso Nacional, na forma da lei”. Na proposta que está no Senado, torna-se direta a eleição quando ocorrer a vacância nos três primeiros anos.
O casuísmo é tão evidente que custa acreditar que esse tipo de proposta esteja sendo levado a sério e eventualmente avance. Os parlamentares envolvidos nesse esforço usam o especioso argumento, expresso no projeto, de que é preciso “devolver à população brasileira o direito de escolher o presidente da República, por meio de eleições diretas”. Para eles, o atual Congresso, engolfado em escândalos de corrupção, não tem “legitimidade” para fazer essa escolha.
Ora, os atuais congressistas foram eleitos pelo voto direto, o mesmo voto direto que os defensores da antecipação da eleição presidencial direta consideram essencial para conferir legitimidade ao eleito. Michel Temer também foi escolhido em eleições diretas. Estava, como vice, na chapa de Dilma Rousseff à Presidência em 2010 e em 2014. Por quatro vezes – os dois turnos de cada eleição –, cada um de seus eleitores visualizou sua foto e seu nome na urna eletrônica e confirmou o voto. Hoje se encontra no exercício da Presidência em decorrência do estrito cumprimento dos preceitos constitucionais. E, se tiver de deixar o cargo, a Constituição diz claramente como substituí-lo.
Mas os inimigos da democracia só apreciam a Constituição quando esta lhes dá alguma vantagem. Se for um entrave para suas pretensões políticas, então que seja rasgada, sob a alegação aparentemente democrática de que a antecipação da eleição direta “atende aos anseios da sociedade brasileira, sob o eco do histórico grito das ruas a clamar ‘Diretas Já’, nos idos da década de 1980”, como diz o texto da PEC no Senado. A justificativa omite, marotamente, que aquele era um dos componentes do processo de restabelecimento da democracia, na saída do regime militar, ao passo que hoje a democracia está em pleno vigor.
Finalmente, não são apenas eleições diretas que definem um regime democrático, muito menos conferem legitimidade automática aos eleitos. A democracia, em primeiro lugar, se realiza pelo respeito à Constituição, expressão máxima do pacto entre os cidadãos. Aproveitar-se da convulsão política para promover alterações constitucionais com vista a favorecer um grupo político viola escandalosamente esse pacto e, portanto, a própria democracia.
Com Michel Temer na Presidência, a estratégia antidemocrática consiste em infernizar a vida do presidente para que ele renuncie e, ato contínuo, sejam convocadas eleições diretas. Para tanto, apostam na aprovação de alguma das propostas que estão no Congresso com vista a alterar o artigo 81 da Constituição, que determina que, em caso de vacância da Presidência e da Vice-Presidência nos últimos dois anos do mandato, haverá eleição para ambos os cargos “trinta dias depois da última vaga, pelo Congresso Nacional, na forma da lei”. Na proposta que está no Senado, torna-se direta a eleição quando ocorrer a vacância nos três primeiros anos.
O casuísmo é tão evidente que custa acreditar que esse tipo de proposta esteja sendo levado a sério e eventualmente avance. Os parlamentares envolvidos nesse esforço usam o especioso argumento, expresso no projeto, de que é preciso “devolver à população brasileira o direito de escolher o presidente da República, por meio de eleições diretas”. Para eles, o atual Congresso, engolfado em escândalos de corrupção, não tem “legitimidade” para fazer essa escolha.
Ora, os atuais congressistas foram eleitos pelo voto direto, o mesmo voto direto que os defensores da antecipação da eleição presidencial direta consideram essencial para conferir legitimidade ao eleito. Michel Temer também foi escolhido em eleições diretas. Estava, como vice, na chapa de Dilma Rousseff à Presidência em 2010 e em 2014. Por quatro vezes – os dois turnos de cada eleição –, cada um de seus eleitores visualizou sua foto e seu nome na urna eletrônica e confirmou o voto. Hoje se encontra no exercício da Presidência em decorrência do estrito cumprimento dos preceitos constitucionais. E, se tiver de deixar o cargo, a Constituição diz claramente como substituí-lo.
Mas os inimigos da democracia só apreciam a Constituição quando esta lhes dá alguma vantagem. Se for um entrave para suas pretensões políticas, então que seja rasgada, sob a alegação aparentemente democrática de que a antecipação da eleição direta “atende aos anseios da sociedade brasileira, sob o eco do histórico grito das ruas a clamar ‘Diretas Já’, nos idos da década de 1980”, como diz o texto da PEC no Senado. A justificativa omite, marotamente, que aquele era um dos componentes do processo de restabelecimento da democracia, na saída do regime militar, ao passo que hoje a democracia está em pleno vigor.
Finalmente, não são apenas eleições diretas que definem um regime democrático, muito menos conferem legitimidade automática aos eleitos. A democracia, em primeiro lugar, se realiza pelo respeito à Constituição, expressão máxima do pacto entre os cidadãos. Aproveitar-se da convulsão política para promover alterações constitucionais com vista a favorecer um grupo político viola escandalosamente esse pacto e, portanto, a própria democracia.
