domingo, 22 de maio de 2016
Artistas voltam ao protesto sem explicar por que querem ministério
Possivelmente para debelar algum tipo de disputa política na Nova Iorque dos anos 30, o prefeito que virou nome de aeroporto, Fiorello LaGuardia, disse que não havia uma forma de direita ou de esquerda de varrer rua.
— Existe a forma correta.
Também não sei se existe uma forma de direita ou de esquerda, conservadora ou progressista, de estruturar um organismo público de preservação e fomento dos bens culturais do país.
Deve existir uma forma correta.
De que tamanho? Com que objetivo? Quais seus limites? Secretaria enxuta de definição de políticas ou Ministério super estruturado para atender demandas da indústria do entretenimento?
O problema é que não parece haver ninguém habilitado a responder, a começar pelos artistas. Como na frase famosa de que guerra é assunto muito sério para ser entregue a generais, parece que a discussão sobre as dimensões de um órgão como esse é assunto muito sério para ser entregue a artistas.
Porque não vi uma argumentação convincente em toda a polêmica que se arma nas invasões e nas redes sociais contra a transformação do Ministério numa pasta vinculada ao Ministério da Educação, como foi até 1985.
A defesa de figurões respeitáveis como Marieta Severo, Fernanda Montenegro ou Caetano Veloso não passa de chavões, tenta luta política para desqualificar o governo que julgam ilegítimo ou, num maior esforço de argumento, que se trata de um retrocesso à data em que foi criado, há 30 anos.
Ora, por esse raciocínio, o que foi criado não pode ser extinto e basta uma existência para justificar uma continuidade, mesmo que não sobrevivam mais os motivos que gerou. Mesmo que funcione mal, seja deturpado ou, como parece ser o caso, mal se sabe explicar para que serve.
Políticas públicas
Não tenho dúvidas de que é necessário uma estrutura de serviço público para garantir a preservação do patrimônio histórico e artístico — museus, monumentos, bens imateriais — e estruturar planos e projetos de estímulo à produção de entretenimento cultural, da mesma forma que existe para estimular a produção de soja, roupas e máquinas.
Quando trabalhei na Secretaria de Estado da Cultura, entre 1985 e 87, uma diretora de planejamento muito brilhante horrorizou a classe artística ao defender que o Estado deveria pensar estruturalmente sobre suas prioridades de fomento na área de cultura da mesma forma que as definia para estimular a produção de leite, carne e minério de ferro.
Queria dizer que o Estado não poderia ficar refém das demandas dos que tinham acesso ao balcão da Secretaria para conseguir patrocínio a seus projetos. Um clientelismo tal e qual o dos fazendeiros que tomam dinheiro do Banco do Brasil, pulveriza os recursos e prejudica o investimento numa política de investimento de fato abrangente e democrática.
Como no caso do BNDES nos anos Lula e Dilma: ao invés de o Estado definir em que áreas convém investir — tecnologia, infra-estrutura ou turismo —, fica apagando incêndios localizados para atender demandas de balcão.
O atendimento por demanda e não políticas de Estado cria distorções como a do excesso de filmes produzidos ou espaços construídos sem público.
(Por um bom tempo no início dos 2.000, 1/3 dos filmes financiados com verba pública não conseguiram exibição, como se o ministro da Educação jogasse pela janela 1/3 da verba de merenda escolar. Por conta do lobby pesado da indústria cultural, Belo Horizonte ganhou nos últimos anos quase um dezena de grandes teatros e centros culturais para os quais não há suficiente demanda, nem de espetáculos de qualidade e nem público, na mesma área nobre onde há décadas se pede por um posto de saúde ou uma delegacia de polícia decentes.)
Nessa linha, considerando a atividade cultural um ramo da produção tão importante como a de laranja, carne processada ou software, ela poderia estar, quem sabe?, no Ministério da Indústria e do Comércio. Seus bens culturais abertos à visitação pública, como igrejas, parques e museus, poderiam estar num Ministério mais agressivo como o do Turismo, por exemplo.
Considerando que seja destinado a apenas definir as grandes políticas que estimulem o setor — Precisamos de teatros? Precisamos normatizar o financiamento? Precisamos criar incentivos à aquisição de obras de arte ou a produção de filmes e peças de teatro? —, uma Secretaria enxuta deve bastar.
Considerando que tenha que ser um grande balcão para atender demandas de todos os dias dos artistas que vão carimbar seus projetos para conseguir patrocínio por renúncia fiscal, qual o tamanho necessário? Há que ter uma representação em cada estado para os produtores não terem que viajar a Brasília beijar a mão do ministro?
Considerando que tenha que ser um Ministério autônomo mesmo, super estruturado, para quê, fora isso? Quais as vantagens?
Só imagino uma que ninguém disse e minha experiência na área pública me ensinou: numa estrutura autônoma, diretamente vinculada ao topo do comando da administração, o presidente da República no caso, facilita tudo.
É crucial para convencer e sentir o real interesse do comando central a suas políticas. Numa Secretaria, teria que convencer em pelo menos uma instância a mais, um ministro nem sempre tão afinado com os propósitos da área.
Ruptura a governos, qualquer governo
Toda a polêmica, se não serviu para esclarecer nada, restaurou um velho bem imaterial do país que é a velha oposição dos artistas a todo tipo de governo, qualquer governo.
Artistas sempre foram, por natureza, agentes de ruptura, de denúncia do status quo, de usar seu imenso poder de comunicação para mostrar que o rei está nu. Para o bem ou para o mal, nunca foram as pessoas mais indicadas para cuidar de números, gestão, burocracia. Têm por natureza d’alma certo desprezo pelo apego a bens materiais e acumulação de riqueza.
