terça-feira, 18 de outubro de 2016
O que resta para a esquerda?
No início da década de 1990, Norberto Bobbio chamou a atenção para o fato de que, se era constatável a morte do comunismo, seria necessário admitir que as razões da sua existência permaneciam vivas, na medida em que se faziam presentes, ao redor do mundo, as marcas da desigualdade. Guardadas as situações e identidades diferenciadas, o argumento de Bobbio talvez possa ser útil na reflexão sobre a situação que se impôs depois do desastre eleitoral do PT. Os resultados eleitorais indicam, se não o fim do PT, ao menos o fim da era eleitoral de predomínio do petismo. Contudo as razões que marcaram a simbologia desse partido ainda se fazem presentes, além de outras que vão seguramente além do PT. Não à toa, voltou-se a falar em “refundação do PT”, em “nova esquerda” e mesmo numa “outra esquerda”.
Nascido na transição para a democracia, o PT contestou as instituições estatais da modernização autoritária, notadamente as que bloqueavam a livre ação sindical. Buscou um protagonismo exclusivo para demarcar sua identidade e virou as costas para os atores democráticos que lutaram contra a ditadura. Além disso, alicerçou-se na transformação societária que estimulou o consumismo de cima a baixo da sociedade, tornando homólogos interesses e direitos.
Seu grupo dirigente deriva de uma simbiose entre os derrotados da luta armada, católicos de base e sindicalistas que viam a lógica dos interesses econômicos como superior a qualquer outra. Cristalizou uma cultura política de rechaço, mesclando-a com a representação de interesses corporativos e setoriais. Ambas as operações serviram à lógica de conquista do poder. Foi assim que o PT se moveu nas disputas eleitorais sucessivas até conquistar a Presidência da República, em 2002.
Depois da conciliação inicial, o governo petista voltou a buscar sua identidade exclusivista por meio de um deslocamento regressivo notável: de um partido contestador do Estado e da sociedade, que se havia formado a partir da modernização autoritária, o PT retomou o programa nacional-desenvolvimentista, reafirmando a centralidade do Estado, para dar passagem a uma aliança instrumental com o grande empresariado, visando à sua inserção competitiva na economia globalizada. Essa estratégia reforçou o projeto de poder, que não poderia sofrer contestação, sob o argumento de que se tratava da defesa dos mais pobres e do interesse nacional.
Essa operação regressiva impactou a linguagem e as condutas da competição política, produzindo um efeito nefasto: a introdução da contraposição “nós versus eles”, que causou um efeito devastador para a convivência democrática. Em simultaneidade, os movimentos sociais foram perdendo a autonomia propositiva e de ação que tinham e, estatizados, passaram a servir ao projeto de poder do petismo. Com acerto, Luiz Werneck Vianna caracterizou essa regressão como “o Estado Novo do PT”.
A crise de 2008 e o aprofundamento da estratégia nacional-desenvolvimentista, redefinida como “nova matriz econômica”, jogou o País na maior crise econômica da sua História e a sociedade voltou a se defrontar com o flagelo da inflação, da recessão e do desemprego. Este cenário dramático e os processos de corrupção movidos pela Operação Lava Jato evidenciaram o vínculo entre o controle corrupto de estatais, como na Petrobrás, e o projeto de poder do petismo. O bumerangue não tardaria seu retorno, explodindo nas manifestações multitudinárias pelo impeachment até sua conclusão. O resultado eleitoral nada mais fez do que jogar uma pá de cal no projeto de poder do PT, sem remissão.
O que resta agora para a esquerda? Em primeiro lugar, é preciso ultrapassar o PT e superar o binarismo instituído na competição política e eleitoral. O raciocínio binário carrega consigo uma estupidez intrínseca, com suas oposições estanques e uma visão de futuro canhestra e inflexível. Depois do desastre eleitoral, o PT e a esquerda, que gira entorno dele, atualizaram esse binarismo com o diagnóstico de que sua derrota corresponde a um “avanço do conservadorismo”. Trata-se de um desdobramento mecânico da fábula do “golpe” e do “Fora Temer”.
