domingo, 1 de abril de 2018
O que está em jogo nos processos contra Temer
Sem o afastamento de Dilma Rousseff, Michel Temer não figuraria na história política do Brasil. Passaria despercebido ou, no máximo, receberia uma nota de rodapé, como o vice que o presidencialismo de coalizão hiperfisiológica é capaz de forjar. Em toda sua vida política, Temer não fora nada mais que um articulador dos interesses do baixo clero da Câmara dos Deputados. Foi feito presidente do PMDB pelo mérito de, nas condições daquele partido, não ser incômodo, sujeitando-se à nulidade necessária.
Mas, quis o destino que a crise o colocasse no centro da conspiração para remover a presidente que perdera a confiança da economia e a credibilidade junto ao eleitor; que já não sustentara o apoio de meras 171 almas da Câmara. Quis a sorte que fosse o homem incerto daquela hora incerta, que fosse o atalho institucional que se armara no caminho, que fosse a alternativa que restava, nos parâmetros da Constituição.
Mas, quis o destino que a crise o colocasse no centro da conspiração para remover a presidente que perdera a confiança da economia e a credibilidade junto ao eleitor; que já não sustentara o apoio de meras 171 almas da Câmara. Quis a sorte que fosse o homem incerto daquela hora incerta, que fosse o atalho institucional que se armara no caminho, que fosse a alternativa que restava, nos parâmetros da Constituição.
Histórias de superação pessoal e reinvenção de si mesmo são raríssimas. E não haveria essa raridade de repousar justamente sobre Michel Temer e seu grupo. Não foi ponte, nem pinguela. Foi beco sem saída.
Além disso, as condições gerais da política brasileira não permitiriam a elevação moral do país e a fuga do labirinto feitas pelas mãos de um homem só. Por mais talhado que fosse o escolhido — e não era o caso — seria e ainda é esforço e desafio para gerações. Sobretudo, se o homem e seu estilo estivessem comprometidos pela própria degeneração que os alçara ao poder, seria fogo-fátuo. Nada mais.
Causa constrangimento — vergonha alheia, na verdade — ouvir presidente e seus maruns reclamando a si e ao governo ares de reforma e modernidade. A economia que Michel Temer afirma ter colocado de volta ao eixo — o que, em si, é uma afirmação controversa — mais foi obra de se remover a teimosia errática metodológica de Dilma do que da visão de futuro do novo presidente.
Fazê-lo por meio de interposta equipe econômica, qualificada e crível, não foi escolha sua. Foi, antes, condição e pacto para aceitação de seu nome pelas forças de mercado. Apresentar melhor desempenho do que obteve Dilma, convenhamos, não seria tarefa do outro mundo. Medidas importantes foram aprovadas outras ficaram pelo caminho. As primeiras e as segundas, ambas, por imposição da realidade. No tempo político possível, nas condições e liderança que se possui.
A tal habilidade de Temer serviu, antes, para salvar a própria pele e delongar, o quanto pudesse, a sobrevivência do sistema. Michel Temer pertence mais ao Brasil que se quer superar do que ao país do futuro que se anseia. Creditar os reveses que vem sofrendo na política e na Justiça a temores e interesses contrariados com sua improvável reeleição só não é brincadeira porque é mesmo sacanagem.
Uma tangente discursiva para quem já é incapaz de explicar o que se passa com o presidente porque simplesmente é, politicamente, impossível admitir o que de fato se passa. A Justiça julgará, mas encontros à noite, frases cifradas, malas viajantes, assessores comprometidos e amigos suspeitos não são bons cartões de visita para ninguém. Basta olhos para ver. Armação, golpe — como, aliás, disse Lula? Haja inocência ou má-fé para acreditar nisso.
Assim, processos contra o presidente e seus amigos são tentativas de remoção de um tipo de entulho que criou limbo, que ferrou raízes no solo que resistem ao puxar da história. Não apenas esses. Os que atingem próceres do PT e do PSDB, partidos menores e associados, também. São tentativas antissistema — contra o ''mecanismo'', se preferirem. São embates entre o novo que custa parir e o velho agonizante que recusa abandonar o catre que já é seu leito de morte.
