Observo as línguas de fumaça escura que sobem de vários prédios, na Esplanada dos Ministérios, e se espalham pelo espaço sem fim da cidade de marcante “traço do arquiteto”, da poética canção de Djavan, em sua “Linha do Equador”.
Mesmo de longe sente-se, virtualmente, aquela angustiosa e incômoda sensação de travo na boca, causado pelas cenas perversas de desordem predatória e o forte odor de lixo e pólvora misturados no ar.
Mobilizados, segundo afirmam seus dirigentes na rua e no Congresso, para protestar contra a reforma das leis trabalhistas e gritar pelo fim do governo de Michel Temer, metido em seu maior e mais vergonhoso escândalo.
Desde a divulgação de deslavada conversa, pontilhada de malfeitos, gravada pelo dono da JBS (Friboi), Joesley Batista, durante encontro clandestino com o mandatário maior da na& ccedil;ão, altas horas da noite, no palácio presidencial do Jaburu. Tudo (ou quase), revelado à sociedade em furo jornalístico de O Globo, através da coluna de Lauro Jardim, que fez a bola de neve rolar montanha abaixo e alcançar em cheio as terras de fogo do Planalto Central.
O espetáculo horroriza e impressiona: depois de servirem de barricadas para o confronto violento com forças da PM e outras especializadas, em segurança restrita do Congresso e órgãos do poder federal – visivelmente atarantadas e fora de controle, a exemplo de boa parte dos truculentos e estranhos manifestantes - os sanitários foram depredados e queimados, juntamente com a madeira dos tapumes de proteção de ministérios (Agricultura, Fazenda, Integração Nacional, Turismo, Saúde...) e outros prédios públicos.
Daí em diante, decorreu uma das mais temerárias e preocupantes jornadas de vandalismo predatório e irresponsável de que se tem notícia na história de Brasília, que terminou o "dia de cão" sob guarda das Forças Armadas, resultante de ato de convocação sugerido pelo apavorado presidente da Câmara, Rodrigo Maia, imediatamente acatado pelo trôpego mandatário da vez no Palácio do Planalto, que determinou “providências” de seu ministro da Defesa, Raul Jungman. De equívoco em equívoco, de trapalhada em trapalhada, o resultado é o que se viu e o que se vê.
A primeira impressão do jornalista, à distância, é a de uma reedição com impressionantes toques de modernidade, de descrições literárias do romance “Macunaíma – o herói sem caráter” (de Mário de Andrade, publicado nos anos 20), somada a cenas de imagens emblemáticas do filme fundamental do cinema novo, de Joaquim Pedro de Andrade, lançado no final dos anos 60.
Por exemplo, a cena antológica daquele enganador de trabalhadores, (que com falsas promessas arrebanha pessoas desempregadas e desesperançadas), que estaciona um caminhão pau-de-arara, lotado de passageiros recrutados sabe-se lá onde e a que preço.Em local ermo, próximo à entrada de uma grande cidade, cobra a passagem de cada um dos miseráveis e depois avisa: “Pronto, chegamos, agora é cada um por si, e Deus contra”.
Da Cidade da Bahia, penso e sigo tudo com atenção, incredulidade, e alguma desconfiança, não nego: as chamas, o fumaceiro, o lixo e os detritos espalhados pelos amplos espaços da esplendorosa cidade construída, por Oscar Niemeyer, para ser um modelo para o mundo.
Mas, principalmente reparo aquelas espantosas figuras vestidas em coletes da CUT e os seus seguidores (alguns brutamontes, outros garotos quase adolescentes com camisas ou máscaras cobrindo o rosto, que espalham a desordem e o caos, implacavelmente, aos gritos de “Fora Temer” e palavras de ordem sindicais de séculos passados, que falam de realidades sociais, políticas e ideológicas já mortas em seus próprios nascedouros internacionais, mas ainda insepultas nesta parte de baixo da imaginária linha do equador.
A eocupação com princípios, ética, anti-corrupção e corruptores, parecem passar ao largo de suas preocupações e das palavras de ordem gritadas ou escritas nas faixas e cartazes.
Diante do quadro quase surreal, a memória voa, também, para as páginas de outro livro demolidor, igualmente transformado em filme fundamental para os dias que atravessamos, neste mês de maio de arrepiar: “Gomorra”, a extraordinária reportagem do jornalista e escritor italiano Roberto Saviano, sobre as máfias que agem em Nápoles e em todo misterioso, perverso e depredado ambiente moral de toda a região da Campânia, no sul da Itália.
Ao tempo em que recomendo vivamente, mais uma vez, a leitura (ou releitura) atenta deste livro crucial, pulo páginas e vou direto ao último capítulo de “Gomorra”, antes do ponto final deste artigo semanal de informação e opinião. Que me perdoem os muitos adversários e críticos atuais dos textos jornalísticos opinativos, uma inegável marca histórica de imprensa brasileira desde a sua origem.
Sob o título “Terra dos Fogos”, o jornalista encerra seu livro com descrições impressionantes sobre a política, a economia e a moral nos territórios de domínio da máfia:
“As imagens de um aterro, de um precipício, de uma mina, se tornam cada vez mais sinônimos concretos e visíveis de perigo mortal para quem mora nas redondezas. Quando os aterros estão no limite, toca-se fogo no lixo. Há um lugar na região de Nápoles, que já é chamado de terra dos fogos... Os mais hábeis para organizar o fogo são os garotos ciganos, geralmente romenos, contratados a 50 euros para fazer o trabalho sujo, conta Saviano.
Na terra dos fogos do planalto central do País, depois dos estragos de quarta-feira, restou a pergunta que não quer calar: quem são, de onde vieram e quanto se pagou aos incendiários de Brasília? Responda quem souber , e puna-se todos os responsáveis, antes do próximo incêndio.
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