Lula cumpre o que prometeu: tocar fogo no país
Quando se trata de vandalismo e baderna, o Lula é um cara de palavra. Ele prometeu e está cumprindo fielmente o que já declarou para alguns de seus fanáticos: tocar fogo no Brasil. Os episódios lamentáveis de Brasília são os primeiros ensaios dos petistas – muitos pagos pelas centrais sindicais com o dinheiro do contribuinte – para as próximas cenas que vão aterrorizar o país, caso o juiz Sérgio Moro condene Luiz Inácio no início do próximo mês, quando prometeu proferir a sentença. O ex-presidente pretende, com essas arruaças, intimidar os procuradores e o juiz da Lava Jato para evitar uma condenação que o tornaria inelegível, e, portanto, fora do páreo das eleições de 2018, o que ele não admite.
Os vândalos que atacaram os prédios públicos de Brasília são convocados pelas centrais sindicais e pelos dirigentes de movimentos sociais. Em troca, eles normalmente recebem uns trocados e uma marmita. São socados dentro dos ônibus a caminho dos protestos que podem ocorrer em qualquer lugar do Brasil. Os que têm mais sorte ganham uma camiseta vermelha, uma bandeira e, nos intervalos dos protestos, um sanduíche de mortadela. Antes de viajarem são doutrinados e estimulados a quebrar e incendiar o patrimônio público.
Quando perguntado o que fazem ali normalmente não sabem. E quem os levou até o local, não dizem. São buchas de canhão que os pelegos usam para levar porrada da polícia, enquanto eles, os falsos líderes, escondem-se para não mostrar a cara. Até a queda da Dilma, eram esses pelegos que davam as cartas, que pressionavam os políticos e que se sentiam protegidos pelo seu principal guru, Lula, o ex-operário, que já responde a vários processos por corrupção. Luis Inácio transformou o país numa república sindical e estimulou que seus militantes e seus políticos saqueassem e assaltassem o patrimônio brasileiro.
Agora, com o imbróglio de Temer, ameaçado de perder o cargo, Luis Inácio começou a incentivar seus asseclas no Congresso Nacional apara exigir eleição direta. Claro, ele precisa urgentemente se submeter ao voto popular enquanto ainda não foi condenado, porque está prestes a ir para a cadeia. É tão pretensioso que acha que teria chances de ser eleito com uma rejeição que já se aproxima dos 60%.
É impossível imaginar o Brasil sendo governado novamente por essa corja que dilapidou as empresas públicas e espalhou a corrupção em todos os setores do estado. Que entregaram aos irmãos Batista a bagatela de 8,1 bilhões de reais do BNDES para que eles comprassem empresas no exterior e gerassem renda e emprego lá fora sob o pretexto de que o Brasil precisava criar multinacionais. Os “caipiras” foram embora, vivem em palacete com o dinheiro do nosso banco, deixaram um rastro de escândalo no país e ainda foram premiados pelo Ministério Público que não viu crimes nos atos deles, perdoando-os de qualquer castigo penal.
Toda essa bagunça – não se engane – é fruto do governo do PT. A Dilma também é produto deles. Uma burocrata que até hoje não sabe que foi presidente do Brasil, a sétima economia do mundo. No governo a única coisa que fazia era receber ordem do seu guru Lula. E quando ensaiou administrar foi interrompida pelo parceiro que exigiu a cabeça de ministros e outros auxiliares mais próximos dela. Uma presidente de papel, fantoche, que não teve autonomia para exercer o cargo que o povo brasileiro destinou a ela pelo voto.
Ora, a crise ainda é petista. Ou a gente esqueceu que o Temer foi o vice da Dilma em dois mandatos? Ele foi indicado por Lula depois de sucessivas reuniões com os caciques do PMDB. Era paparicado pelos petistas porque dominava o maior partido e o mais bem estruturado do país. Como vice, foi fiel a presidente até perceber que poderia ocupar o lugar dela com manobras escusas.
Diante da crise que se agrava, a petezada, que ainda grita por aí afora o “golpe” e o “Fora Temer”, agora se prepara para outra façanha: derrubar o Temer para tentar eleger o Lula em eleição direta. O nome disso qual é se não golpe.
Os vândalos que atacaram os prédios públicos de Brasília são convocados pelas centrais sindicais e pelos dirigentes de movimentos sociais. Em troca, eles normalmente recebem uns trocados e uma marmita. São socados dentro dos ônibus a caminho dos protestos que podem ocorrer em qualquer lugar do Brasil. Os que têm mais sorte ganham uma camiseta vermelha, uma bandeira e, nos intervalos dos protestos, um sanduíche de mortadela. Antes de viajarem são doutrinados e estimulados a quebrar e incendiar o patrimônio público.
Quando perguntado o que fazem ali normalmente não sabem. E quem os levou até o local, não dizem. São buchas de canhão que os pelegos usam para levar porrada da polícia, enquanto eles, os falsos líderes, escondem-se para não mostrar a cara. Até a queda da Dilma, eram esses pelegos que davam as cartas, que pressionavam os políticos e que se sentiam protegidos pelo seu principal guru, Lula, o ex-operário, que já responde a vários processos por corrupção. Luis Inácio transformou o país numa república sindical e estimulou que seus militantes e seus políticos saqueassem e assaltassem o patrimônio brasileiro.
Agora, com o imbróglio de Temer, ameaçado de perder o cargo, Luis Inácio começou a incentivar seus asseclas no Congresso Nacional apara exigir eleição direta. Claro, ele precisa urgentemente se submeter ao voto popular enquanto ainda não foi condenado, porque está prestes a ir para a cadeia. É tão pretensioso que acha que teria chances de ser eleito com uma rejeição que já se aproxima dos 60%.