Afirmar que são medidas antipolítica diz pouco, quase nada. Novamente, pode ser tergiversação, inocência ou má-fé. Embora, seja evidente que há por aí um grande sentimento contrário à política; que há muita confusão de entendimento sobre o que, afinal, vem a ser a Política, cujo sentido é preciso resgatar. É óbvio que existem por aí oportunistas de todo tipo.
Mas, por outro lado, admitir que a Política se resume à miséria que está posta é entregar ao abandono qualquer esperança de futuro. É elevar toda essa gente comprometida, de dentro e fora do governo, da situação à oposição, ao status que lhes interessa: ''nulidades que imaginam ter atingido um nível de civilização nunca antes alcançado'', como apontou Max Weber citando o poeta Goethe. Imaginam, mas não alcançaram.
Carlos Melo
O ovo da serpente
Alguns analistas dizem que os mais velhos hoje já não entendem seus filhos e são condenados a viver, no mundo digital, como imigrantes no próprio país.
Meu caso é mais prosaico. Sinto-me como imigrante no Brasil ao assistir a uma sessão do Supremo Tribunal Federal.
O Brasil que habitava desde a redemocratização pelo menos tinha esperanças. O que se vê hoje é o declínio de toda a experiência democrática das três últimas décadas. O sistema político foi engolfado pelos custos de campanha, corrompeu-se e perdeu o contato com a sociedade.
O Supremo mostrou-se uma parte apenas desse corpo em decomposição. Não apenas pelo mérito de sua discussão, mas também pela forma. Quem iria supor que num momento histórico um ministro iria alegar, ao vivo, uma viagem para interromper a decisão. Ou que, também num momento histórico, era necessário respeitar o horário regimental.
Levamos o Brasil mais a sério. É impensável que, numa grande questão nacional, se reunissem por duas horas, fizessem uma hora de lanche e voltassem cansados, sem condições de raciocínio.
As coisas acontecem, e tudo o que dizem aos repórteres é: isto é inadmissível. Muitas coisas no Brasil hoje são consideradas, justamente, inadmissíveis: violência política, tiros, troca de insultos.
Solidário com todas as vítimas, tento avançar um pouco e perguntar: o que produz tantas coisas inadmissíveis no Brasil? E como entender suas causas e recuperar a convivência?
Muitas vezes citado em momentos críticos, o filme de Ingmar Bergman “O ovo da serpente” mostra os conflitos na Alemanha na ascensão do nazismo. As circunstâncias são diferentes mas uma lição histórica, que talvez valha para outros momentos, é que a ascensão de um movimento autoritário não é algo que se afirma em contextos de grandes erros estratégicos da esquerda.
O Brasil está dividido em torno de uma concepção de justiça. Toneladas de provas, milhões de dólares, ruína da Petrobras, todos esses fatos descobertos pela Lava-Jato não podem ser negados.
Até podem, mas a um preço muito alto para a própria democracia. O Supremo hesita agora num momento decisivo, o da prisão de Lula.
Esta hesitação leva em conta os movimentos de massa, pró e contra. Mas quando democráticos, não fazem tanto mal quanto a perda de confiança na Justiça, um ácido que corrói a convivência e estimula saídas desesperadas.
A tática de lançar a candidatura de Lula acabou ofuscando a própria campanha eleitoral. Em outro país, ela já teria começado. Lula, por sua vez, não se comporta como candidato a presidente, mas sim à própria liberdade.
Em vez de estarem em jogo os principais lances da reconstrução nacional, a discussão estacionou num debate que sucessivos julgamentos já tinham esgotado. Infelizmente, a esquerda vê como adversário quem reconhece a realidade dos fatos e, com isso, coloca num campo adversário milhões de pessoas que não são autoritárias nem fascistas.