Seu espaço é o da praça pública, ir aonde o povo está, para falar em seu nome contra qualquer tipo de opressão e controle.
Ser de liberdade, nada mais avesso à alma de artista do que o comando.
Só mesmo nos governos Lula e Dilma, por um desses cataclismas que acontecem no espaço de gerações ou no realinhamento de planetas, é que eles aderiram e defenderam tudo o que o partido do governo defende, a ponto de inovar na assinatura de manifestos a favor.
Para o bem ou para o mal, a decisão do presidente Michel Temer de extinguir o Ministério devolveu-os ao lugar de onde nunca deveriam ter saído.
Voltamos à normalidade.
— Existe a forma correta.
Também não sei se existe uma forma de direita ou de esquerda, conservadora ou progressista, de estruturar um organismo público de preservação e fomento dos bens culturais do país.
Deve existir uma forma correta.
De que tamanho? Com que objetivo? Quais seus limites? Secretaria enxuta de definição de políticas ou Ministério super estruturado para atender demandas da indústria do entretenimento?
O problema é que não parece haver ninguém habilitado a responder, a começar pelos artistas. Como na frase famosa de que guerra é assunto muito sério para ser entregue a generais, parece que a discussão sobre as dimensões de um órgão como esse é assunto muito sério para ser entregue a artistas.
Porque não vi uma argumentação convincente em toda a polêmica que se arma nas invasões e nas redes sociais contra a transformação do Ministério numa pasta vinculada ao Ministério da Educação, como foi até 1985.
A defesa de figurões respeitáveis como Marieta Severo, Fernanda Montenegro ou Caetano Veloso não passa de chavões, tenta luta política para desqualificar o governo que julgam ilegítimo ou, num maior esforço de argumento, que se trata de um retrocesso à data em que foi criado, há 30 anos.
Ora, por esse raciocínio, o que foi criado não pode ser extinto e basta uma existência para justificar uma continuidade, mesmo que não sobrevivam mais os motivos que gerou. Mesmo que funcione mal, seja deturpado ou, como parece ser o caso, mal se sabe explicar para que serve.
Políticas públicas
Não tenho dúvidas de que é necessário uma estrutura de serviço público para garantir a preservação do patrimônio histórico e artístico — museus, monumentos, bens imateriais — e estruturar planos e projetos de estímulo à produção de entretenimento cultural, da mesma forma que existe para estimular a produção de soja, roupas e máquinas.
Quando trabalhei na Secretaria de Estado da Cultura, entre 1985 e 87, uma diretora de planejamento muito brilhante horrorizou a classe artística ao defender que o Estado deveria pensar estruturalmente sobre suas prioridades de fomento na área de cultura da mesma forma que as definia para estimular a produção de leite, carne e minério de ferro.
Queria dizer que o Estado não poderia ficar refém das demandas dos que tinham acesso ao balcão da Secretaria para conseguir patrocínio a seus projetos. Um clientelismo tal e qual o dos fazendeiros que tomam dinheiro do Banco do Brasil, pulveriza os recursos e prejudica o investimento numa política de investimento de fato abrangente e democrática.
Como no caso do BNDES nos anos Lula e Dilma: ao invés de o Estado definir em que áreas convém investir — tecnologia, infra-estrutura ou turismo —, fica apagando incêndios localizados para atender demandas de balcão.
O atendimento por demanda e não políticas de Estado cria distorções como a do excesso de filmes produzidos ou espaços construídos sem público.
(Por um bom tempo no início dos 2.000, 1/3 dos filmes financiados com verba pública não conseguiram exibição, como se o ministro da Educação jogasse pela janela 1/3 da verba de merenda escolar. Por conta do lobby pesado da indústria cultural, Belo Horizonte ganhou nos últimos anos quase um dezena de grandes teatros e centros culturais para os quais não há suficiente demanda, nem de espetáculos de qualidade e nem público, na mesma área nobre onde há décadas se pede por um posto de saúde ou uma delegacia de polícia decentes.)
Nessa linha, considerando a atividade cultural um ramo da produção tão importante como a de laranja, carne processada ou software, ela poderia estar, quem sabe?, no Ministério da Indústria e do Comércio. Seus bens culturais abertos à visitação pública, como igrejas, parques e museus, poderiam estar num Ministério mais agressivo como o do Turismo, por exemplo.
Considerando que seja destinado a apenas definir as grandes políticas que estimulem o setor — Precisamos de teatros? Precisamos normatizar o financiamento? Precisamos criar incentivos à aquisição de obras de arte ou a produção de filmes e peças de teatro? —, uma Secretaria enxuta deve bastar.
Considerando que tenha que ser um grande balcão para atender demandas de todos os dias dos artistas que vão carimbar seus projetos para conseguir patrocínio por renúncia fiscal, qual o tamanho necessário? Há que ter uma representação em cada estado para os produtores não terem que viajar a Brasília beijar a mão do ministro?
Considerando que tenha que ser um Ministério autônomo mesmo, super estruturado, para quê, fora isso? Quais as vantagens?
Só imagino uma que ninguém disse e minha experiência na área pública me ensinou: numa estrutura autônoma, diretamente vinculada ao topo do comando da administração, o presidente da República no caso, facilita tudo.
É crucial para convencer e sentir o real interesse do comando central a suas políticas. Numa Secretaria, teria que convencer em pelo menos uma instância a mais, um ministro nem sempre tão afinado com os propósitos da área.
Ruptura a governos, qualquer governo
Toda a polêmica, se não serviu para esclarecer nada, restaurou um velho bem imaterial do país que é a velha oposição dos artistas a todo tipo de governo, qualquer governo.