É impossível imaginar o Brasil sendo governado novamente por essa corja que dilapidou as empresas públicas e espalhou a corrupção em todos os setores do estado. Que entregaram aos irmãos Batista a bagatela de 8,1 bilhões de reais do BNDES para que eles comprassem empresas no exterior e gerassem renda e emprego lá fora sob o pretexto de que o Brasil precisava criar multinacionais. Os “caipiras” foram embora, vivem em palacete com o dinheiro do nosso banco, deixaram um rastro de escândalo no país e ainda foram premiados pelo Ministério Público que não viu crimes nos atos deles, perdoando-os de qualquer castigo penal.
Toda essa bagunça – não se engane – é fruto do governo do PT. A Dilma também é produto deles. Uma burocrata que até hoje não sabe que foi presidente do Brasil, a sétima economia do mundo. No governo a única coisa que fazia era receber ordem do seu guru Lula. E quando ensaiou administrar foi interrompida pelo parceiro que exigiu a cabeça de ministros e outros auxiliares mais próximos dela. Uma presidente de papel, fantoche, que não teve autonomia para exercer o cargo que o povo brasileiro destinou a ela pelo voto.
Ora, a crise ainda é petista. Ou a gente esqueceu que o Temer foi o vice da Dilma em dois mandatos? Ele foi indicado por Lula depois de sucessivas reuniões com os caciques do PMDB. Era paparicado pelos petistas porque dominava o maior partido e o mais bem estruturado do país. Como vice, foi fiel a presidente até perceber que poderia ocupar o lugar dela com manobras escusas.
Diante da crise que se agrava, a petezada, que ainda grita por aí afora o “golpe” e o “Fora Temer”, agora se prepara para outra façanha: derrubar o Temer para tentar eleger o Lula em eleição direta. O nome disso qual é se não golpe.
A voz da rua
Náufrago...
Perdidos em alto-mar, procuramos boia e bússola. No Brasil, a tradicional boia da boa colocação era “dada” de favor e pelos amigos. Ela garantia um emprego no “governo” pelo resto da vida com aposentadoria herdada pela esposa, tal como as fazendas de café dos barões que viraram ministros republicanos. Era inadmissível trabalhar com as mãos tanto quanto seria um contrassenso fazer política sem mentir ou tirar vantagem de recursos que, num mundo personalizado, sendo de todos, não era de ninguém. Esse estilo está afundando.
O enriquecimento assombroso por meio da política, a confusão entre ideologia e obséquio num mundo digital, tem separado o trabalhador do malandro bem como a verdade da mentira. Mas o pior é descobrir que os malandros são os eleitos.
Numa reforma política, o primeiro ponto a ser mudado seria o tamanho dos privilégios embutidos nos cargos. Seria transformar proxenetas da sociedade em servidores do povo. Isso sim, faria o povo ganhar personalidade.
A tragédia do governo Temer sinaliza que verdade e mentira, oposição e situação, têm um papel indispensável na política democrática. Sem essa divisão, implodimos o Brasil num imenso e criminoso incesto.
Supomos que o Brasil é tocado por luta de classe, quando basta um noticiário para estampar que ele também é um teatro de ações entre amigos ideologicamente fantasiados.
E como a amizade não foi tema de Marx e Engels (embora eles tenham sido amigos!), nossos teóricos jamais a tomaram como problema digno de estudo - exceto por alguns alienados, como tem sido o meu caso. Machado de Assis que, para alguns, foi um beletrista reacionário, mas que para esse vosso cronista é - ao lado de Manuel Antônio de Almeida e Jorge Amado - um dos nossos melhores sociólogos, tocou nesse tema em toda a sua obra. E, em Dom Casmurro, ele o desnuda, quando revela a transfiguração de um Bentinho inocente num Casmurro paranoico por meio de uma questão que até hoje afeta o nosso sistema: como viver a formalidade que divide e individualiza em paralelo com a informalidade da amizade, que promove simpatias e intimidades? Quem deve ter prioridade? As relações ou os indivíduos por ela envolvidos? Somos donos de nossas vidas ou são nossas vidas (e nossos elos) que nos governam?
Em Memórias de Um Sargento de Milícias, essa questão é aprofundada quando o Major Vidigal, responsável pela ordem pública, desmancha-se quando é visto por meio de suas intimidades. A desmontagem do poderoso pelos amigos é, penso eu, um dos temas centrais da democracia.
No caso do Brasil, porém, os limites e as responsabilidades dos papéis públicos como subordinados aos interesses coletivos só agora têm sido politizados. A construção e a desconstrução de presidentes, governadores, ministros e outras figuras públicas é o problema central do Brasil que precisa descolar atores de papéis. E papéis públicos de amigos pessoais.
Como um presidente, num palácio, esquece o papel que lá o colocou?
Como é possível a Michel Temer redefinir seus laços com os brothers Wesley e Joesley? Que amizade é essa que ele recebe o sujeito na calada da noite como amigo, mas ele o detona como presidente, num encontro que hoje o faz desenhar como um Drácula? Ou melhor, como um amigo da onça?
Muito pouco sabemos do significado da amizade em nosso sistema. Os que jamais estudaram Weber dizem que amizade não é assunto para sociólogos sérios. Antropólogos, como Mauss, Lévi-Strauss e Wolf, porém, distinguem a amizade como a dimensão básica do humano.