A crise que estamos vivendo é resultado do fracasso de um longo governo da esquerda. Seus erros estimularam o surgimento de inúmeras tendências na direita, inclusive a mais autoritária.
O jogo da radicalização pode ser jogado com gosto por alguns. No entanto, seu desdobramento seria um país dividido, uma saída messiânica de um lado ou de outro. Esse argumento não comove nem direita nem esquerda autoritárias. Ambas contam com o conflito como dinâmica de sua estratégia de poder.
Mas é preciso fugir da lógica que cria milhões de imigrantes no próprio país.
Meu caso é mais prosaico. Sinto-me como imigrante no Brasil ao assistir a uma sessão do Supremo Tribunal Federal.
O Brasil que habitava desde a redemocratização pelo menos tinha esperanças. O que se vê hoje é o declínio de toda a experiência democrática das três últimas décadas. O sistema político foi engolfado pelos custos de campanha, corrompeu-se e perdeu o contato com a sociedade.
Levamos o Brasil mais a sério. É impensável que, numa grande questão nacional, se reunissem por duas horas, fizessem uma hora de lanche e voltassem cansados, sem condições de raciocínio.
As coisas acontecem, e tudo o que dizem aos repórteres é: isto é inadmissível. Muitas coisas no Brasil hoje são consideradas, justamente, inadmissíveis: violência política, tiros, troca de insultos.
Solidário com todas as vítimas, tento avançar um pouco e perguntar: o que produz tantas coisas inadmissíveis no Brasil? E como entender suas causas e recuperar a convivência?
Muitas vezes citado em momentos críticos, o filme de Ingmar Bergman “O ovo da serpente” mostra os conflitos na Alemanha na ascensão do nazismo. As circunstâncias são diferentes mas uma lição histórica, que talvez valha para outros momentos, é que a ascensão de um movimento autoritário não é algo que se afirma em contextos de grandes erros estratégicos da esquerda.
O Brasil está dividido em torno de uma concepção de justiça. Toneladas de provas, milhões de dólares, ruína da Petrobras, todos esses fatos descobertos pela Lava-Jato não podem ser negados.
Até podem, mas a um preço muito alto para a própria democracia. O Supremo hesita agora num momento decisivo, o da prisão de Lula.
Esta hesitação leva em conta os movimentos de massa, pró e contra. Mas quando democráticos, não fazem tanto mal quanto a perda de confiança na Justiça, um ácido que corrói a convivência e estimula saídas desesperadas.
A tática de lançar a candidatura de Lula acabou ofuscando a própria campanha eleitoral. Em outro país, ela já teria começado. Lula, por sua vez, não se comporta como candidato a presidente, mas sim à própria liberdade.
Em vez de estarem em jogo os principais lances da reconstrução nacional, a discussão estacionou num debate que sucessivos julgamentos já tinham esgotado. Infelizmente, a esquerda vê como adversário quem reconhece a realidade dos fatos e, com isso, coloca num campo adversário milhões de pessoas que não são autoritárias nem fascistas.
A crise que estamos vivendo é resultado do fracasso de um longo governo da esquerda. Seus erros estimularam o surgimento de inúmeras tendências na direita, inclusive a mais autoritária.
O jogo da radicalização pode ser jogado com gosto por alguns. No entanto, seu desdobramento seria um país dividido, uma saída messiânica de um lado ou de outro. Esse argumento não comove nem direita nem esquerda autoritárias. Ambas contam com o conflito como dinâmica de sua estratégia de poder.
Mas é preciso fugir da lógica que cria milhões de imigrantes no próprio país.
Sem medo
Quando aparece um feriado, agradeço a Deus a possibilidade de me retirar para cuidar de mim, de um descanso, de uma leitura, de uma meditação. Nesses momentos bons para esfriar as emoções e refletir de forma mais amena, acaba-se por entender situações que fugiam à compreensão.