Artistas sempre foram, por natureza, agentes de ruptura, de denúncia do status quo, de usar seu imenso poder de comunicação para mostrar que o rei está nu. Para o bem ou para o mal, nunca foram as pessoas mais indicadas para cuidar de números, gestão, burocracia. Têm por natureza d’alma certo desprezo pelo apego a bens materiais e acumulação de riqueza.
Seu espaço é o da praça pública, ir aonde o povo está, para falar em seu nome contra qualquer tipo de opressão e controle.
Ser de liberdade, nada mais avesso à alma de artista do que o comando.
Só mesmo nos governos Lula e Dilma, por um desses cataclismas que acontecem no espaço de gerações ou no realinhamento de planetas, é que eles aderiram e defenderam tudo o que o partido do governo defende, a ponto de inovar na assinatura de manifestos a favor.
Para o bem ou para o mal, a decisão do presidente Michel Temer de extinguir o Ministério devolveu-os ao lugar de onde nunca deveriam ter saído.
Voltamos à normalidade.
Dias de pequenez
Derrotas políticas nunca são boas, por mais esforço que haja nas tentativas de encontrar palavras de consolo ─ é comum ouvir que o personagem derrotado “caiu de pé”, por exemplo, ou que saiu “engrandecido”, ou que a sua derrota teve “sabor de vitória”, como se diz em jogos de futebol. Mas sempre é possível, no momento do fracasso, tornar as coisas ainda piores do que já são naturalmente. É o que está acontecendo com a presidente Dilma Rousseff, colocada na reta final da sua deposição pelas últimas decisões do Senado Federal no julgamento do impeachment. Depois de passar um ano inteiro, pelo menos, fazendo tudo o que podia para perder o cargo, ela faz agora tudo o que pode para liquidar qualquer possibilidade de simpatia em seu favor. Pôs para si própria o objetivo de apresentar-se como vítima; só consegue na prática, e cada vez mais, aparecer como uma perdedora mal-humorada, agressiva e carregada de rancor, despeito e soberba. Num dos momentos mais extraordinários na história moderna do país, transformou sua desgraça pública em espetáculo de pequenez.
Tudo de que Dilma precisa para manter-se na presidência da República é conseguir, nestes próximos 180 dias de suspensão do seu mandato, que 28 senadores não votem por sua condenação nos crimes de fraude contábil dos quais é acusada. São apenas 28 votos num total de 81, meta que até algum tempo atrás parecia coisa bem fácil ─ será que não arruma nem isso? Mas, por mais que a aritmética comum esteja do seu lado, ela agiu com tanta tenacidade pela própria destruição que o punhado de votos necessários à sua salvação se tornou uma soma imensa, que exige portentos de natureza desconhecida para ser alcançada hoje. A ópera não acaba até a senhora gorda cantar, diz a expressão coloquial criada nos tempos em que era permitida a presença nos palcos de sopranos com excesso de peso. O impeachment também não; só acabará na hora em que o plenário do Senado fizer a votação final. Mas ninguém é capaz nem sequer de imaginar que tipo de governo seria possível com Dilma de volta ao Palácio do Planalto ─ não numa situação em que a presidente da República tem contra si algo como 75% do Congresso, para não falar da população, o presidente da Câmara foi cassado da função, seu sucessor legal é uma nulidade encurralada pela Justiça penal e o presidente do Senado tem contra si uma cordilheira de doze inquéritos.
Seja como for, a derrota já contratada para o futuro próximo vai virando, pela atuação direta de Dilma, um drama de circo com qualidade cada dia mais baixa. Dilma culpa o impeachment pelo desemprego de 11 milhões de brasileiros arruinados pela recessão que o seu governo criou de 2014 para cá. Inventa acusações desligadas de qualquer fato real ─ como a de que o seu sucessor vai “cortar” o Bolsa Família de “36 milhões” de pessoas. Na última avaliação internacional do Brasil antes de ser afastada da presidência, foi humilhada com mais um rebaixamento de nota. A poucas horas da suspensão do seu mandato, ainda tentava armar chicanas para segurar o cargo ─ incluindo uma prodigiosa tentativa de anular a votação de 367 deputados que autorizou o Senado a julgar o impeachment. Fracassou, frequentemente sob um coro de risos, piadas e vaias, em tudo o que tentou. Queria aparecer como uma mulher de “coração valente”; conseguiu ser apenas incompreensível, e todo o seu esforço para aparentar resistência acabou reduzido a uma exibição miúda de neurastenia, insignificância e irresponsabilidade teimosa. Onde teria ido parar a gravidade dramática que pode dar, às vezes, um verniz de fato histórico sério a derrotas como essa? Não apareceu. Não vai aparecer.
Dilma Rousseff não é ajudada pelo fato de que não precisou, em nenhum momento desses episódios, praticar algum ato de coragem. Não é uma versão de Salvador Allende, de capacete, colete à prova de balas e metralhadora na mão, resistindo no Palácio de La Moneda, em Santiago do Chile ─ não há ninguém atirando nela do lado de fora. Não precisou, como Perón na Argentina, refugiar-se numa canhoneira paraguaia para escapar à prisão ─ não há nenhuma tropa armada atrás de Dilma. Vai para os confortos do Palácio da Alvorada, onde viverá o futuro próximo com sustento garantido pelo Erário, cercada de advogados e livre para ir aonde bem entender. O futuro de presidentes em via de deposição, na América Latina de hoje, positivamente não é mais o que costumava ser. Melhor para ela e para todos, é claro.
