segunda-feira, 25 de março de 2019

Brasil de muitos para uma faixa


Na briga Maia x Bolsonaro, você entra com a cara

Rodrigo Maia e Jair Bolsonaro demoram a descer do ringue. Trocam farpas desde sexta-feira. Entretanto, a distância entre a retórica encrespada da dupla e a formalização de um efetivo rompimento impõe à situação uma certa ponderabilidade cômica. Os presidentes da Câmara e da República ficam numa posição parecida com a de dois adolescentes que ameaçam quebrar a cara um do outro, mas demoram tanto para levantar da cadeira que comprometem a seriedade da cena.

Novas críticas de Bolsonaro a Maia agravaram a crise. O presidente da Câmara cobrara mais empenho de Bolsonaro na negociação com os partidos. Menos Twitter e mais Previdência, ele havia aconselhado. O presidente deu de ombros: "A bola está com o Parlamento". Repetiu que não cogita compor uma maioria parlamentar recorrendo a velhas práticas. Não quer ir para a cadeia, como Lula e Temer.



"O Executivo não está acima de outros Poderes", reagiu Maia. Ele reiterou que Bolsonaro não pode terceirizar a articulação política. O capitão responde com uma interrogação cenográfica: "O que é articulação?"

Em público, Bolsonaro torce o nariz para o modelo que vigora no Brasil desde a redemocratização, em 1985. Prevê a troca de governabilidade por favores políticos e monetários. No escurinho, o presidente libera para os parlamentares verbas orçamentárias em conta-gotas e cargos de quinta categoria. A lista inclui, por exemplo, posições na Infraero, em vias de extinção.

Maltratados na Casa Civil do Planalto, os deputados enxergam o gabinete da presidência da Câmara como uma espécie de muro das lamentações. Queixumes e pedidos represados passaram a desaguar nos ouvidos de Rodrigo Maia. Levada ao paroxismo, a situação faria de Maia um articulador oficioso do governo que Bolsonaro desarticula. Associado à velha política nas redes sociais de Carlos "Zero Dois" Bolsonaro, Maia se deu conta de que fazia papel de bobo. Acordou.

Nos subterrâneos, partidos do centrão se juntam ao PT e outras legendas órfãs de Lula para transformar o plenário da Câmara num campo minado. Trama-se, por exemplo, revogar a liberação das catracas para turistas americanos, canadenses e australianos. Cogita-se também emendar a medida provisória que redesenhou a Esplanada dos Ministérios, reduzindo o número de pastas de 22 para 15. Maia cruza os braços.

Paulo Guedes e sua equipe cultivavam a ilusão de que a economia sedada, com o PIB na UTI, levaria governadores e eleitores a pressionar os parlamentares para aprovar rapidamente a reforma previdenciária. Parte dos governadores, sobretudo os do Nordeste, conspiram contra a reforma. A pressão popular não existe. Se existisse, surtiria pouco efeito, pois os deputados terão novo encontro com as urnas apenas em 2022.

Nesse contexto, os deputados esticam a corda para forçar Bolsonaro a melhorar o balcão, liberando mais verbas orçamentárias e diversificando o mostruário de cargos. Uma banda moderadora do governo, que inclui os militares, aconselha o presidente a dedicar-se mais à política, desligando da tomada o Twitter de Carlos "Pitibull" Bolsonaro.

A ala piromaníaca do governo, que inclui os adoradores do polemista Olavo de Carvalho, deseja tocar fogo no circo, implantando no país a democracia direta das redes sociais. Ao fustigar Rodrigo Maia, Bolsonaro se comporta como o sujeito que acende o fósforo para verificar se há gasolina no fundo do barril. Desconsidera o fato de que sua popularidade despencou 15 pontos em menos de três meses.

No painel de controle do mercado financeiro, 2019 começa a aparecer como mais um ano perdido. Os operadores do capital já contabilizam um crescimento miúdo. Com sorte, o PIB ficará nas redondezas de 1,5%. Com azar, cairá abaixo de 1%. Enquanto isso, Bolsonaro insinua que Maia é porta-voz do fisiologismo e Maia dá a entender que Bolsonaro é um lunático do Twitter.

Nesse tipo de briga entre Rodrigo Maia e Jair Bolsonaro, você, caro contribuinte, entra com a cara. De resto, eles falam mal um do outro com tanta convicção que correm o risco de a plateia concluir que ambos têm razão.