A tese do ócio criativo, ou do ócio inspirador, é uma realidade. Permite realizar análises de si mesmo e das circunstâncias que o frenesi e o barulho dos dias de trabalho nos negam. Provavelmente, como sustenta Domenico de Masi, o sociólogo que enxergou nos novos tempos e nas tecnologias mudanças radicais, evoluímos mais nos últimos cem anos que nos milhões que nos antecederam, e em ritmo acelerado nos últimos dez anos se realizaram mais mudanças que nos 50 anteriores. A humanidade enfrenta um momento novo e surpreendente rumo ao desconhecido, à quebra de limites e paradigmas que pareciam inquebrantáveis.
Os valores estão se realinhando e deixando em segundo plano os recursos materiais, o que mais emerge são os valores relacionados à inteligência artificial. Até as moedas lastreadas em metais e matérias-primas estão perdendo o passo para moedas digitais e virtuais.
Apesar de mergulhados no egoísmo e no medo que obscurece a compreensão, vivemos uma virada de página; surge a humanidade, que era apenas uma ficção, com consciência de seu envolvimento cósmico, que enxerga além do planeta Terra e cada vez mais para o alto e para o infinito.
Estão ruindo os velhos sistemas com o aparecimento da verdade, a quebra dos dogmas, a revelação de fatos que faziam parte apenas de um imaginário distante. Quebram-se tabus, descortinam-se revelações, perdem-se medos, geram-se sentimentos de responsabilidades além da família, do bairro, da cidade ou da nação.
Os desafios ambientais, a preservação do sistema e do equilíbrio global despertam atenções para a responsabilidade com o ambiente. Hoje compreende-se aquele ditado estranho do monge zen: “Uma folha que cai na floresta da Malásia altera até a realidade da América”.
A interligação planetária reforça os elos humanitários, que nunca se fizeram sentir no milênio passado. Despertou-se em todos os continentes a relevância das escolhas e dos métodos em qualquer ponto do globo. Todos, enfim, estamos a bordo do mesmo “navio”, e qualquer furo no casco coloca em risco de naufrágio todos os ocupantes, mesmo aqueles que viajam na cabine de luxo. E sobretudo deles se exige responsabilidade.
Isso desperta e sensibilizará ainda mais as novas gerações, que como nunca são abastecidas de uma avalanche de informações e levadas a níveis de compreensão eclética até então inimagináveis. Amplia-se a consciência, e ela será preponderante no futuro como nunca foi no passado.
Nas profecias a nova época, que está apenas no começo, seja ela citada como a Era do Ouro, ou de Aquário, ou da Sexta Raça, representa um retorno a um estado espiritual mais elevado, de valores imateriais.
Para quem visitou Auroville, no sul da Índia, lá está o Matrimandir plantado no meio da representação estilizada da galáxia, sistema pelo qual se ordena não apenas o macrocosmo, como também o microcosmo e as células que aos bilhões formam nosso corpo.
O que valeu até o limiar do novo milênio está destinado a ser superado, o que parecia sólido como era uma Kodak pode ser tragado em poucos anos, e novas descobertas deixarão obsoletos setores como o petrolífero, o energético e outros que ditaram lei nos últimos cem anos.
Cabe ao homem descobrir seu potencial ilimitado, além da matéria. Feito à semelhança de Deus, na realidade é ele um deus para o qual não tem limite. Como escreveu há mais de 140 anos H.P. Blavatsky, o infinito é o nosso destino. “Não temas! Sob o hálito do medo enferruja a chave da evolução, e a chave enferrujada já não pode abrir... Quanto mais avançares, mais e mais serão os perigos que cercarão os teus passos. O caminho que segue para adiante é iluminado por uma chama, a luz da audácia ardendo no coração. Quanto mais ousares, mais conseguirás. Quanto mais temeres, mais a luz esmorecerá – e só ela pode te guiar”.
Isso que acontece hoje é para o bem, e o bem atingirá quem não tiver medo das mudanças.