No Brasil, foi e tem sido a amizade que, como uma mola, faz alguém subir ou cair, honrar ou roubar. É também a amizade que permite não entrar em fila e esperar - esse elemento trivial da vida democrática. Como Alberto Junqueira e eu indicamos num livro recém-publicado - Fila e Democracia -, as filas só têm legitimidade quando há consciência de igualdade. Mas, como mostra o drama do momento, relações; amizades, compadrios e as simpatias estão na base do elo espúrio e malandro entre a economia, as finanças, a política e os poderes da República.
Esquecemos as coerções impostas pelos cargos públicos em nome das amizades. Promessas ideológicas irrefutáveis e generosas são rompidas pelos deveres implícitos das amizades. No Brasil, a amizade tanto pode libertar quanto condenar. Ela, até hoje - daí a dramaticidade da crise -, permitiu confundir verdade com mentira. Até hoje, o caudilho e eventual tirano é, antes de mais nada, um amigo e um pai.
Sem nenhum controle, a amizade transformou a vida partidária numa farsa ideológica e o sistema político num descarado balcão de negociatas. Ela é o rabo que prende todo mundo...
É impossível não ter amigos e a sombra abençoada da amizade, mas sem discutir os seus limites é - como estamos vendo, vivendo e adoecendo - impossível construir um país decente.
*
O enriquecimento assombroso por meio da política, a confusão entre ideologia e obséquio num mundo digital, tem separado o trabalhador do malandro bem como a verdade da mentira. Mas o pior é descobrir que os malandros são os eleitos.
Numa reforma política, o primeiro ponto a ser mudado seria o tamanho dos privilégios embutidos nos cargos. Seria transformar proxenetas da sociedade em servidores do povo. Isso sim, faria o povo ganhar personalidade.
*
A tragédia do governo Temer sinaliza que verdade e mentira, oposição e situação, têm um papel indispensável na política democrática. Sem essa divisão, implodimos o Brasil num imenso e criminoso incesto.
*
Supomos que o Brasil é tocado por luta de classe, quando basta um noticiário para estampar que ele também é um teatro de ações entre amigos ideologicamente fantasiados.
Em Memórias de Um Sargento de Milícias, essa questão é aprofundada quando o Major Vidigal, responsável pela ordem pública, desmancha-se quando é visto por meio de suas intimidades. A desmontagem do poderoso pelos amigos é, penso eu, um dos temas centrais da democracia.
No caso do Brasil, porém, os limites e as responsabilidades dos papéis públicos como subordinados aos interesses coletivos só agora têm sido politizados. A construção e a desconstrução de presidentes, governadores, ministros e outras figuras públicas é o problema central do Brasil que precisa descolar atores de papéis. E papéis públicos de amigos pessoais.
Como um presidente, num palácio, esquece o papel que lá o colocou?
*
Como é possível a Michel Temer redefinir seus laços com os brothers Wesley e Joesley? Que amizade é essa que ele recebe o sujeito na calada da noite como amigo, mas ele o detona como presidente, num encontro que hoje o faz desenhar como um Drácula? Ou melhor, como um amigo da onça?
*
Muito pouco sabemos do significado da amizade em nosso sistema. Os que jamais estudaram Weber dizem que amizade não é assunto para sociólogos sérios. Antropólogos, como Mauss, Lévi-Strauss e Wolf, porém, distinguem a amizade como a dimensão básica do humano.
*
No Brasil, foi e tem sido a amizade que, como uma mola, faz alguém subir ou cair, honrar ou roubar. É também a amizade que permite não entrar em fila e esperar - esse elemento trivial da vida democrática. Como Alberto Junqueira e eu indicamos num livro recém-publicado - Fila e Democracia -, as filas só têm legitimidade quando há consciência de igualdade. Mas, como mostra o drama do momento, relações; amizades, compadrios e as simpatias estão na base do elo espúrio e malandro entre a economia, as finanças, a política e os poderes da República.
Esquecemos as coerções impostas pelos cargos públicos em nome das amizades. Promessas ideológicas irrefutáveis e generosas são rompidas pelos deveres implícitos das amizades. No Brasil, a amizade tanto pode libertar quanto condenar. Ela, até hoje - daí a dramaticidade da crise -, permitiu confundir verdade com mentira. Até hoje, o caudilho e eventual tirano é, antes de mais nada, um amigo e um pai.
Sem nenhum controle, a amizade transformou a vida partidária numa farsa ideológica e o sistema político num descarado balcão de negociatas. Ela é o rabo que prende todo mundo...
*
É impossível não ter amigos e a sombra abençoada da amizade, mas sem discutir os seus limites é - como estamos vendo, vivendo e adoecendo - impossível construir um país decente.
Cem anos de perdão para Temer e Kassab
O presidente Michel Temer disse que seu aliado Rodrigo Rocha Loures é uma pessoa “de muito boa índole”. Imagine se não fosse. Flagrado recebendo R$ 500 mil de um lobista, ele foi convidado a devolver a propina à Polícia Federal. Ao abrir a mala, os agentes tiveram uma surpresa: faltavam R$ 35 mil.