Tudo de que Dilma precisa para manter-se na presidência da República é conseguir, nestes próximos 180 dias de suspensão do seu mandato, que 28 senadores não votem por sua condenação nos crimes de fraude contábil dos quais é acusada. São apenas 28 votos num total de 81, meta que até algum tempo atrás parecia coisa bem fácil ─ será que não arruma nem isso? Mas, por mais que a aritmética comum esteja do seu lado, ela agiu com tanta tenacidade pela própria destruição que o punhado de votos necessários à sua salvação se tornou uma soma imensa, que exige portentos de natureza desconhecida para ser alcançada hoje. A ópera não acaba até a senhora gorda cantar, diz a expressão coloquial criada nos tempos em que era permitida a presença nos palcos de sopranos com excesso de peso. O impeachment também não; só acabará na hora em que o plenário do Senado fizer a votação final. Mas ninguém é capaz nem sequer de imaginar que tipo de governo seria possível com Dilma de volta ao Palácio do Planalto ─ não numa situação em que a presidente da República tem contra si algo como 75% do Congresso, para não falar da população, o presidente da Câmara foi cassado da função, seu sucessor legal é uma nulidade encurralada pela Justiça penal e o presidente do Senado tem contra si uma cordilheira de doze inquéritos.
Seja como for, a derrota já contratada para o futuro próximo vai virando, pela atuação direta de Dilma, um drama de circo com qualidade cada dia mais baixa. Dilma culpa o impeachment pelo desemprego de 11 milhões de brasileiros arruinados pela recessão que o seu governo criou de 2014 para cá. Inventa acusações desligadas de qualquer fato real ─ como a de que o seu sucessor vai “cortar” o Bolsa Família de “36 milhões” de pessoas. Na última avaliação internacional do Brasil antes de ser afastada da presidência, foi humilhada com mais um rebaixamento de nota. A poucas horas da suspensão do seu mandato, ainda tentava armar chicanas para segurar o cargo ─ incluindo uma prodigiosa tentativa de anular a votação de 367 deputados que autorizou o Senado a julgar o impeachment. Fracassou, frequentemente sob um coro de risos, piadas e vaias, em tudo o que tentou. Queria aparecer como uma mulher de “coração valente”; conseguiu ser apenas incompreensível, e todo o seu esforço para aparentar resistência acabou reduzido a uma exibição miúda de neurastenia, insignificância e irresponsabilidade teimosa. Onde teria ido parar a gravidade dramática que pode dar, às vezes, um verniz de fato histórico sério a derrotas como essa? Não apareceu. Não vai aparecer.
Dilma Rousseff não é ajudada pelo fato de que não precisou, em nenhum momento desses episódios, praticar algum ato de coragem. Não é uma versão de Salvador Allende, de capacete, colete à prova de balas e metralhadora na mão, resistindo no Palácio de La Moneda, em Santiago do Chile ─ não há ninguém atirando nela do lado de fora. Não precisou, como Perón na Argentina, refugiar-se numa canhoneira paraguaia para escapar à prisão ─ não há nenhuma tropa armada atrás de Dilma. Vai para os confortos do Palácio da Alvorada, onde viverá o futuro próximo com sustento garantido pelo Erário, cercada de advogados e livre para ir aonde bem entender. O futuro de presidentes em via de deposição, na América Latina de hoje, positivamente não é mais o que costumava ser. Melhor para ela e para todos, é claro.
O que será de Lula?
Não é fácil, pois, projetar o que pode acontecer amanhã, particularmente na política, uma esfera que muda tão rapidamente como as nuvens, conforme já dizia o mineiro Magalhães Pinto. Mesmo assim, é razoável apostar em rumos, tendências, possibilidades, a partir do que se vê, se ouve e se sente.
A Operação Lava Jato, por exemplo, vai até onde? Ela poderá refluir? Em outras palavras, haveria força capaz de deter a continuidade das ações que se processam na “República de Curitiba”?
A análise dessa hipótese, sob o prisma da metodologia da análise política, aponta para a irreversibilidade do processo. O vetor-patrimônio administrado pelo juiz Sérgio Moro, aliado ao vetor-momento, sinaliza que a Lava Jato ganhou vida própria, navegando no piloto automático, sendo praticamente impossível deter sua trajetória.
À guisa de esclarecimento: o vetor-patrimônio, na concepção de Carlos Matus, cientista social chileno, é o ativo político de um ator, a força acumulada por ele. Moro é hoje um dos perfis mais admirados dos brasileiros. Detém um dos mais completos patrimônios morais do pais.
Já o vetor-momento abriga o tempero das circunstâncias e estas, por sua vez, embutem expectativas da sociedade organizada. O Juiz de Curitiba, como é sabido, conta com o endosso social às tarefas que lhe cabem na Operação Lava Jato. Por isso, a dedução fica fácil: seu empreendimento correrá por um bom tempo nas cercanias da política e dos negócios efetuados nos vãos e desvãos do Estado.
Aceita tal hipótese, entremos, agora, num segundo plano de análise. Onde o juiz Sérgio Moro quer chegar? Quem conhece os caminhos da Operação Mani Puliti, ocorrida na Itália e iniciada em fevereiro de 1992 (2.993 mandados de prisão, 6.059 pessoas investigadas, incluindo 872 empresários, 1.978 administradores locais e 438 parlamentares, entre os quais quatro ex-primeiros-ministros), sabe que, ao farejar o caminho do dinheiro, ele quer chegar ao comandante da Operação.
Agora, um dado relevante: a recente decisão do juiz de Curitiba, ao condenar o ex-todo poderoso Chefe da Casa Civil do governo Lula, José Dirceu, a 23 anos de prisão, mostra uma pista. A mais longa pena conferida no bojo da Lava Jato encerrará a vida pública do ex-presidente do PT. Mas o que chama a atenção é o fato de o juiz não reconhecer Dirceu “como o comandante do grupo criminoso, pelo menos considerando-o em toda a sua integralidade (empresários, intermediários, agentes públicos e políticos)...”