Deu no jornal

Governo cortará 159 cargos, e não os 21 mil prometidos

A medida está entre as 35 metas dos primeiros cem dias de governo apresentadas em janeiro pelo ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni. Embora tenha falado da importância de enxugar a máquina pública, o governo cortará apenas 159 cargos. O resto estará focado em funções (17.349) e gratificações (3.492).
O Globo

Iinsulto a governantes e autoridade é um direito natural dos povos

O pensamento radical e anarquista do escritor Lysander Spooner (1808-1887), pouco conhecido no Brasil, parece irresponsável, frágil e politicamente incorreto. Além de defender a abolição da escravatura, combater o monopólio postal, negar legitimidade à sagrada Constituição dos Estados Unidos da América (aliás, de todas constituições, votadas ou impostas, autoritárias ou democráticas), Spooner define os governos como associações de “ladrões e assassinos”. É, talvez, sua maior contribuição intelectual.

A associação figurada de criminosos para governar engloba agentes de todas as esferas de poder (Executivo, Legislativo e Judiciário), mas a tradução de seu livro “No Treason “” The Constitution of no Authority” (1870) seria editada na França e em Portugal sob os títulos “Outrage à Chefs d’État” e “Insultos a Chefes de Estado”.


Independentemente de ideologias, governantes e autoridades existem também para serem afrontados, de forma justa ou injusta, com ou sem exageros. É direito natural. Compensa os confiscos de liberdade que a vida em sociedade impõe ao cidadão.

Governantes cretinos, como Jair Bolsonaro, seus filhos, ministros de Estado e gurus filosóficos, militantes patéticos de causas contrárias à evolução humanitária, tornam mais prazerosa e útil a prática do insulto e do xingamento.

O Supremo Tribunal Federal desperdiça tempo precioso investigando ultrajes lançados ultimamente contra a instituição e seus juízes. O ataque a magistrados é do jogo institucional e, com efeito, não são incomuns ofensas verbais (como o uso do adjetivo “cretino”) desferidas do plenário da própria corte.

Limite ao exercício da liberdade de expressão só é aceitável quando a fala ou o escrito descamba para a ameaça ou para o risco concreto de dano, com estímulo a linchamento, agressão, constrangimento ilegal, depredação patrimonial.

O presidente da República pode ser ofendido, vaiado, ter seus percursos interrompidos ou perturbados, mas ninguém tem o direito da aproximação física perigosa ou de quebrar ovos de galinha na sua cabeça. É legítimo protestar contra a impunidade do torturador da época da ditadura militar, mas a casa de sua família é inviolável, não pode ser escrachada. Deputado não cospe em deputado.

É normal atacar ministros do Supremo na imprensa e em redes sociais, mas eles não devem ser incomodados em aviões, em restaurantes e nas ruas por cretinos que posam de indignados, corajosos e honestos, mas que, provavelmente, sonegam impostos e desrespeitam faixas de pedestre. Esta modalidade de esculacho, que já atingiu Bolsonaro e petistas, não é liberdade de manifestação. É estupidez.

A revolução dos cretinos não é privilégio da direita, mas ganha poderoso impulso com a ascensão de Jair Bolsonaro. Congrega políticos e milicianos, religiosos e carolas, gente truculenta e gente comum. É fácil identificá-los.

Sorriem quando escutam referências ao assassinato de Marielle Franco. Comemoram violência policial, abusos da Lava Jato e prisões arbitrárias, como a de Michel Temer. Têm medo de comunistas. Acreditam que as administrações do PT foram de esquerda e são responsáveis pelas mazelas nacionais. Olham feio para Maduro mas enxergam virtude em Pinochet. Metem Deus em tudo. Desprezam a história. Defendem a proliferação de armas. Conspiram contra o conhecimento, a ciência e as artes. E, agora, advogam o fim do Supremo Tribunal Federal.

Mas quem é essa nova direita que ganha espaço pelo mundo?

Há um século, o alemão Oswald Spengler publicou em dois volumes A decadência do Ocidente, uma das obras escritas mais conhecidos sobre a crise europeia no fim da Primeira Guerra Mundial. Sua tese é que todas as civilizações têm um ciclo de vida natural com três fases: crescimento, florescimento e decadência, e que a cultura europeia, absorta em um materialismo rígido, estava na última etapa: o inverno de um mundo antes frutífero. Felizmente, Spengler não acertou: depois da segunda conflagração mundial, a Europa se reconstruiu e elaborou o experimento de integração mais exitoso da história: a União Europeia.