Nesta quinta, o deputado depositou o resto do dinheiro numa conta judicial. Ele não explicou se o desfalque foi causado por esquecimento, distração ou falta de talento para a matemática. Mesmo sem uma desculpa esfarrapada, o caso já garantiu lugar no anedotário da Lava Jato.
No início do mês, a Folha contou outros episódios de desvio do desvio. O delator André Santana, que trabalhava com os marqueteiros do PT, disse ter sido assaltado num táxi quando carregava dinheiro entregue pela Odebrecht. Ele não soube dizer se carregava R$ 1 milhão ou R$ 1,5 milhão para o caixa dois da chapa Dilma-Temer. De acordo com o relato, a história ficou por isso mesmo.
Em outro depoimento, um executivo narrou o sumiço de propina escondida numa cocheira. É isso mesmo: a maior empreiteira do país teria perdido R$ 8 milhões surrupiados de uma baia do aristocrático Jockey Club Brasileiro, na zona sul do Rio. Até onde se sabe, nenhum cavalo foi intimado a depor sobre o assunto.
O delator João Antônio Bernardi contou uma história menos rocambolesca. Disse ter sido assaltado no Largo da Carioca, perto da sede da Petrobras. Quem conhece a região corre o risco de acreditar, exceto por um detalhe: o batedor de carteira teria levado nada menos que R$ 100 mil.
Na semana passada, o lobista Ricardo Saud fez mais um relato intrigante. Acostumado a distribuir propina em nome da JBS, ele se disse espantado com políticos que teriam embolsado dinheiro destinado às próprias campanhas. “O Michel Temer fez uma coisa até muito deselegante. Nessa eleição, eu só vi dois caras roubar [sic] deles mesmos. Foi o Kassab e o Temer”, afirmou.
Nesta quinta, o deputado depositou o resto do dinheiro numa conta judicial. Ele não explicou se o desfalque foi causado por esquecimento, distração ou falta de talento para a matemática. Mesmo sem uma desculpa esfarrapada, o caso já garantiu lugar no anedotário da Lava Jato.
Em outro depoimento, um executivo narrou o sumiço de propina escondida numa cocheira. É isso mesmo: a maior empreiteira do país teria perdido R$ 8 milhões surrupiados de uma baia do aristocrático Jockey Club Brasileiro, na zona sul do Rio. Até onde se sabe, nenhum cavalo foi intimado a depor sobre o assunto.
O delator João Antônio Bernardi contou uma história menos rocambolesca. Disse ter sido assaltado no Largo da Carioca, perto da sede da Petrobras. Quem conhece a região corre o risco de acreditar, exceto por um detalhe: o batedor de carteira teria levado nada menos que R$ 100 mil.
Na semana passada, o lobista Ricardo Saud fez mais um relato intrigante. Acostumado a distribuir propina em nome da JBS, ele se disse espantado com políticos que teriam embolsado dinheiro destinado às próprias campanhas. “O Michel Temer fez uma coisa até muito deselegante. Nessa eleição, eu só vi dois caras roubar [sic] deles mesmos. Foi o Kassab e o Temer”, afirmou.
Temer, o presidente que uniu o Brasil
Quando assumiu o cargo da presidente afastada Dilma Rousseff, no começo de maio de 2016, Temer prometeu unir o país. Mas nem ele mesmo deveria saber o quão sério falava e quanto estava disposto a mobilizar nesse esforço. Certo é que ele não tinha em mente um inquérito contra si por suspeita de corrupção.
E foi justamente isso que uniu nada menos que 95% dos brasileiros contra ele. Os 5% restantes provavelmente devem se manter ao seu lado por razões de Estado, pelo desejo de continuidade política ou por outros motivos menos ideológicos – e não por alguma lealdade genuína.
Vale lembrar que o presidente do Brasil já era recordista de impopularidade quando, na segunda quinzena de maio, um jornal o acusou de corrupção. Segundo a reportagem, ele concordou com os donos do maior conglomerado de carne do mundo, Joesley e Wesley Batista, sobre o pagamento de um valor de seis dígitos para comprar o silêncio do seu colega de partido Eduardo Cunha, condenado por corrupção.
A denúncia partiu dos próprios empresários, que entregaram à Procuradoria-Geral da República uma gravação do diálogo em questão. O fato de que o presidente precisou de vários dias para afirmar que a gravação da conversa era falsa não ajudou a tornar seu discurso de defesa mais crível. E os brasileiros passaram a ver a questão assim: o presidente precisa deixar o cargo – e, mais especificamente, ir direto para a cadeia.
Isso seria uma bênção para o Brasil. Isso porque provaria mais uma vez o que tem se tornado mais e mais evidente nos últimos tempos: nem influentes criminosos conseguem mais escapar da Justiça. Atualmente, parece que todo mundo está tentando salvar a própria pele. Isso é evidenciado pelo próprio caso do presidente: por que os barões da carne teriam entregado Temer para a Justiça?
Temer acusa os irmãos Batista de terem embolsado alguns milhões com as turbulências cambiais que vieram na esteira da denúncia – algo que eles podiam antecipar. Mas essa não foi a principal motivação deles. Afinal, o testemunho deles também provocou desgaste para eles próprios. É mais provável que em meio a essa grande faxina da Justiça e devido ao passado deles, eles tenham decidido que era melhor fazer um bom negócio antes de ir para o banco dos réus. Tudo seguindo lema: quem dedurar primeiro, se sai melhor. É o que no Brasil se chama de delação premiada.