Obviamente que há uma ascensão do conservadorismo na opinião pública. Isso é visível no plano cultural, mas ainda não atingiu com vigor a dimensão do político. Aliás, expressando-se por meio de lideranças de extrema direita, nessa dimensão, ele é francamente minoritário. É observável, contudo, que o conservadorismo ganha desenvoltura em confrontação com o binarismo petista, um modo de pensar apodrecido que não serve para nada.
De nada serve também advogar por uma “nova esquerda” buscando repor um passado que atribua a ela estratégias e o espírito de ação inspirado em Che Guevara ou no ativismo de maio de 1968. O mundo mudou substantivamente e isso já ficou para trás há muito tempo. Em paralelo a essa confusão há quem construa a utopia de uma “esquerda movimentista”, na qual a sociedade seja o “grande ator”, em substituição e de costas para os partidos. Os paradigmas seriam a Grécia insurgente do Syriza e a Espanha pré-Podemos: uma perspectiva de grandes ilusões e parcos resultados.
O mimetismo uruguaio é outro modelo reivindicado. Por ele se pensa a refundação do PT por meio de uma Frente Ampla de partidos e movimentos sociais. Essa operação visa a passar ao largo de uma autocrítica rigorosa e de inúmeras questões decisivas, tanto teóricas quanto políticas, deixando-se dominar inteiramente pelo cálculo eleitoral. Parece ser uma “solução” instrumental e retórica, nada mais do que isso.
Todas essas proposições estão fadadas ao fracasso. Elas não enfrentam seriamente o problema e não empreendem verdadeiramente uma ultrapassagem do PT. O tempo exige uma “outra esquerda”, plural, democrática e reformista que possa superar as visões finalistas e ingressar no século 21 com corpo e alma novos.
A educação que educava
Reunião de velhos colegas de 50 anos atrás, do antigo ginásio, clássico, científico e normal do também antigo Instituto de Educação Presidente Kennedy, da cidade de Americana (SP), revelou uma preciosidade diante da triste realidade da educação brasileira de hoje, em que o ensino público virou isso que está aí e mesmo alunos de caras escolas particulares muitas vezes chegam lamentavelmente ignorantes ao ensino médio e às universidades – quando não abandonam precocemente os estudos.
O grupo surpreende não apenas pela qualidade dos profissionais, mas também pela diversidade das escolhas. São doutores em Filosofia da Arte, em Grego Clássico, em Matemática, em Geologia, incluindo professores da USP. Um outro é general de quatro estrelas, outra foi livre-docente em Antropologia da Unicamp e é pesquisadora da vida indígena e legítima ex-Dzi Croquettes.
Há ainda os que brilharam como empresários aqui ou em multinacionais ou organismos internacionais na Europa, nos Estados Unidos, na Ásia. Há também os que emprestaram sua energia intelectual para governos, como assessores diretos de governadores de São Paulo e um ex-presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, que é federal). Sem contar um reconhecido publicitário e um jornalista, meu marido, com belos cargos no currículo.
É óbvio que São Paulo é São Paulo, o interior paulista é o interior paulista e meninos e meninas do Norte e Nordeste, por exemplo, não tiveram a mesma sorte e o mesmo destino. Mas, refletindo-se sobre essa turma dos anos 1960, numa escola pública de uma cidade do interior, as perguntas saltam aos borbotões: Como era possível formar tanta gente, com tanta qualificação, em áreas tão diferentes, nos bancos do ensino público? E como foi possível deixar de formar e se transformar no que se transformou? Por que, nesses 50 anos, tudo isso se deteriorou tanto?
Mais: a educação brasileira deixou de ser a alavanca mestra para combater a injustiça social e se transformou numa das mais malévolas molas de aprofundamento da desigualdade. Como quem vem antes, o ovo ou a galinha, fica a dúvida: os filhos da classe média migraram em massa para as escolas particulares porque o ensino público começou a implodir, ou o ensino público implodiu porque os filhos da classe média viraram as costas? Será que os governos abandonaram as escolas do Estado porque eram só para pobres?!