Apesar de haver diferenças fundamentais, também existem algumas analogias entre aqueles tempos e os de agora: o descontentamento social diante das desigualdades extremas, o frágil crescimento econômico e a desecularização de alguns Estados, os conflitos políticos internacionais que se expressam sobretudo (mas não unicamente) em protecionismo e guerras comerciais, entre outras. Tudo isso contribuiu para fomentar um pessimismo crescente: um profundo sentimento de fin de siècle, acelerado pela extensão ultrarrápida de algumas tecnologias que não se dominam e o conceito de “fim do trabalho”. Nesse contexto no qual se multiplicam as forças eurofóbicas (ainda na semana passada emergia na Holanda uma nova formação de direita radical, autodenominada ironicamente Fórum para a Democracia, para concorrer com o ultradireitista Partido pela Liberdade, não menos irônico). Em dois meses ocorrem eleições importantíssimas para o Parlamento Europeu —espremidas na Espanha entre as legislativas e as municipais e autonômicas— que vão medir o significado dessa fobia para a Europa unida.

Emerge uma nova direita que ganha espaços não só na Europa, mas nos EUA e na América Latina; uma direita extrema que, até agora, descartou os rostos mais violentos e que se incorpora a fenômenos como o autoritarismo, o nacionalismo, o conservadorismo, o populismo, a xenofobia, a islamofobia, o desprezo pelo pluralismo etc. Não se apresenta da mesma forma em todos os lugares, mas mescla em doses distintas cada uma dessas características. É o que o historiador italiano radicado nos EUA Enzo Traverso denominou “as novas caras da direita”.

A maioria dessas formações, que perderam pelo caminho o qualificativo de partidos (Alternativa pela Alemanha, Vox, Amanhecer Dourado...), não se reivindica do fascismo clássico, mas é impossível entendê-las sem recorrer à lembrança do que essa doutrina significou. São fenômenos ainda transitórios na maioria dos casos, em transformação, que ainda não cristalizaram no que definitivamente chegarão a ser. Ainda não aconteceu com eles (e talvez nunca aconteça) o que ocorreu na Alemanha nos primeiros anos da década de 1930, quando os nazistas deixaram sua condição de movimento minoritário constituído por uns tantos excêntricos para tornarem-se os interlocutores das grandes empresas e grupos, e das elites industriais e financeiras. Quem conta perfeitamente é o escritor francês Éric Vuillard em A ordem do dia (sem edição no Brasil): em fevereiro de 1933 acontece uma reunião no Reichstag da qual participam os 24 industriais alemães mais importantes (por exemplo, os donos da Opel, Krupp, Siemens, IG Farben, Telefunken, Agfa, Varta...), na qual, na presença de Hitler e Goering, doaram enormes montantes ao novo regime (“urge acabar com a instabilidade do regime; a atividade econômica requer calma e firmeza... Era uma ocasião única para sair do estancamento em que se encontravam, mas para fazer campanha era preciso dinheiro”).

Quando as sociedades são submetidas a choques tão fortes quanto a Grande Recessão, essas novas direitas constituem em muitos casos uma resposta extrema à ausência de um horizonte de expectativas. Às vezes gera-se um deslocamento da questão social para as questões identitárias; em outras se põe em primeiro plano o fato de que a alternância de Governos de sinal diferente não produz modificações substanciais nas políticas públicas, mas apenas mudanças de pessoal.

Certas vezes parece que o que ocorre a nossa volta estava escrito nos jornais de muitos anos e é um pesadelo que estamos tendo.

Joaquín Esteranía

Pensamento do Dia


Os garotos venceram taokey?

Arrastem as correntes os derrotados – ministros militares, políticos dos mais variados partidos e a mídia em geral. Contra fatos, argumentos não passam de chororô. É fato que os garotos Bolsonaro venceram todos aqueles que queriam vê-los distante da boca do palco do governo do pai.

O sinal mais poderoso da vitória dos garotos acendeu ontem dentro e fora da Casa Branca durante a visita do presidente Jair Bolsonaro ao seu modelo de perfeição, o presidente Donald Trump. E só não viu quem não quis. Tanto viu o ministro Ernesto Araújo, das Relações Exteriores, que teve um chilique.