Um requisito para que Temer se torne o primeiro ex-presidente a ir parar na cadeia deve ser, é claro, um processo íntegro. Sua culpa deve ser impecavelmente determinada – correndo o risco de que, no final, Temer saia impune.
Isso porque mais um caso em que a Constituição é violada para derrubar um chefe de Estado indesejado – como aconteceu na deposição de Dilma –, na melhor das hipóteses só faria com que o Estado brasileiro se tornasse mais popular entre a população no curto prazo.
No entanto, se se quiser que, pela primeira vez em muito tempo, a maioria dos brasileiros tenha confiança nas instituições, é preciso um limpo e, talvez ainda mais importante, transparente processo.
Porque, independentemente do veredito, não se pode deixar espaço para ideólogos que se aproveitem do caso para seus objetivos políticos e que poderiam fazer com que os brasileiros voltem à estaca zero. Se a Justiça brasileira for bem-sucedida nisso, o caso de Temer pode unir os brasileiros para valer.
E foi justamente isso que uniu nada menos que 95% dos brasileiros contra ele. Os 5% restantes provavelmente devem se manter ao seu lado por razões de Estado, pelo desejo de continuidade política ou por outros motivos menos ideológicos – e não por alguma lealdade genuína.
Vale lembrar que o presidente do Brasil já era recordista de impopularidade quando, na segunda quinzena de maio, um jornal o acusou de corrupção. Segundo a reportagem, ele concordou com os donos do maior conglomerado de carne do mundo, Joesley e Wesley Batista, sobre o pagamento de um valor de seis dígitos para comprar o silêncio do seu colega de partido Eduardo Cunha, condenado por corrupção.
A denúncia partiu dos próprios empresários, que entregaram à Procuradoria-Geral da República uma gravação do diálogo em questão. O fato de que o presidente precisou de vários dias para afirmar que a gravação da conversa era falsa não ajudou a tornar seu discurso de defesa mais crível. E os brasileiros passaram a ver a questão assim: o presidente precisa deixar o cargo – e, mais especificamente, ir direto para a cadeia.
Temer acusa os irmãos Batista de terem embolsado alguns milhões com as turbulências cambiais que vieram na esteira da denúncia – algo que eles podiam antecipar. Mas essa não foi a principal motivação deles. Afinal, o testemunho deles também provocou desgaste para eles próprios. É mais provável que em meio a essa grande faxina da Justiça e devido ao passado deles, eles tenham decidido que era melhor fazer um bom negócio antes de ir para o banco dos réus. Tudo seguindo lema: quem dedurar primeiro, se sai melhor. É o que no Brasil se chama de delação premiada.
Um requisito para que Temer se torne o primeiro ex-presidente a ir parar na cadeia deve ser, é claro, um processo íntegro. Sua culpa deve ser impecavelmente determinada – correndo o risco de que, no final, Temer saia impune.
Isso porque mais um caso em que a Constituição é violada para derrubar um chefe de Estado indesejado – como aconteceu na deposição de Dilma –, na melhor das hipóteses só faria com que o Estado brasileiro se tornasse mais popular entre a população no curto prazo.
No entanto, se se quiser que, pela primeira vez em muito tempo, a maioria dos brasileiros tenha confiança nas instituições, é preciso um limpo e, talvez ainda mais importante, transparente processo.
Porque, independentemente do veredito, não se pode deixar espaço para ideólogos que se aproveitem do caso para seus objetivos políticos e que poderiam fazer com que os brasileiros voltem à estaca zero. Se a Justiça brasileira for bem-sucedida nisso, o caso de Temer pode unir os brasileiros para valer.
Terra dos fogos: do lixo de 'Gomorra' ao incêndio de Brasília
Sob o céu de Brasília, na tarde tenebrosa de quarta-feira, 24 de maio, sigo as imagens da cobertura veloz e nervosa da Globo News, canal fechado de TV que sintonizo em Salvador (também em reboliço tenso para os lados da histórica Praça do Campo Grande).
Observo as línguas de fumaça escura que sobem de vários prédios, na Esplanada dos Ministérios, e se espalham pelo espaço sem fim da cidade de marcante “traço do arquiteto”, da poética canção de Djavan, em sua “Linha do Equador”.
Mesmo de longe sente-se, virtualmente, aquela angustiosa e incômoda sensação de travo na boca, causado pelas cenas perversas de desordem predatória e o forte odor de lixo e pólvora misturados no ar.
Aqui e ali, focos de labaredas de fogo riscam o carregado ambiente pré - junino na capital do Brasil. São os sanitários químicos instalados pelo poder público, “para dar conforto e condições dignas” aos participantes da manifestação, convocada pelas centrais sindicais, ao lado de barulhentos e agressivos grupos partidários e estudantis, “de esquerda”.
Mobilizados, segundo afirmam seus dirigentes na rua e no Congresso, para protestar contra a reforma das leis trabalhistas e gritar pelo fim do governo de Michel Temer, metido em seu maior e mais vergonhoso escândalo.
Desde a divulgação de deslavada conversa, pontilhada de malfeitos, gravada pelo dono da JBS (Friboi), Joesley Batista, durante encontro clandestino com o mandatário maior da na& ccedil;ão, altas horas da noite, no palácio presidencial do Jaburu. Tudo (ou quase), revelado à sociedade em furo jornalístico de O Globo, através da coluna de Lauro Jardim, que fez a bola de neve rolar montanha abaixo e alcançar em cheio as terras de fogo do Planalto Central.