O fato é que algo precisa ser feito com vigor. Há bons movimentos, como o “Educação para Todos”, e a reforma do ensino médio proposta pelo MEC, em vez de ser combatida a priori, com viés ideológico e partidário, deve ser considerada ponto de partida para um debate que Estado e sociedade devem ao País. É preciso agarrar essa chance e lutar dentro do debate, não resistindo a ele.
O Brasil está mudando em muitas frentes e numa dinâmica tão fantástica que chega ao ponto, até inacreditável, de haver quem releve os bilhões roubados da educação, da saúde, da Petrobrás, do BNDES, dos ministérios e dos fundos de pensão, para combater... o juiz Sérgio Moro. Ninguém é perfeito, juiz nenhum pode se arvorar Deus, mas, convenhamos, Moro é mais solução do que problema. Aliás, um dos menores problemas do País.
É num momento de grandes embates que todos devem eleger prioridades. Uma prioridade evidente, urgente, é a educação. Está aí a base de tudo, desde a competitividade da economia até as rebeliões sangrentas em presídios do Maranhão, de Roraima, de toda a parte. O presente é muito melhor do que o passado sob muitos pontos de vista, mas não custa sonhar com um passado, cinco décadas atrás, em que escolas públicas e seus professores e funcionários produziam e doavam ao Brasil tanta gente capaz de mudar a realidade para melhor.
O grupo surpreende não apenas pela qualidade dos profissionais, mas também pela diversidade das escolhas. São doutores em Filosofia da Arte, em Grego Clássico, em Matemática, em Geologia, incluindo professores da USP. Um outro é general de quatro estrelas, outra foi livre-docente em Antropologia da Unicamp e é pesquisadora da vida indígena e legítima ex-Dzi Croquettes.
Há ainda os que brilharam como empresários aqui ou em multinacionais ou organismos internacionais na Europa, nos Estados Unidos, na Ásia. Há também os que emprestaram sua energia intelectual para governos, como assessores diretos de governadores de São Paulo e um ex-presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, que é federal). Sem contar um reconhecido publicitário e um jornalista, meu marido, com belos cargos no currículo.
É óbvio que São Paulo é São Paulo, o interior paulista é o interior paulista e meninos e meninas do Norte e Nordeste, por exemplo, não tiveram a mesma sorte e o mesmo destino. Mas, refletindo-se sobre essa turma dos anos 1960, numa escola pública de uma cidade do interior, as perguntas saltam aos borbotões: Como era possível formar tanta gente, com tanta qualificação, em áreas tão diferentes, nos bancos do ensino público? E como foi possível deixar de formar e se transformar no que se transformou? Por que, nesses 50 anos, tudo isso se deteriorou tanto?
Mais: a educação brasileira deixou de ser a alavanca mestra para combater a injustiça social e se transformou numa das mais malévolas molas de aprofundamento da desigualdade. Como quem vem antes, o ovo ou a galinha, fica a dúvida: os filhos da classe média migraram em massa para as escolas particulares porque o ensino público começou a implodir, ou o ensino público implodiu porque os filhos da classe média viraram as costas? Será que os governos abandonaram as escolas do Estado porque eram só para pobres?!
O fato é que algo precisa ser feito com vigor. Há bons movimentos, como o “Educação para Todos”, e a reforma do ensino médio proposta pelo MEC, em vez de ser combatida a priori, com viés ideológico e partidário, deve ser considerada ponto de partida para um debate que Estado e sociedade devem ao País. É preciso agarrar essa chance e lutar dentro do debate, não resistindo a ele.
O Brasil está mudando em muitas frentes e numa dinâmica tão fantástica que chega ao ponto, até inacreditável, de haver quem releve os bilhões roubados da educação, da saúde, da Petrobrás, do BNDES, dos ministérios e dos fundos de pensão, para combater... o juiz Sérgio Moro. Ninguém é perfeito, juiz nenhum pode se arvorar Deus, mas, convenhamos, Moro é mais solução do que problema. Aliás, um dos menores problemas do País.