Dessa consideração, surge a pergunta: se ele não foi o comandante da Operação, quem seria? Nesse ponto, a análise de viabilidade sugere puxar outros veios que formam a cadeia situacional. Entra em cena, agora, a denúncia feita no STF pelo Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, atribuindo ao ex-presidente Lula “papel central” na trama para tentar barrar a Lava Jato. Disse ele: “o ex-presidente impediu e/embaraçou investigação que envolve organização criminosa”. Lula teria, desse modo, determinado a ação delituosa referente à obstrução à Justiça, envolvendo Nestor Cerveró (plano de fuga e ajuda de custo para a família do ex-diretor da Petrobras).
Ganha fôlego, mais uma vez, o nome do ex-presidente Luiz Inácio. Que teria ele a ver com as situações criminosas que começaram com o mensalão e chegaram até os dutos do petrolão? Seria o alvo de Sérgio Moro, no entendimento de que o juiz de Curitiba conserva a clara determinação de identificar a origem e a inspiração dos escândalos que se sucedem às margens do Estado?
A postura do magistrado pauta-se pela cautela. Afinal, Lula é o último dos políticos carismáticos. E mesmo reconhecendo que seu vetor-patrimônio foi corroído pela rede de corrupção escancaradamente estendida na era PT, Luiz Inácio ainda detém razoável bagagem de aplausos e aceitação das massas. Hoje, essa taxa pode ser medida pelos 20% de votos detectados por pesquisas. Coisa que pode diminuir ou aumentar nos próximos tempos, a depender da performance dos atores políticos (Congresso Nacional) e do presidente em exercício, Michel Temer.
Se a economia exibir sinais de recuperação, com a consequente aprovação das margens sociais e do centro às políticas e programas do novo governo, a possibilidade de revermos o palanqueiro petista voltar a brilhar no cenário é remota. A recíproca é verdadeira.
O juiz Sérgio Moro, mesmo agindo sob rigor técnico-jurídico, estará atento a tais alternativas, eis que tem demonstrado ser um exímio analista de momentos e circunstâncias. Haveria enorme diferença entre a detenção de um Lula desprestigiado e a prisão de um líder ainda aclamado pelas margens.
O fator tempo, pois, se faz presente na lista da Lava Jato. Paciência é o que não falta ao rigoroso magistrado. Ele é o ícone do espírito cívico que impregna a Nação. Sabe que contará com os entusiasmados aplausos da comunidade nacional.
Em suma, se José Dirceu não foi o comandante das ações criminosas que abocanharam parcela ponderável dos recursos do país e se Lula acaba de entrar na lista principal do procurador Janot como o agente que teria tentado obstruir a Justiça, a inferência se escancara: ele está, sim, na cartela de suspeitos afixada pela equipe do MP e do Judiciário de 1ª. instância. O desenlace poderá, até, ser bem mais adiante. Não se pense que ficará sob o tapete.
Moro aguarda o momento adequado para chegar ao homem certo. Muito difícil acreditar que a Operação que comanda seja encerrada sem apontar o grande responsável pela roubalheira. Figuras sairão das sombras. Convém, porém, lembrar que na política tudo é possível. Até a ressurreição de um desacreditado “Salvador da Pátria”.
O imprevisível acontece. No caso de Lula, toda a descrença deste analista.
O prazo de Temer
Os partidos geralmente deixam de apresentar e fundamentar programas, ficam nas promessas mirabolantes e, como mágicos, tiram coelhos da cartola.
Mais que mostrar como darão meios de emancipação ao indivíduo, deixando-o soberano de seu destino, enfiam-lhe na cabeça que poderá ficar abrigado debaixo de um paternal sistema público, com pés de barro e cabeça de chumbo.
Promete-se acesso a uma boa educação e ao emprego, sem explicar como se realizarão as façanhas, entregando a obra a pessoas desqualificadas e incompetentes.
Realidade é que o “mágico”, ao alcançar o comando, adota a fórmula de Nero, “panis et circenses”. Quer dizer, “cestas” para matar a fome e “festas no circo”. Copas, Olimpíadas, turnê em palanques. Isso antes de Roma pegar fogo.
Cestas e festas servem unicamente à manutenção de um curral eleitoral para dele cobrar fidelidade a fim de continuar nos palácios.
Para tanto, precisa do confinamento intelectual e social e, mais ainda, de acentuar o sentimento de divisões de toda ordem e de injustiças que o demagogo saberá evitar.
“Nós contra eles”, “bem contra o mal”, sem entender ao certo quem é esse “nós” ou onde reside o “bem”.
Na dança da desinformação, os indivíduos viram presas do populismo, de direita ou de esquerda, em nada muda o quadro.
O “projeto de poder” dura até cair por sua fragilidade e defeitos estruturais.
Provavelmente, o novo governo de Temer não é moralmente mais qualificado que outros, tem elementos que ocupam as mesmas cadeiras que Dilma lhe deu e sérias denúncias de maltrato da coisa pública.
Mas, ao contrário de governos legitimados pelas urnas, este não vai poder se dedicar caninamente ao “projeto de poder” de um grupo. Deverá olhar mais para o bem da pátria do que para seu projeto.
A precariedade e a indefinição da autoridade de Temer levam a usar cada minuto que lhe foi dado pelo destino para procurar avanços e soluções reais.
“Condenado” está a dar resultados, depois poderá pensar o resto.
Como Itamar Franco, que subiu pelo elevador dos fundos com a queda do então presidente Fernando Collor, Michel Temer tem “uma” oportunidade. Esta, ainda mais frágil que a de 1993, sob ameaça de Dilma voltar.