Vittorio Medioli
A tese do ócio criativo, ou do ócio inspirador, é uma realidade. Permite realizar análises de si mesmo e das circunstâncias que o frenesi e o barulho dos dias de trabalho nos negam. Provavelmente, como sustenta Domenico de Masi, o sociólogo que enxergou nos novos tempos e nas tecnologias mudanças radicais, evoluímos mais nos últimos cem anos que nos milhões que nos antecederam, e em ritmo acelerado nos últimos dez anos se realizaram mais mudanças que nos 50 anteriores. A humanidade enfrenta um momento novo e surpreendente rumo ao desconhecido, à quebra de limites e paradigmas que pareciam inquebrantáveis.
Os valores estão se realinhando e deixando em segundo plano os recursos materiais, o que mais emerge são os valores relacionados à inteligência artificial. Até as moedas lastreadas em metais e matérias-primas estão perdendo o passo para moedas digitais e virtuais.
Apesar de mergulhados no egoísmo e no medo que obscurece a compreensão, vivemos uma virada de página; surge a humanidade, que era apenas uma ficção, com consciência de seu envolvimento cósmico, que enxerga além do planeta Terra e cada vez mais para o alto e para o infinito.
Igor Morski |
Os desafios ambientais, a preservação do sistema e do equilíbrio global despertam atenções para a responsabilidade com o ambiente. Hoje compreende-se aquele ditado estranho do monge zen: “Uma folha que cai na floresta da Malásia altera até a realidade da América”.
A interligação planetária reforça os elos humanitários, que nunca se fizeram sentir no milênio passado. Despertou-se em todos os continentes a relevância das escolhas e dos métodos em qualquer ponto do globo. Todos, enfim, estamos a bordo do mesmo “navio”, e qualquer furo no casco coloca em risco de naufrágio todos os ocupantes, mesmo aqueles que viajam na cabine de luxo. E sobretudo deles se exige responsabilidade.
Isso desperta e sensibilizará ainda mais as novas gerações, que como nunca são abastecidas de uma avalanche de informações e levadas a níveis de compreensão eclética até então inimagináveis. Amplia-se a consciência, e ela será preponderante no futuro como nunca foi no passado.
Nas profecias a nova época, que está apenas no começo, seja ela citada como a Era do Ouro, ou de Aquário, ou da Sexta Raça, representa um retorno a um estado espiritual mais elevado, de valores imateriais.
Para quem visitou Auroville, no sul da Índia, lá está o Matrimandir plantado no meio da representação estilizada da galáxia, sistema pelo qual se ordena não apenas o macrocosmo, como também o microcosmo e as células que aos bilhões formam nosso corpo.
O que valeu até o limiar do novo milênio está destinado a ser superado, o que parecia sólido como era uma Kodak pode ser tragado em poucos anos, e novas descobertas deixarão obsoletos setores como o petrolífero, o energético e outros que ditaram lei nos últimos cem anos.
Cabe ao homem descobrir seu potencial ilimitado, além da matéria. Feito à semelhança de Deus, na realidade é ele um deus para o qual não tem limite. Como escreveu há mais de 140 anos H.P. Blavatsky, o infinito é o nosso destino. “Não temas! Sob o hálito do medo enferruja a chave da evolução, e a chave enferrujada já não pode abrir... Quanto mais avançares, mais e mais serão os perigos que cercarão os teus passos. O caminho que segue para adiante é iluminado por uma chama, a luz da audácia ardendo no coração. Quanto mais ousares, mais conseguirás. Quanto mais temeres, mais a luz esmorecerá – e só ela pode te guiar”.
Isso que acontece hoje é para o bem, e o bem atingirá quem não tiver medo das mudanças.
Vittorio Medioli
Idiota
Membro de uma grande e poderosa tribo cuja influência nos assuntos humanos sempre foi dominadora e controladoraAmbrose Bierce
Que Supremo é este?
Foi-se o tempo em que o Supremo Tribunal Federal (STF) era a ermida da Constituição e das leis, o fiel depositário da confiança da Nação de que naquela Corte está fincada a última e intransponível barreira contra o arbítrio, os arranjos de ocasião e todas as demais ameaças à democracia. Não se quer dizer, é evidente, que o STF deveria ser um escravo da opinião pública e que a simpatia dos cidadãos seja, por si só, um objetivo a ser perseguido. O apreço da sociedade à Corte é corolário de um conjunto de decisões lá tomadas em harmonia com o ordenamento jurídico e sua própria jurisprudência. Mas não é isto que se tem visto nestes tempos estranhos.