É num momento de grandes embates que todos devem eleger prioridades. Uma prioridade evidente, urgente, é a educação. Está aí a base de tudo, desde a competitividade da economia até as rebeliões sangrentas em presídios do Maranhão, de Roraima, de toda a parte. O presente é muito melhor do que o passado sob muitos pontos de vista, mas não custa sonhar com um passado, cinco décadas atrás, em que escolas públicas e seus professores e funcionários produziam e doavam ao Brasil tanta gente capaz de mudar a realidade para melhor.
A quem interessa demonizar o juiz Moro?
Começa a ser visível uma cruzada contra o juiz Moro, esse tipo de herói popular da operação Lava Jato, a quem se pretende agora fazer passar por um moralista fanático, uma espécie de Savonarola moderno, que deveria ser contido e até queimado na fogueira, como fez a Igreja com o frade dominicano no século XV.
Seria necessário perguntar, como faziam os latinos como Sêneca e Cícero, Cui prodest?, ou seja, a quem interessa desacreditar o juiz que colocou na prisão, pela primeira vez, quem até ontem gozava do privilégio da impunidade?
Não é muito difícil entender que, neste momento, os ataques diretos ou subterrâneos a Moro são o melhor presente para os políticos corruptos.
Moro é severo demais com os empresários e políticos acusados de corrupção, ou o juiz que começou a quebrar o tabu da impunidade?
O Brasil vive um momento de areia movediça, no qual a democracia ou se fortalece ou se quebra ainda mais. Por isso, são desaconselháveis ataques a quem se esforça para fazer, no âmbito da justiça, um Brasil no qual todos sejam iguais perante a lei.
O juiz Moro não é um santo nem um demônio. Comete erros como todos e para isso existem os tribunais superiores, que já criticaram alguns de seus comportamentos.
Não é um juiz intocável, nem tampouco um demônio que se divirta em colocar nas caldeiras de óleo fervente os pobres corruptos que até ontem gozavam do passaporte da impunidade.
Sem dúvida, Moro desequilibrou a balança da justiça em um país em que no inferno do cárcere acabavam apenas os párias da sociedade.
Digo inferno porque foi Eduardo Cardozo, quando era Ministro da Justiça, que confessou que preferia a pena de morte a acabar preso em um presídio brasileiro. Presídios dos quais, já sabemos, ele era o responsável direto.
A opinião pública, ou o que às vezes chamamos de “a rua”, nem sempre tem razão, mas merece respeito quando é unânime.
Lembram-se das grandes manifestações populares nas quais os cartazes em favor de Moro eram exibidos nas mãos de gente que dizia “Eu sou Moro”?
Se hoje algum instituto de opinião fizesse uma pesquisa sobre o juiz acusado de ser um Savonarola, teriam uma surpresa aqueles que se divertem em demonizá-lo.
Saiam à rua, entrem em um ônibus, em um restaurante, em uma favela e perguntem o que acham de Moro estar julgando e prendendo empresários e políticos importantes que subtraíram com sua corrupção um dinheiro que era de todos.
Um dinheiro que teria aliviado as agruras da falta de recursos no ensino, na saúde e na segurança pública.
Vão aos presídios e perguntem aos presos comuns, sem nome, amontoados feito gado, se consideram que Moro é severo demais com políticos corruptos.
Mais uma vez, aparece claramente o abismo existente entre as elucubrações de certos intelectuais e as pessoas comuns. Abismo que existe entre os privilegiados de sempre e a grande massa de trabalhadores honrados, que podendo roubar não o fazem e são capazes de devolver o que não é seu.
Essa massa anônima que é a que faz com que o Brasil continue em pé economicamente apesar da crise que o açoita.
Como Valdinei Silva dos Santos, o jovem que vem cuidar do meu computador. Dias atrás, ao pagá-lo, dei a ele por engano uma nota de cem reais em vez de uma de dois. Poderia ter ficado com ela. Não o fez. Ligou em seguida para dizer que viria devolver um dinheiro que não era seu.
Uma banalidade? Talvez assim pareça diante dos milhões da corrupção que o juiz Moro está combatendo, hostilizado pelos que temem prestar contas, e que tentam fazê-lo escorregar e cair o quanto antes, mas que continua aplaudido pelos cidadãos honrados.