Certamente, Michel está com pouca margem de ação e uma confiança dramaticamente perecível.
Ou provoca uma retomada econômica consistente, e mais empregos, ou dará possibilidade de retornar à “afastada”. Bem por conta dessa ameaça sofrerá a mais determinada oposição e uma onda desta para, quanto pior, ótimo será para Dilma.
A missão quase impossível é dar resultado palpável antes de 18 de agosto, início da campanha eleitoral, quando os candidatos em palanques se apresentarão associando-se a sucessos ou malhando os fracos resultados de Temer.
O rombo herdado exige necessariamente um enorme esforço para preencher a cratera e nela plantar boas sementes de ciclo rápido, quase imediato.
Temer, como afirmou em seu primeiro discurso, deverá trabalhar dia e noite, sábados e domingos, e afinar uma equipe que, além de competente, tenha disposição ao sacrifício de uma missão em terreno revolto.
Torcer contra Temer seria torcer para que a desgraça que desabou sobre o Brasil se ampliasse. Certamente, não é o sentimento que prevalece na nação que espera e torce por uma saída da crise.
Esse é o sentimento do momento. Apoio ao timoneiro que tem a tarefa de tirar o barco da tempestade.
Mais que mostrar como darão meios de emancipação ao indivíduo, deixando-o soberano de seu destino, enfiam-lhe na cabeça que poderá ficar abrigado debaixo de um paternal sistema público, com pés de barro e cabeça de chumbo.
Promete-se acesso a uma boa educação e ao emprego, sem explicar como se realizarão as façanhas, entregando a obra a pessoas desqualificadas e incompetentes.
Cestas e festas servem unicamente à manutenção de um curral eleitoral para dele cobrar fidelidade a fim de continuar nos palácios.
Para tanto, precisa do confinamento intelectual e social e, mais ainda, de acentuar o sentimento de divisões de toda ordem e de injustiças que o demagogo saberá evitar.
“Nós contra eles”, “bem contra o mal”, sem entender ao certo quem é esse “nós” ou onde reside o “bem”.
Na dança da desinformação, os indivíduos viram presas do populismo, de direita ou de esquerda, em nada muda o quadro.
O “projeto de poder” dura até cair por sua fragilidade e defeitos estruturais.
Provavelmente, o novo governo de Temer não é moralmente mais qualificado que outros, tem elementos que ocupam as mesmas cadeiras que Dilma lhe deu e sérias denúncias de maltrato da coisa pública.
Mas, ao contrário de governos legitimados pelas urnas, este não vai poder se dedicar caninamente ao “projeto de poder” de um grupo. Deverá olhar mais para o bem da pátria do que para seu projeto.
A precariedade e a indefinição da autoridade de Temer levam a usar cada minuto que lhe foi dado pelo destino para procurar avanços e soluções reais.
“Condenado” está a dar resultados, depois poderá pensar o resto.
Como Itamar Franco, que subiu pelo elevador dos fundos com a queda do então presidente Fernando Collor, Michel Temer tem “uma” oportunidade. Esta, ainda mais frágil que a de 1993, sob ameaça de Dilma voltar.
Certamente, Michel está com pouca margem de ação e uma confiança dramaticamente perecível.
Ou provoca uma retomada econômica consistente, e mais empregos, ou dará possibilidade de retornar à “afastada”. Bem por conta dessa ameaça sofrerá a mais determinada oposição e uma onda desta para, quanto pior, ótimo será para Dilma.
A missão quase impossível é dar resultado palpável antes de 18 de agosto, início da campanha eleitoral, quando os candidatos em palanques se apresentarão associando-se a sucessos ou malhando os fracos resultados de Temer.
O rombo herdado exige necessariamente um enorme esforço para preencher a cratera e nela plantar boas sementes de ciclo rápido, quase imediato.
Temer, como afirmou em seu primeiro discurso, deverá trabalhar dia e noite, sábados e domingos, e afinar uma equipe que, além de competente, tenha disposição ao sacrifício de uma missão em terreno revolto.
Torcer contra Temer seria torcer para que a desgraça que desabou sobre o Brasil se ampliasse. Certamente, não é o sentimento que prevalece na nação que espera e torce por uma saída da crise.
Esse é o sentimento do momento. Apoio ao timoneiro que tem a tarefa de tirar o barco da tempestade.
Muitos foram para a cultura sem terem passado pela educação
Nunca se falou e se escreveu tanto sobre cultura em nosso país. Até parece que saímos de um recital de canto para um concerto e daí para o teatro. Afinal, o governo Temer decidiu fundir num único MEC os ministérios até agora existentes para cuidar dessas duas áreas de ação governamental. O motivo da gritaria não é propriamente a fusão, mas o receio de que a Cultura, perdendo status de ministério, perca, também, parte da grana que paga o caviar dos companheiros do meio artístico, sempre prontos para assinar manifestos e notas de apoio ao PT. Contra a fusão das duas pastas, ergueu-se multidão de artistas, gerando protestos políticos de repercussão. Entende-se: muitos foram para a Cultura sem terem passado pela Educação.
Não deveria ser necessária uma crise fiscal mastodôntica como esta a que fomos conduzidos pela irresponsabilidade do governo afastado para que os gestores públicos fossem parcimoniosos, zelosos e criteriosos na concessão de incentivos fiscais. Incentivos fiscais são recursos provenientes de impostos que todos pagamos e que, sob certos parâmetros legais, são fatiados do bolo para atender demandas específicas. Entre elas, as originárias no mundo da cultura. É aí que as manipulações políticas começam a produzir seus inevitáveis absurdos.