Na escalada de absurdos que têm marcado o comportamento da atual composição da Corte Suprema, o mais novo degrau foi superado pelo ministro Dias Toffoli. Com apenas um despacho, o ministro realizou a proeza de derrubar uma decisão soberana do Senado e, ao mesmo tempo, enxovalhar a Lei da Ficha Limpa. Como se trata de uma lei de iniciativa popular, não é exagero dizer que Dias Toffoli zombou de um legítimo anseio da sociedade que, democraticamente, foi acolhido pelo Congresso Nacional.
Por meio de uma ação de reclamação constitucional, da qual o ministro Dias Toffoli é relator, o ex-senador Demóstenes Torres, ainda procurador do Ministério Público de Goiás, requereu ao STF a sustação dos efeitos da Resolução 20 do Senado, que em 2012 cassou o seu mandato por quebra de decoro parlamentar e suspeita de uso do cargo para defender os interesses do empresário Carlos Augusto Ramos, conhecido como Carlinhos Cachoeira. Como efeito imediato da cassação, ele perdeu os direitos políticos até 2027.
A reclamação baseia-se em uma decisão do próprio STF que considerou nulas as escutas telefônicas feitas durante as Operações Vegas e Montecarlo, que investigaram o envolvimento de Carlinhos Cachoeira na exploração de jogos de azar e corrupção. Assim, o Processo Administrativo Disciplinar (PAD) no âmbito do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) ao qual Demóstenes Torres foi submetido também foi anulado.
Ao acionar o Supremo, o ex-senador pretendia, a um só tempo, obter liminar que lhe devolvesse o mandato até 2019, quando se encerraria, e sustar sua inelegibilidade.
Talvez inspirado pela decisão esdrúxula de seu colega de Corte Ricardo Lewandowski, que ao presidir o processo de impeachment da presidente cassada Dilma Rousseff a julgou indigna de permanecer no cargo, mas não a impediu de tentar obter outros mandatos eletivos, mantendo seus direitos políticos ao arrepio do que diz a Constituição, Dias Toffoli negou o pedido de Demóstenes Torres para voltar ao Senado, mas suspendeu sua inelegibilidade. Assim, o ex-senador não é mais considerado um “ficha-suja” e pode concorrer nas eleições de outubro, quando pretende obter nova vaga no Senado.
O espantoso na decisão do ministro Dias Toffoli é que, ao mesmo tempo que reconhece a legitimidade do processo político no Senado, se arvora, em seguida, em tutor de decisões de outro Poder, papel que não lhe é conferido pela Carta Magna. “Entendo que no caso (da cassação do mandato) se aplica a jurisprudência reiterada desta Suprema Corte acerca da independência entre as instâncias (penal e política) para afirmar a legitimidade da instauração do processo pelo Senado Federal antes de finalizado o processo penal”, diz o ministro em decisão liminar.
A “urgência” da decisão se deve ao prazo para que Demóstenes Torres possa se desincompatibilizar do cargo de procurador do Ministério Público de Goiás a tempo de se filiar a um partido e pleitear o novo mandato eletivo. Esta foi a razão da liminar concedida pelo ministro Dias Toffoli, que ignorou solenemente o fato de que a cassação de um mandato eletivo é acompanhada pela perda dos direitos políticos do parlamentar cassado.
Diante de mais um flagrante desrespeito à lei, a pergunta se impõe: que Supremo é este? Ao decidirem assim, os ministros transmitem à sociedade a mensagem de que a lei são eles, que decidem desta ou daquela forma porque podem e porque querem.