Cidadãos que desejam um Brasil mais limpo, sem tantos privilégios e desigualdades. E que constituem, não duvidem, a maioria acachapante deste país.
Seria necessário perguntar, como faziam os latinos como Sêneca e Cícero, Cui prodest?, ou seja, a quem interessa desacreditar o juiz que colocou na prisão, pela primeira vez, quem até ontem gozava do privilégio da impunidade?
Não é muito difícil entender que, neste momento, os ataques diretos ou subterrâneos a Moro são o melhor presente para os políticos corruptos.
Moro é severo demais com os empresários e políticos acusados de corrupção, ou o juiz que começou a quebrar o tabu da impunidade?
O juiz Moro não é um santo nem um demônio. Comete erros como todos e para isso existem os tribunais superiores, que já criticaram alguns de seus comportamentos.
Não é um juiz intocável, nem tampouco um demônio que se divirta em colocar nas caldeiras de óleo fervente os pobres corruptos que até ontem gozavam do passaporte da impunidade.
Sem dúvida, Moro desequilibrou a balança da justiça em um país em que no inferno do cárcere acabavam apenas os párias da sociedade.
Digo inferno porque foi Eduardo Cardozo, quando era Ministro da Justiça, que confessou que preferia a pena de morte a acabar preso em um presídio brasileiro. Presídios dos quais, já sabemos, ele era o responsável direto.
A opinião pública, ou o que às vezes chamamos de “a rua”, nem sempre tem razão, mas merece respeito quando é unânime.
Lembram-se das grandes manifestações populares nas quais os cartazes em favor de Moro eram exibidos nas mãos de gente que dizia “Eu sou Moro”?
Se hoje algum instituto de opinião fizesse uma pesquisa sobre o juiz acusado de ser um Savonarola, teriam uma surpresa aqueles que se divertem em demonizá-lo.
Saiam à rua, entrem em um ônibus, em um restaurante, em uma favela e perguntem o que acham de Moro estar julgando e prendendo empresários e políticos importantes que subtraíram com sua corrupção um dinheiro que era de todos.
Um dinheiro que teria aliviado as agruras da falta de recursos no ensino, na saúde e na segurança pública.
Vão aos presídios e perguntem aos presos comuns, sem nome, amontoados feito gado, se consideram que Moro é severo demais com políticos corruptos.
Mais uma vez, aparece claramente o abismo existente entre as elucubrações de certos intelectuais e as pessoas comuns. Abismo que existe entre os privilegiados de sempre e a grande massa de trabalhadores honrados, que podendo roubar não o fazem e são capazes de devolver o que não é seu.
Essa massa anônima que é a que faz com que o Brasil continue em pé economicamente apesar da crise que o açoita.
Como Valdinei Silva dos Santos, o jovem que vem cuidar do meu computador. Dias atrás, ao pagá-lo, dei a ele por engano uma nota de cem reais em vez de uma de dois. Poderia ter ficado com ela. Não o fez. Ligou em seguida para dizer que viria devolver um dinheiro que não era seu.
Uma banalidade? Talvez assim pareça diante dos milhões da corrupção que o juiz Moro está combatendo, hostilizado pelos que temem prestar contas, e que tentam fazê-lo escorregar e cair o quanto antes, mas que continua aplaudido pelos cidadãos honrados.
Cidadãos que desejam um Brasil mais limpo, sem tantos privilégios e desigualdades. E que constituem, não duvidem, a maioria acachapante deste país.
Recomeçar é preciso
Papelão pior do que no primeiro turno das eleições municipais está fazendo agora o PT, menos pelos votos que não teve no país inteiro, mais por parecer definitivamente rachado. Os companheiros hesitam em mudar de uma vez seus dirigentes, aproveitando a oportunidade para renovar-se, dar a volta por cima e recomeçar de novo.