No salão oval da Casa Branca, uma vez esvaziado dos jornalistas barulhentos, foi o deputado Eduardo Bolsonaro quem ficou ao lado do pai para testemunhar sua conversa com Trump e com seus principais assessores. Ernesto foi dispensado de ficar. Para atenuar sua humilhação, disseram-lhe que foi Trump que quis assim.

Nos jardins da Casa Branca, depois que Bolsonaro fez votos para que Trump se reeleja nas eleições do próximo ano, o presidente americano retribuiu a gentileza apontando na direção de Eduardo, festejando sua presença ali, e elogiando seu trabalho em prol de melhores relações entre os dois países.

Eduardo é assumidamente uma tiete de Trump. Já foi visto em um resorts do presidente em Las Vegas para participar de uma reunião da seção local do Partido Republicano. Seu inglês foi muito elogiado. No ano passado, desfilou em Nova Iorque com um boné de campanha onde pedia um novo mandato para Trump.

Foram amigos americanos de Eduardo que lhe sopraram a ideia de Bolsonaro visitar a sede da CIA. Eduardo soprou nos ouvidos do pai. Ambos fissurados em Coca-Cola, na Disneylândia e em calças jeans, concordaram em visitar a sede da CIA. Só eles sabem o que disseram e o que ouviram por lá. O ministro Sérgio Moro também sabe.

A retaguarda da nova família imperial brasileira ficou por aqui aos cuidados do vereador Carlos Bolsonaro, responsável pelo que o pai escreve ou compartilha nas redes sociais. Carlos voou do Rio para Brasília e foi visto em despachos não só no Congresso como também no Palácio do Planalto onde emprega amigos e informantes.

Quanto aos outros irmãos, Flávio, o senador, permanece ocupado com os seus e os rolos de Queiroz. E Renanzinho, além de continuar namorando todas as meninas – menos uma – do condomínio onde o pai tem casa, agora se dedica a aprimorar a pontaria numa academia de tiros. São vencedores também.

Tem que melhorar isso, viu?

Jornais, revistas, emissoras, etc. ficam sem público porque estão ruins. O resto é pura invenção
J.R.Guzzo

O governo na escuridão

Discutir pesquisas é catar pelo em ovo. Não leva a nada. Por isso, tentar apequenar pesquisa do Ibope sobre o governo, sob o argumento de que os institutos erraram durante a campanha eleitoral, é chover no molhado.


Paradigmas do marketing foram para o lixo na última campanha, incluindo organizações de pesquisa, mas é visível o arrefecimento da imagem presidencial. Por quê? Ora, não houve ainda fato relevante para sustentar o otimismo com o governo do capitão.

Vejamos o que acontece. O presidente usa o tom da campanha, fustiga adversários e puxa o cordão de apoiadores; formou uma equipe com nomes polêmicos; não se vê uma campanha popular para explicar a reforma da Previdência; a parceria com bancadas temáticas fecha portas para indicações políticas; o ruído provocado por três polos de comunicação – o familiar, o do porta-voz Rêgo Barros e o da Secom, do general Santos Cruz – todos esses fatores desgastam a imagem presidencial.

A lua de mel de uma nova administração dura de quatro a seis meses. Temos ainda bom tempo para que se fazer uma análise mais apurada do ciclo governamental. Mas o declínio é visível por algumas razões.

Primeiro, falta uma ideia/ação capaz de entusiasmar os eleitores. Há um amplo e denso pacote de programas a passar pelo Congresso. Mas a articulação política é fraca. O presidente, por sua vez, reacende ânimos nas redes. Dá a entender que continua em palanque. O núcleo familiar causa barulho, com destaque para o caso Fabrício Queiroz, ex-assessor do então deputado Flávio no RJ; Carlos aprecia a guerra continuada. E o deputado Eduardo se credencia como um “co-chanceler”, despertando ciúmes do titular Ernesto Araújo.

Os canais com o Congresso parecem entupidos. Bolsonaro evita governar com os braços presos ao presidencialismo de coalizão, fechando espaços para indicações políticas. Nem Paulo Guedes consegue convencer deputados sobre a reforma. O governo tem até gosto para ver aprovada a Previdência. Se não ocorrer, o clima será de escarcéu.