Não deveria ser necessária uma crise fiscal mastodôntica como esta a que fomos conduzidos pela irresponsabilidade do governo afastado para que os gestores públicos fossem parcimoniosos, zelosos e criteriosos na concessão de incentivos fiscais. Incentivos fiscais são recursos provenientes de impostos que todos pagamos e que, sob certos parâmetros legais, são fatiados do bolo para atender demandas específicas. Entre elas, as originárias no mundo da cultura. É aí que as manipulações políticas começam a produzir seus inevitáveis absurdos.
Há poucos dias, o Coral das Meninas de Petrópolis encerrou suas atividades após 40 anos, por falta de patrocínio. Mas na outra ponta da elite "cultural" brasileira, Luan Santana levou R$ 4 milhões para "democratizar a cultura" numa turnê em diversas cidades do país, Claudia Leite pegou um troco de R$ 1,2 milhão para o mesmo fim, Maria Bethânia coletou R$ 1,3 milhão para um blog de poesia, uma turnê da peça Shrek foi autorizada a captar quase 18 milhões. E por aí vai a lista. E por aí vão nossos milhões que poderiam estar destinados a atividades de maior interesse público, nas funções essenciais do Estado.
Sim, é verdade que a arte precisa de mecenas. Mas essa afirmação envolve a combinação de dois elementos: o mecenas com seu dinheiro e o artista com sua arte. Falo de mecenas que o sejam com recursos próprios e de arte que mereça o nome. No entanto, o que temos no Brasil é um mecenato com recursos do erário, subsidiando projetos de qualidade e utilidade mais do que duvidosa, repassando vultosas quantias a quem não precisa. Não estou propondo a extinção das leis de incentivo à cultura. Estou dizendo que a urgência é outra. Precisamos criar no Brasil um ambiente que valorize o bem e o belo, o saber e a verdade, mas tudo isso parece muito improvável com a atual distribuição dos recursos para a produção cultural e artística e com as hegemonias que, há muito, se instalaram no mundo da Educação e da Política.
Percival Puggina
Sim, é verdade que a arte precisa de mecenas. Mas essa afirmação envolve a combinação de dois elementos: o mecenas com seu dinheiro e o artista com sua arte. Falo de mecenas que o sejam com recursos próprios e de arte que mereça o nome. No entanto, o que temos no Brasil é um mecenato com recursos do erário, subsidiando projetos de qualidade e utilidade mais do que duvidosa, repassando vultosas quantias a quem não precisa. Não estou propondo a extinção das leis de incentivo à cultura. Estou dizendo que a urgência é outra. Precisamos criar no Brasil um ambiente que valorize o bem e o belo, o saber e a verdade, mas tudo isso parece muito improvável com a atual distribuição dos recursos para a produção cultural e artística e com as hegemonias que, há muito, se instalaram no mundo da Educação e da Política.
Percival Puggina
Aperte o cinto, você está aterrissando no Brasil
Um campo minado ou areias movediças, escolha sua metáfora para o cenário escolhido por Michel Temer para aterrissar os brasileiros depois que sua equipe sobrevoou por sete dias as ruínas herdadas de Dilma Rousseff. Um pouso forçado num Brasil com aparência de sumidouro talvez seja a descrição mais adequada para o que está acontecendo.
Na segunda semana do seu governo provisório, Temer apresentará o resultado do inventário preparado por sua equipe. Juntará casos de barbeiragem administrativa, irregularidades e insinuações de sabotagem para pintar um quadro caótico. Depois de diagnosticar todas as culpas ao governo de Dilma, Temer dirá que, para que o país saia do caos, será necessário aumentar a dose do purgante.
Nesta sexta-feira, os ministros Henrique Meirelles (Fazenda) e Romero Jucá (Planejamento) prepararam o pouso. Saímos de uma meta de superávit de R$ 24 bilhões para 2016, que Dilma já havia pedido ao Congresso que convertesse num buraco de R$ 96,7 bilhões. E chegamos numa cratera que, depois de estimar em até R$ 200 bilhões, a turma de Temer fechou em R$ 170,5 bilhões —um buracaço.
Jucá criticou o vaivém que marcou a gestão Dilma, conhecida por divulgar metas que não se cumpriam. “A postura deste governo será diferente”, disse o novo titular do Planejamento. “A meta fiscal não é novela para ser feita em capítulos. Vamos trabalhar para fazer com que os números ganhem confiança. A visão deste governo é diferente do outro exatamente porque não estamos escamoteando a verdade.”
Meirelles ecoou Jucá. A meta “é trasparente e realista”, disse. “A mensagem fundamental é essa. É uma meta realista e estimada dentro de critérios rigorosos —o mais próximo possível do estimado hoje pelo mercado. Ela é feita com parâmetros realistas e próximos a parâmetros de mercado”, acrescentou Meirelles, antes de enumerar os imprevistos que podem conspurcar o realismo da nova meta.
Nas palavras de Meirelles, os novos cálculos incluem itens com “margem grande de incerteza”. Ele citou, “por exemplo, a questão da regularização de capitais do exterior. Existem determinadas provisões sobre o que será arrecadado com isso. Existe a renegociação da dívida dos Estados, o pagamento de passivos e despesas. Existe uma série de previsões que estão consolidadas nessa meta.”
Quer dizer: os economistas do novo governo tomam as decisões que precisam tomar, apertam os botões que têm que ser apertados e depois são obrigados a esperar para ver como reagirão esses seres terríveis e imprevisíveis que são as pessoas.
Quantos brasileiros se animarão a repatriar o dinheiro de sonegação escondido em contas abertas no estrangeiro? Os governadores de Estados endividados vão cooperar? São tantas as variáveis que condicionam o resultado da equação que a economia fica parecendo uma forma de bruxaria.