Bem que o Lula dá o exemplo, negando-se a presidir o partido e dispondo-se a continuar como simples soldado. Claro que permanecerá à disposição para candidatar-se à presidência da República em 2018, mas gostaria de ver gente jovem no comando. Por enquanto, preocupa-se em saltar de banda diante das investidas do juiz Sérgio Moro, mas se escapar da cadeia, estará onde sempre esteve, ou seja, candidatíssimo. Quanto a poder empolgar as massas, como no passado, dependerá dele e do PT sob nova direção.
A duvida é saber quem e como. Tarso Genro e Patrus Ananias não serão propriamente renovação, mas podem considerar-se limpos. Seria necessário que começassem do zero, desenvolvendo agressiva campanha contra as reformas do governo Michel Temer. Retomar os laços perdidos com o sindicalismo está na ordem do dia, mas é preciso não apenas gente nova, senão propostas novas. A partir das realizações dos dois mandatos do Lula e desconsiderando Dilma Rousseff e a quadrilha hoje na cadeia, a luta precisará ser ideológica. Recomeçar é preciso…
A duvida é saber quem e como. Tarso Genro e Patrus Ananias não serão propriamente renovação, mas podem considerar-se limpos. Seria necessário que começassem do zero, desenvolvendo agressiva campanha contra as reformas do governo Michel Temer. Retomar os laços perdidos com o sindicalismo está na ordem do dia, mas é preciso não apenas gente nova, senão propostas novas. A partir das realizações dos dois mandatos do Lula e desconsiderando Dilma Rousseff e a quadrilha hoje na cadeia, a luta precisará ser ideológica. Recomeçar é preciso…
Gatos pingados para santo de barro
A petralhada passou a madrugada em polvorosa. A possível prisão de Lula nesta segunda-feira se irradiou nas redes e deixou muita gente acordada. Houve mesmo uma "convocação" de vigília como se tratasse de gente em sofrimento, ou uma romaria à igreja para homenagear o santo. Não passou de outro daqueles factoides para sacudir as massas no melhor estilo chanchada.
A "grande corrente de vigília pacífica e solidária em defesa do Lula" deveria reunir uma multidão na frente do prédio do guru, a Lapinha petista. Seria uma festança: "Leve um balão (bixiga) branco e mensagens de agradecimento. Leve sua bandeira, faixa e seu coração, assim construiremos uma resistência silenciosa e profunda na mente de todos os brasileiros, que neste momento encontram-se tristes e deprimidos. Cada balão (bixiga) significará a lágrima não chorada, o pranto que não nasceu e o luto pelo fim de um projeto de um país melhor para todos”.
Os petistas, raríssimos, que atenderam ao apelo dramático não enchiam um ônibus. Não se fazem mais fiéis como antigamente nem sequer há tanto malandro nas ruas, com bolsa mortadela, para prestigiar atos de reverência às santidades.
Faltou gente, quer dizer muita gente, para chamar a atenção da mídia que lá só encontrou gatos pingados. O PT, aos poucos, vai descobrindo que ninguém trabalha de graça mesmo que seja pela grande causa de prestigiar e defender um santo homem. Falta dinheiro, falta gente.
A "vigília" diz muito sobre os 13 anos de azar. Foi um tempo de chanchada política de quinta categoria para saquear os cofres em nome da assistência à pobreza. Nem os figurantes querem novamente entrar em cena para compor a multidão bíblica de Lula. Estão de saco cheio de terem servido de palhaços. Defendiam um ideal de mundo melhor enquanto eram pungados pelos sicários da seita petista.
Os últimos pastores ainda tentam arrebanhar o rebanho, minguado e tosquiado, mas quase não há o que fazer. O santo era de barro e se quebrou...
Os petistas, raríssimos, que atenderam ao apelo dramático não enchiam um ônibus. Não se fazem mais fiéis como antigamente nem sequer há tanto malandro nas ruas, com bolsa mortadela, para prestigiar atos de reverência às santidades.
Faltou gente, quer dizer muita gente, para chamar a atenção da mídia que lá só encontrou gatos pingados. O PT, aos poucos, vai descobrindo que ninguém trabalha de graça mesmo que seja pela grande causa de prestigiar e defender um santo homem. Falta dinheiro, falta gente.