O espetáculo horroriza e impressiona: depois de servirem de barricadas para o confronto violento com forças da PM e outras especializadas, em segurança restrita do Congresso e órgãos do poder federal – visivelmente atarantadas e fora de controle, a exemplo de boa parte dos truculentos e estranhos manifestantes - os sanitários foram depredados e queimados, juntamente com a madeira dos tapumes de proteção de ministérios (Agricultura, Fazenda, Integração Nacional, Turismo, Saúde...) e outros prédios públicos.
Daí em diante, decorreu uma das mais temerárias e preocupantes jornadas de vandalismo predatório e irresponsável de que se tem notícia na história de Brasília, que terminou o "dia de cão" sob guarda das Forças Armadas, resultante de ato de convocação sugerido pelo apavorado presidente da Câmara, Rodrigo Maia, imediatamente acatado pelo trôpego mandatário da vez no Palácio do Planalto, que determinou “providências” de seu ministro da Defesa, Raul Jungman. De equívoco em equívoco, de trapalhada em trapalhada, o resultado é o que se viu e o que se vê.
A primeira impressão do jornalista, à distância, é a de uma reedição com impressionantes toques de modernidade, de descrições literárias do romance “Macunaíma – o herói sem caráter” (de Mário de Andrade, publicado nos anos 20), somada a cenas de imagens emblemáticas do filme fundamental do cinema novo, de Joaquim Pedro de Andrade, lançado no final dos anos 60.
Por exemplo, a cena antológica daquele enganador de trabalhadores, (que com falsas promessas arrebanha pessoas desempregadas e desesperançadas), que estaciona um caminhão pau-de-arara, lotado de passageiros recrutados sabe-se lá onde e a que preço.Em local ermo, próximo à entrada de uma grande cidade, cobra a passagem de cada um dos miseráveis e depois avisa: “Pronto, chegamos, agora é cada um por si, e Deus contra”.
Da Cidade da Bahia, penso e sigo tudo com atenção, incredulidade, e alguma desconfiança, não nego: as chamas, o fumaceiro, o lixo e os detritos espalhados pelos amplos espaços da esplendorosa cidade construída, por Oscar Niemeyer, para ser um modelo para o mundo.
Mas, principalmente reparo aquelas espantosas figuras vestidas em coletes da CUT e os seus seguidores (alguns brutamontes, outros garotos quase adolescentes com camisas ou máscaras cobrindo o rosto, que espalham a desordem e o caos, implacavelmente, aos gritos de “Fora Temer” e palavras de ordem sindicais de séculos passados, que falam de realidades sociais, políticas e ideológicas já mortas em seus próprios nascedouros internacionais, mas ainda insepultas nesta parte de baixo da imaginária linha do equador.
A eocupação com princípios, ética, anti-corrupção e corruptores, parecem passar ao largo de suas preocupações e das palavras de ordem gritadas ou escritas nas faixas e cartazes.
Diante do quadro quase surreal, a memória voa, também, para as páginas de outro livro demolidor, igualmente transformado em filme fundamental para os dias que atravessamos, neste mês de maio de arrepiar: “Gomorra”, a extraordinária reportagem do jornalista e escritor italiano Roberto Saviano, sobre as máfias que agem em Nápoles e em todo misterioso, perverso e depredado ambiente moral de toda a região da Campânia, no sul da Itália.
Ao tempo em que recomendo vivamente, mais uma vez, a leitura (ou releitura) atenta deste livro crucial, pulo páginas e vou direto ao último capítulo de “Gomorra”, antes do ponto final deste artigo semanal de informação e opinião. Que me perdoem os muitos adversários e críticos atuais dos textos jornalísticos opinativos, uma inegável marca histórica de imprensa brasileira desde a sua origem.
Sob o título “Terra dos Fogos”, o jornalista encerra seu livro com descrições impressionantes sobre a política, a economia e a moral nos territórios de domínio da máfia:
“As imagens de um aterro, de um precipício, de uma mina, se tornam cada vez mais sinônimos concretos e visíveis de perigo mortal para quem mora nas redondezas. Quando os aterros estão no limite, toca-se fogo no lixo. Há um lugar na região de Nápoles, que já é chamado de terra dos fogos... Os mais hábeis para organizar o fogo são os garotos ciganos, geralmente romenos, contratados a 50 euros para fazer o trabalho sujo, conta Saviano.
Na terra dos fogos do planalto central do País, depois dos estragos de quarta-feira, restou a pergunta que não quer calar: quem são, de onde vieram e quanto se pagou aos incendiários de Brasília? Responda quem souber , e puna-se todos os responsáveis, antes do próximo incêndio.
Observo as línguas de fumaça escura que sobem de vários prédios, na Esplanada dos Ministérios, e se espalham pelo espaço sem fim da cidade de marcante “traço do arquiteto”, da poética canção de Djavan, em sua “Linha do Equador”.
Mesmo de longe sente-se, virtualmente, aquela angustiosa e incômoda sensação de travo na boca, causado pelas cenas perversas de desordem predatória e o forte odor de lixo e pólvora misturados no ar.