De certo mesmo, por ora, só os 11 milhões de desempregados, o PIB de 2016 apontando para nova queda nos arredores dos 4%, a inflação renitente e a perspectiva de mais sacrifícios. Alguém precisa pensar nas mães e nos pais que sobreviverem ao pouso forçado no sumidouro. Eles têm cada vez menos exemplos para dar aos filhos. “Não minta, meu filho, não minta. Olha que você acaba trabalhando no Palácio do Planalto.”
Na segunda semana do seu governo provisório, Temer apresentará o resultado do inventário preparado por sua equipe. Juntará casos de barbeiragem administrativa, irregularidades e insinuações de sabotagem para pintar um quadro caótico. Depois de diagnosticar todas as culpas ao governo de Dilma, Temer dirá que, para que o país saia do caos, será necessário aumentar a dose do purgante.
Jucá criticou o vaivém que marcou a gestão Dilma, conhecida por divulgar metas que não se cumpriam. “A postura deste governo será diferente”, disse o novo titular do Planejamento. “A meta fiscal não é novela para ser feita em capítulos. Vamos trabalhar para fazer com que os números ganhem confiança. A visão deste governo é diferente do outro exatamente porque não estamos escamoteando a verdade.”
Meirelles ecoou Jucá. A meta “é trasparente e realista”, disse. “A mensagem fundamental é essa. É uma meta realista e estimada dentro de critérios rigorosos —o mais próximo possível do estimado hoje pelo mercado. Ela é feita com parâmetros realistas e próximos a parâmetros de mercado”, acrescentou Meirelles, antes de enumerar os imprevistos que podem conspurcar o realismo da nova meta.
Nas palavras de Meirelles, os novos cálculos incluem itens com “margem grande de incerteza”. Ele citou, “por exemplo, a questão da regularização de capitais do exterior. Existem determinadas provisões sobre o que será arrecadado com isso. Existe a renegociação da dívida dos Estados, o pagamento de passivos e despesas. Existe uma série de previsões que estão consolidadas nessa meta.”
Quer dizer: os economistas do novo governo tomam as decisões que precisam tomar, apertam os botões que têm que ser apertados e depois são obrigados a esperar para ver como reagirão esses seres terríveis e imprevisíveis que são as pessoas.
Quantos brasileiros se animarão a repatriar o dinheiro de sonegação escondido em contas abertas no estrangeiro? Os governadores de Estados endividados vão cooperar? São tantas as variáveis que condicionam o resultado da equação que a economia fica parecendo uma forma de bruxaria.
De certo mesmo, por ora, só os 11 milhões de desempregados, o PIB de 2016 apontando para nova queda nos arredores dos 4%, a inflação renitente e a perspectiva de mais sacrifícios. Alguém precisa pensar nas mães e nos pais que sobreviverem ao pouso forçado no sumidouro. Eles têm cada vez menos exemplos para dar aos filhos. “Não minta, meu filho, não minta. Olha que você acaba trabalhando no Palácio do Planalto.”
O diabo e a política
Naquela aldeia, todos roubavam de todos, matava-se, fornicava-se, jurava-se em falso, todos caluniavam todos. Horrorizado com os baixos costumes, o frade da aldeia resolveu dar o fora, pegou as sandálias, o bordão e se mandou.
Pouco adiante, já fora dos muros da aldeia, encontrou o Diabo encostado numa árvore, chapéu de palha cobrindo seus chifres. Tomava água de coco por um canudinho, na maior sombra e água fresca desde que se revoltara contra o Senhor, no início dos tempos.
O frade ficou admirado:
"O que está fazendo aí, nessa boa vida? Eu sempre pensei que você estaria lá na aldeia, infernizando a vida dos outros. Tudo de ruim que anda por lá era obra sua, assim eu pensava até agora. Vejo que estava enganado. Você não quer nada com o trabalho. Além de Diabo, você é um vagabundo!".
Sem pressa, acabando de tomar o seu coco pelo canudinho, o Diabo olhou para o frade com pena:
"Para quê? Eu trabalho desde o início dos tempos para desgraçar os homens e confesso que ando cansado. Mas não tinha outro jeito. Obrigação é obrigação, sempre procurei dar conta do recado. Mas agora, lá na aldeia, o pessoal resolveu se politizar. É partido pra lá, partido pra cá, todos têm razão, denúncias, inquéritos, invocam a ética, a transparência, é um pega-pra-capar generalizado. Eu estava sobrando, não precisavam mais de mim para serem o que são, viverem no inferno em que vivem".
Jogou o coco fora e botou um charuto na boca. Não precisou de fósforo, bastou dar uma baforada e de suas entranhas saiu o fogo que acendeu o charuto:
"Quando entra a política, eu dou o fora, não precisam mais de mim".
Pouco adiante, já fora dos muros da aldeia, encontrou o Diabo encostado numa árvore, chapéu de palha cobrindo seus chifres. Tomava água de coco por um canudinho, na maior sombra e água fresca desde que se revoltara contra o Senhor, no início dos tempos.
O frade ficou admirado:
"O que está fazendo aí, nessa boa vida? Eu sempre pensei que você estaria lá na aldeia, infernizando a vida dos outros. Tudo de ruim que anda por lá era obra sua, assim eu pensava até agora. Vejo que estava enganado. Você não quer nada com o trabalho. Além de Diabo, você é um vagabundo!".
Sem pressa, acabando de tomar o seu coco pelo canudinho, o Diabo olhou para o frade com pena:
Jogou o coco fora e botou um charuto na boca. Não precisou de fósforo, bastou dar uma baforada e de suas entranhas saiu o fogo que acendeu o charuto:
"Quando entra a política, eu dou o fora, não precisam mais de mim".
Carlos Heitor Cony
Assinar:
Postagens (Atom)