A "vigília" diz muito sobre os 13 anos de azar. Foi um tempo de chanchada política de quinta categoria para saquear os cofres em nome da assistência à pobreza. Nem os figurantes querem novamente entrar em cena para compor a multidão bíblica de Lula. Estão de saco cheio de terem servido de palhaços. Defendiam um ideal de mundo melhor enquanto eram pungados pelos sicários da seita petista.
Os últimos pastores ainda tentam arrebanhar o rebanho, minguado e tosquiado, mas quase não há o que fazer. O santo era de barro e se quebrou...
Luiz Gadelha
Justiça de ouro
Jens Galschiot |
O Brasil gastou R$ 79,2 bilhões com o Poder Judiciário no ano passado, segundo estudo divulgado hoje pelo Conselho Nacional de Justiça. É como se cada brasileiro pagasse R$ 387,56 para manter os tribunais. A cifra representou 1,3% do PIB.
O pagamento de funcionários da Justiça respondeu por 89% dos gastos, ou quase R$ 71 bilhões.
Segundo o estudo, cada magistrado custou, em média, R$ 46 mil por mês no ano passado. Cada servidor concursado, R$ 12 mil mensais. Terceirizados custaram cerca de R$ 3,4 mil. Estagiários saíram por R$ 774 mensais.
Os valores incluem ainda verbas indenizatórias, gastos com diárias e passagens.
Todos são culpados pela barbárie nas penitenciárias, menos as autridades
Entre a tarde de domingo e a madrugada de segunda-feira, morreram pelo menos 18 brasileiros em dois presídios do Norte do país. Foi uma carnificina. Em reação ao cheiro de sangue que exala das manchetes, autoridades estaduais e federais se manifestaram. Quem ouve suas palavras chega a uma conclusão inexorável: todos são culpados pela barbárie nas penitenciárias, exceto os gestores do pseudo-Estado.
Na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, na zona rural de Boa Vista, capital de Roraima, foram assassinados dez presos. Sete cadáveres foram carbonizados. Três, decapitados. No presídio Ênio dos Santos Pinheiro, em Porto Velho, capital de Rondônia, foram mortos por asfixia oito detentos.
O flagelo de Roraima teve contornos medievais. O Ministério Público estadual visitou a carceragem. Encontrou pelo chão pedaços de corpo, cabeças e ossos incinerados. A assessoria da Promotoria divulgou fotos, veiculadas no site de Veja, que dão uma pálida ideia do que sucedeu no local.
O promotor de Justiça Carlos Paixão informou que o Ministério Público de Roraima encaminhará à Procuradoria-Geral da República, em Brasília, um pedido de intervenção federal no Estado. Já não reconhece no governo local capacidade para gerenciar a crise penitenciária.
Uziel Castro, secretário de Justiça de Roraima atribui o caos a forças externas. Segundo ele, o PCC (Primeiro Comando da Capital) e o CV (Comando Vermelho), duas organizações criminosas enraizadas em São Paulo e no Rio, exportaram violência para cadeias de todo o país —mais ou menos como uma marca comercial que se multiplica por meio de franquias.
Em maioria na penitenciária de Roraima, o departamento do PCC decidiu eliminar a concorrência do CV. Daí as dez mortes, lamentou o secretário Uziel Castro. Ele se absteve de explicar por que uma instalação que deveria ser controlada pelo Estado é dominada pelo crime.
Nesta terça-feira, o secretário Uziel Castro estará em Brasília. Acompanhado da governadora de Roraima, Suely Campos (PP), e do deputado federal Hiran Gonçalves (PP-RR), ele participará de audiência com o ministro Alexandre Moraes (Justiça). Em tempos de teto de gastos, a trinca pedirá, entre outras coisas, socorro financeiro.
Enquanto a comitiva roraimense desembarca em Brasília para encontrá-lo, o ministro da Justiça despacha para Roraima seus próprios olheiros. ''Há uma delegação do Depen [Departamento Penitenciário Nacional] se locomovendo para que nós possamos ver a gravidade da situação. E, a partir daí, tomar as medidas necessárias”, disse Alexandre Moraes.
