Reunião de velhos colegas de 50 anos atrás, do antigo ginásio, clássico, científico e normal do também antigo Instituto de Educação Presidente Kennedy, da cidade de Americana (SP), revelou uma preciosidade diante da triste realidade da educação brasileira de hoje, em que o ensino público virou isso que está aí e mesmo alunos de caras escolas particulares muitas vezes chegam lamentavelmente ignorantes ao ensino médio e às universidades – quando não abandonam precocemente os estudos.
O grupo surpreende não apenas pela qualidade dos profissionais, mas também pela diversidade das escolhas. São doutores em Filosofia da Arte, em Grego Clássico, em Matemática, em Geologia, incluindo professores da USP. Um outro é general de quatro estrelas, outra foi livre-docente em Antropologia da Unicamp e é pesquisadora da vida indígena e legítima ex-Dzi Croquettes.
Há ainda os que brilharam como empresários aqui ou em multinacionais ou organismos internacionais na Europa, nos Estados Unidos, na Ásia. Há também os que emprestaram sua energia intelectual para governos, como assessores diretos de governadores de São Paulo e um ex-presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, que é federal). Sem contar um reconhecido publicitário e um jornalista, meu marido, com belos cargos no currículo.
É óbvio que São Paulo é São Paulo, o interior paulista é o interior paulista e meninos e meninas do Norte e Nordeste, por exemplo, não tiveram a mesma sorte e o mesmo destino. Mas, refletindo-se sobre essa turma dos anos 1960, numa escola pública de uma cidade do interior, as perguntas saltam aos borbotões: Como era possível formar tanta gente, com tanta qualificação, em áreas tão diferentes, nos bancos do ensino público? E como foi possível deixar de formar e se transformar no que se transformou? Por que, nesses 50 anos, tudo isso se deteriorou tanto?
Mais: a educação brasileira deixou de ser a alavanca mestra para combater a injustiça social e se transformou numa das mais malévolas molas de aprofundamento da desigualdade. Como quem vem antes, o ovo ou a galinha, fica a dúvida: os filhos da classe média migraram em massa para as escolas particulares porque o ensino público começou a implodir, ou o ensino público implodiu porque os filhos da classe média viraram as costas? Será que os governos abandonaram as escolas do Estado porque eram só para pobres?!
O fato é que algo precisa ser feito com vigor. Há bons movimentos, como o “Educação para Todos”, e a reforma do ensino médio proposta pelo MEC, em vez de ser combatida a priori, com viés ideológico e partidário, deve ser considerada ponto de partida para um debate que Estado e sociedade devem ao País. É preciso agarrar essa chance e lutar dentro do debate, não resistindo a ele.
O Brasil está mudando em muitas frentes e numa dinâmica tão fantástica que chega ao ponto, até inacreditável, de haver quem releve os bilhões roubados da educação, da saúde, da Petrobrás, do BNDES, dos ministérios e dos fundos de pensão, para combater... o juiz Sérgio Moro. Ninguém é perfeito, juiz nenhum pode se arvorar Deus, mas, convenhamos, Moro é mais solução do que problema. Aliás, um dos menores problemas do País.
É num momento de grandes embates que todos devem eleger prioridades. Uma prioridade evidente, urgente, é a educação. Está aí a base de tudo, desde a competitividade da economia até as rebeliões sangrentas em presídios do Maranhão, de Roraima, de toda a parte. O presente é muito melhor do que o passado sob muitos pontos de vista, mas não custa sonhar com um passado, cinco décadas atrás, em que escolas públicas e seus professores e funcionários produziam e doavam ao Brasil tanta gente capaz de mudar a realidade para melhor.
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