Mobilizados, segundo afirmam seus dirigentes na rua e no Congresso, para protestar contra a reforma das leis trabalhistas e gritar pelo fim do governo de Michel Temer, metido em seu maior e mais vergonhoso escândalo.
Desde a divulgação de deslavada conversa, pontilhada de malfeitos, gravada pelo dono da JBS (Friboi), Joesley Batista, durante encontro clandestino com o mandatário maior da na& ccedil;ão, altas horas da noite, no palácio presidencial do Jaburu. Tudo (ou quase), revelado à sociedade em furo jornalístico de O Globo, através da coluna de Lauro Jardim, que fez a bola de neve rolar montanha abaixo e alcançar em cheio as terras de fogo do Planalto Central.
O espetáculo horroriza e impressiona: depois de servirem de barricadas para o confronto violento com forças da PM e outras especializadas, em segurança restrita do Congresso e órgãos do poder federal – visivelmente atarantadas e fora de controle, a exemplo de boa parte dos truculentos e estranhos manifestantes - os sanitários foram depredados e queimados, juntamente com a madeira dos tapumes de proteção de ministérios (Agricultura, Fazenda, Integração Nacional, Turismo, Saúde...) e outros prédios públicos.
Daí em diante, decorreu uma das mais temerárias e preocupantes jornadas de vandalismo predatório e irresponsável de que se tem notícia na história de Brasília, que terminou o "dia de cão" sob guarda das Forças Armadas, resultante de ato de convocação sugerido pelo apavorado presidente da Câmara, Rodrigo Maia, imediatamente acatado pelo trôpego mandatário da vez no Palácio do Planalto, que determinou “providências” de seu ministro da Defesa, Raul Jungman. De equívoco em equívoco, de trapalhada em trapalhada, o resultado é o que se viu e o que se vê.
A primeira impressão do jornalista, à distância, é a de uma reedição com impressionantes toques de modernidade, de descrições literárias do romance “Macunaíma – o herói sem caráter” (de Mário de Andrade, publicado nos anos 20), somada a cenas de imagens emblemáticas do filme fundamental do cinema novo, de Joaquim Pedro de Andrade, lançado no final dos anos 60.
Por exemplo, a cena antológica daquele enganador de trabalhadores, (que com falsas promessas arrebanha pessoas desempregadas e desesperançadas), que estaciona um caminhão pau-de-arara, lotado de passageiros recrutados sabe-se lá onde e a que preço.Em local ermo, próximo à entrada de uma grande cidade, cobra a passagem de cada um dos miseráveis e depois avisa: “Pronto, chegamos, agora é cada um por si, e Deus contra”.
Da Cidade da Bahia, penso e sigo tudo com atenção, incredulidade, e alguma desconfiança, não nego: as chamas, o fumaceiro, o lixo e os detritos espalhados pelos amplos espaços da esplendorosa cidade construída, por Oscar Niemeyer, para ser um modelo para o mundo.
Mas, principalmente reparo aquelas espantosas figuras vestidas em coletes da CUT e os seus seguidores (alguns brutamontes, outros garotos quase adolescentes com camisas ou máscaras cobrindo o rosto, que espalham a desordem e o caos, implacavelmente, aos gritos de “Fora Temer” e palavras de ordem sindicais de séculos passados, que falam de realidades sociais, políticas e ideológicas já mortas em seus próprios nascedouros internacionais, mas ainda insepultas nesta parte de baixo da imaginária linha do equador.
A eocupação com princípios, ética, anti-corrupção e corruptores, parecem passar ao largo de suas preocupações e das palavras de ordem gritadas ou escritas nas faixas e cartazes.
Diante do quadro quase surreal, a memória voa, também, para as páginas de outro livro demolidor, igualmente transformado em filme fundamental para os dias que atravessamos, neste mês de maio de arrepiar: “Gomorra”, a extraordinária reportagem do jornalista e escritor italiano Roberto Saviano, sobre as máfias que agem em Nápoles e em todo misterioso, perverso e depredado ambiente moral de toda a região da Campânia, no sul da Itália.
Ao tempo em que recomendo vivamente, mais uma vez, a leitura (ou releitura) atenta deste livro crucial, pulo páginas e vou direto ao último capítulo de “Gomorra”, antes do ponto final deste artigo semanal de informação e opinião. Que me perdoem os muitos adversários e críticos atuais dos textos jornalísticos opinativos, uma inegável marca histórica de imprensa brasileira desde a sua origem.
Sob o título “Terra dos Fogos”, o jornalista encerra seu livro com descrições impressionantes sobre a política, a economia e a moral nos territórios de domínio da máfia:
“As imagens de um aterro, de um precipício, de uma mina, se tornam cada vez mais sinônimos concretos e visíveis de perigo mortal para quem mora nas redondezas. Quando os aterros estão no limite, toca-se fogo no lixo. Há um lugar na região de Nápoles, que já é chamado de terra dos fogos... Os mais hábeis para organizar o fogo são os garotos ciganos, geralmente romenos, contratados a 50 euros para fazer o trabalho sujo, conta Saviano.
Na terra dos fogos do planalto central do País, depois dos estragos de quarta-feira, restou a pergunta que não quer calar: quem são, de onde vieram e quanto se pagou aos incendiários de Brasília? Responda quem souber , e puna-se todos os responsáveis, antes do próximo incêndio.
Assinar:
Postagens (Atom)