O ministro confraternizou-se com o óbvio: “Obviamente que a situação é gravíssima, com as mortes.'' Antes de ser convidado por Michel Temer para ocupar uma poltrona na Esplanada, Alexandre Moraes era secretário de Justiça de São Paulo. Sabe que a situação é gravíssima há tempos. Não ignora do que o PCC é capaz. Mas é incapaz de mencionar uma providência que tenha adotado para mitigar o drama carcerário desde que chegou à Capital.
Há nos arquivos do Conselho Nacional de Justiça um sem-número de relatórios sobre os reflexos da omissão do poder público nos presídios. O fenômeno é nacional. E potencializa a ação das facções ciminosas. Abandonados pelo Estado, os presos ficam à mercê do crime organizado. Em troca de favores e de proteção, os condenados novos são obrigados a seguir diretrizes do crime, que os sentenciam a uma segunda pena: a criminalidade perpétua.
Na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, na zona rural de Boa Vista, capital de Roraima, foram assassinados dez presos. Sete cadáveres foram carbonizados. Três, decapitados. No presídio Ênio dos Santos Pinheiro, em Porto Velho, capital de Rondônia, foram mortos por asfixia oito detentos.
O flagelo de Roraima teve contornos medievais. O Ministério Público estadual visitou a carceragem. Encontrou pelo chão pedaços de corpo, cabeças e ossos incinerados. A assessoria da Promotoria divulgou fotos, veiculadas no site de Veja, que dão uma pálida ideia do que sucedeu no local.
O promotor de Justiça Carlos Paixão informou que o Ministério Público de Roraima encaminhará à Procuradoria-Geral da República, em Brasília, um pedido de intervenção federal no Estado. Já não reconhece no governo local capacidade para gerenciar a crise penitenciária.
Uziel Castro, secretário de Justiça de Roraima atribui o caos a forças externas. Segundo ele, o PCC (Primeiro Comando da Capital) e o CV (Comando Vermelho), duas organizações criminosas enraizadas em São Paulo e no Rio, exportaram violência para cadeias de todo o país —mais ou menos como uma marca comercial que se multiplica por meio de franquias.
Em maioria na penitenciária de Roraima, o departamento do PCC decidiu eliminar a concorrência do CV. Daí as dez mortes, lamentou o secretário Uziel Castro. Ele se absteve de explicar por que uma instalação que deveria ser controlada pelo Estado é dominada pelo crime.
Nesta terça-feira, o secretário Uziel Castro estará em Brasília. Acompanhado da governadora de Roraima, Suely Campos (PP), e do deputado federal Hiran Gonçalves (PP-RR), ele participará de audiência com o ministro Alexandre Moraes (Justiça). Em tempos de teto de gastos, a trinca pedirá, entre outras coisas, socorro financeiro.
Enquanto a comitiva roraimense desembarca em Brasília para encontrá-lo, o ministro da Justiça despacha para Roraima seus próprios olheiros. ''Há uma delegação do Depen [Departamento Penitenciário Nacional] se locomovendo para que nós possamos ver a gravidade da situação. E, a partir daí, tomar as medidas necessárias”, disse Alexandre Moraes.
O ministro confraternizou-se com o óbvio: “Obviamente que a situação é gravíssima, com as mortes.'' Antes de ser convidado por Michel Temer para ocupar uma poltrona na Esplanada, Alexandre Moraes era secretário de Justiça de São Paulo. Sabe que a situação é gravíssima há tempos. Não ignora do que o PCC é capaz. Mas é incapaz de mencionar uma providência que tenha adotado para mitigar o drama carcerário desde que chegou à Capital.
Há nos arquivos do Conselho Nacional de Justiça um sem-número de relatórios sobre os reflexos da omissão do poder público nos presídios. O fenômeno é nacional. E potencializa a ação das facções ciminosas. Abandonados pelo Estado, os presos ficam à mercê do crime organizado. Em troca de favores e de proteção, os condenados novos são obrigados a seguir diretrizes do crime, que os sentenciam a uma segunda pena: a criminalidade perpétua.
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