Dificuldades aumentarão. Fraco, o governo enfrentará as oposições e os próprios aliados. Fato é que a identidade do governo ainda não se firmou. Tateia na escuridão – é esta a impressão que passa. O ultraconservadorimo funciona como marca da administração, presente em pautas como escola sem partido ou ideologia de gêneros. Agrada aliados, mas gera contrariedade.

As tragédias de Brumadinho (MG) e os assassinatos de jovens em Suzano (SP) baixaram uma sombra de desalento e medo. Armar a população é uma questão polêmica, com alas a favor e contra. A educação vive uma balbúrdia. Foi demitida a terceira indicada como secretária-executiva. O ministro Vélez não sabe se fica ou sai.

A prisão do ex-presidente Michel Temer gera nebulosidade. O instinto de sobrevivência dos políticos entra em alerta. Juiz e promotores antecipam seu julgamento com inferências pesadas. Desfaz-se o clima propício à aprovação da Previdência. O governo se perde na escuridão. A visão de que o avião governamental começa a perder altura na decolagem parece correta. Até Rodrigo Maia, peça-chave na engrenagem, recua alguns passos. Acende-se o sinal amarelo.
Gaudêncio Torquato

Sem árvore, o Brasil torra

“O som selvagem da motosserra nunca silencia onde quer que árvores ainda sejam encontradas crescendo”, escreveu J.R.R. Tolkien, o filólogo e autor de “O Senhor dos Anéis”, em carta datada de 30 de junho de 1972, no ano interior à sua morte. Nisso, e ao classificar as máquinas que queimam combustíveis fósseis de “motores de combustão inferna” (um trocadilho com “interna”), o criador dos hobbits ainda é uma voz profética. Afinal, é bem possível que o tal som selvagem nos carregue um pouquinho mais para perto do Inferno nos próximos 30 anos.


Chame-me de alarmista se assim o desejar, gentil leitor, mas um estudo publicado na semana que passou por cientistas brasileiros aponta justamente nessa direção calorosa (no mau sentido). Ao analisar como o desmatamento tem afetado o clima local no Brasil e no mundo, eles calculam que uma derrubada sem freios pode aumentar a temperatura média do país em 1,45°C até 2050. Como já disse aquele sábio do jornalismo esportivo, 2050 é logo ali, amigo.

Repare que eu disse “clima local” ali em cima. A análise, que está na revista científica de acesso livre Plos One, levou em conta não a quantidade de gases causadores do aquecimento global emitidos pelo desmatamento —algo que vai para a atmosfera e acaba afetando a temperatura média do mundo todo -, em certa medida. No lugar disso, o estudo considera as mudanças climáticas de pequena escala geradas quando uma área antes florestada perde sua cobertura de árvores.

A equipe do estudo, que inclui Gisele Winck, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), e Jayme Prevedello, da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), explica didaticamente que o efeito climático local das florestas depende principalmente de duas variáveis.

A primeira é o albedo –grosso modo, uma medida de quanto o solo reflete ou absorve a luz. A folhagem escura das florestas corresponde a um albedo relativamente baixo, que absorve a radiação solar e, portanto, tende a esquentar.

Entretanto, é preciso a considerar a segunda variável, a evapotranspiração –grosso modo, a maneira como as florestas “suam”. E, nesse caso, a seta aponta para o outro lado: ao transpirar, as florestas refrescam mais a superfície da Terra do que a vegetação mais aberta, como pastagens.

Com esses princípios em mente e com dados sobre cobertura florestal e clima no mundo todo, Winck, Prevedello e seus colegas se puseram a fazer as contas. Acabaram concluindo que a presença de florestas tem efeitos variados dependendo da região do mundo onde se encontram.

Nas regiões tropicais e, em menor grau, nas zonas temperadas, florestas tendem a ter um efeito local de ar-condicionado, diminuindo a temperatura. Perto dos polos, a situação se inverte – basicamente porque, quando não há a folhagem escura da mata, temos chão coberto por neve, que tem um albedo elevado – o branco, afinal de contas, reflete toda a luz solar.

Bem, como você sabe, moramos num país tropical (a parte do “abençoado por Deus e bonito por natureza” tem ficado menos verossímil). Pelos cálculos da equipe, se o desmatamento não for controlado com seriedade, enfrentaremos o calorzinho nada agradável descrito acima daqui a 30 anos. Parece-me uma razão mais do que suficiente para botar uma focinheira nas motosserras selvagens.