Entre a tarde de domingo e a madrugada de segunda-feira, morreram pelo menos 18 brasileiros em dois presídios do Norte do país. Foi uma carnificina. Em reação ao cheiro de sangue que exala das manchetes, autoridades estaduais e federais se manifestaram. Quem ouve suas palavras chega a uma conclusão inexorável: todos são culpados pela barbárie nas penitenciárias, exceto os gestores do pseudo-Estado.
Na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, na zona rural de Boa Vista, capital de Roraima, foram assassinados dez presos. Sete cadáveres foram carbonizados. Três, decapitados. No presídio Ênio dos Santos Pinheiro, em Porto Velho, capital de Rondônia, foram mortos por asfixia oito detentos.
O flagelo de Roraima teve contornos medievais. O Ministério Público estadual visitou a carceragem. Encontrou pelo chão pedaços de corpo, cabeças e ossos incinerados. A assessoria da Promotoria divulgou fotos, veiculadas no site de Veja, que dão uma pálida ideia do que sucedeu no local.
O promotor de Justiça Carlos Paixão informou que o Ministério Público de Roraima encaminhará à Procuradoria-Geral da República, em Brasília, um pedido de intervenção federal no Estado. Já não reconhece no governo local capacidade para gerenciar a crise penitenciária.
Uziel Castro, secretário de Justiça de Roraima atribui o caos a forças externas. Segundo ele, o PCC (Primeiro Comando da Capital) e o CV (Comando Vermelho), duas organizações criminosas enraizadas em São Paulo e no Rio, exportaram violência para cadeias de todo o país —mais ou menos como uma marca comercial que se multiplica por meio de franquias.
Em maioria na penitenciária de Roraima, o departamento do PCC decidiu eliminar a concorrência do CV. Daí as dez mortes, lamentou o secretário Uziel Castro. Ele se absteve de explicar por que uma instalação que deveria ser controlada pelo Estado é dominada pelo crime.
Nesta terça-feira, o secretário Uziel Castro estará em Brasília. Acompanhado da governadora de Roraima, Suely Campos (PP), e do deputado federal Hiran Gonçalves (PP-RR), ele participará de audiência com o ministro Alexandre Moraes (Justiça). Em tempos de teto de gastos, a trinca pedirá, entre outras coisas, socorro financeiro.
Enquanto a comitiva roraimense desembarca em Brasília para encontrá-lo, o ministro da Justiça despacha para Roraima seus próprios olheiros. ''Há uma delegação do Depen [Departamento Penitenciário Nacional] se locomovendo para que nós possamos ver a gravidade da situação. E, a partir daí, tomar as medidas necessárias”, disse Alexandre Moraes.
O ministro confraternizou-se com o óbvio: “Obviamente que a situação é gravíssima, com as mortes.'' Antes de ser convidado por Michel Temer para ocupar uma poltrona na Esplanada, Alexandre Moraes era secretário de Justiça de São Paulo. Sabe que a situação é gravíssima há tempos. Não ignora do que o PCC é capaz. Mas é incapaz de mencionar uma providência que tenha adotado para mitigar o drama carcerário desde que chegou à Capital.
Há nos arquivos do Conselho Nacional de Justiça um sem-número de relatórios sobre os reflexos da omissão do poder público nos presídios. O fenômeno é nacional. E potencializa a ação das facções ciminosas. Abandonados pelo Estado, os presos ficam à mercê do crime organizado. Em troca de favores e de proteção, os condenados novos são obrigados a seguir diretrizes do crime, que os sentenciam a uma segunda pena: a criminalidade perpétua.
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