Editorial - O Estado de S.Paulo
Na escalada de absurdos que têm marcado o comportamento da atual composição da Corte Suprema, o mais novo degrau foi superado pelo ministro Dias Toffoli. Com apenas um despacho, o ministro realizou a proeza de derrubar uma decisão soberana do Senado e, ao mesmo tempo, enxovalhar a Lei da Ficha Limpa. Como se trata de uma lei de iniciativa popular, não é exagero dizer que Dias Toffoli zombou de um legítimo anseio da sociedade que, democraticamente, foi acolhido pelo Congresso Nacional.
A reclamação baseia-se em uma decisão do próprio STF que considerou nulas as escutas telefônicas feitas durante as Operações Vegas e Montecarlo, que investigaram o envolvimento de Carlinhos Cachoeira na exploração de jogos de azar e corrupção. Assim, o Processo Administrativo Disciplinar (PAD) no âmbito do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) ao qual Demóstenes Torres foi submetido também foi anulado.
Ao acionar o Supremo, o ex-senador pretendia, a um só tempo, obter liminar que lhe devolvesse o mandato até 2019, quando se encerraria, e sustar sua inelegibilidade.
Talvez inspirado pela decisão esdrúxula de seu colega de Corte Ricardo Lewandowski, que ao presidir o processo de impeachment da presidente cassada Dilma Rousseff a julgou indigna de permanecer no cargo, mas não a impediu de tentar obter outros mandatos eletivos, mantendo seus direitos políticos ao arrepio do que diz a Constituição, Dias Toffoli negou o pedido de Demóstenes Torres para voltar ao Senado, mas suspendeu sua inelegibilidade. Assim, o ex-senador não é mais considerado um “ficha-suja” e pode concorrer nas eleições de outubro, quando pretende obter nova vaga no Senado.
O espantoso na decisão do ministro Dias Toffoli é que, ao mesmo tempo que reconhece a legitimidade do processo político no Senado, se arvora, em seguida, em tutor de decisões de outro Poder, papel que não lhe é conferido pela Carta Magna. “Entendo que no caso (da cassação do mandato) se aplica a jurisprudência reiterada desta Suprema Corte acerca da independência entre as instâncias (penal e política) para afirmar a legitimidade da instauração do processo pelo Senado Federal antes de finalizado o processo penal”, diz o ministro em decisão liminar.
A “urgência” da decisão se deve ao prazo para que Demóstenes Torres possa se desincompatibilizar do cargo de procurador do Ministério Público de Goiás a tempo de se filiar a um partido e pleitear o novo mandato eletivo. Esta foi a razão da liminar concedida pelo ministro Dias Toffoli, que ignorou solenemente o fato de que a cassação de um mandato eletivo é acompanhada pela perda dos direitos políticos do parlamentar cassado.
Diante de mais um flagrante desrespeito à lei, a pergunta se impõe: que Supremo é este? Ao decidirem assim, os ministros transmitem à sociedade a mensagem de que a lei são eles, que decidem desta ou daquela forma porque podem e porque querem.
Editorial - O Estado de S.Paulo
IBGE e FGV deveriam calcular o PIB da corrupção e seus efeitos no país
É exatamente isso, o IBGE e a Fundação Getúlio Vargas, responsáveis pela produção de tantos índices econômicos, sociais e financeiros, deveriam dedicar também uma parte de seu tempo para pesquisar, encontrar e revelar à opinião pública o Produto Interno Bruto da corrupção brasileira e expor seus reflexos em todo o país, especialmente no que se refere à concentração de renda cada vez maior. Escrevo este artigo inspirado na reportagem de Thiago Bronzeatto, publicada na revista Veja, que chegou as bancas neste sábado. Bronzeatto concentrou-se em torno das múltiplas faces da corrupção que atingiu o Porto de Santos e várias empresas que nele operam.
Fantástica a trama, denunciada em 2001, revivida agora em 2018. Mais uma etapa da série que parece interminável, sobre as ações que têm origem no suborno, passam pelo assalto ao dinheiro público e alcançam em cheio a sociedade brasileira.
Alcançam em cheio o país, porque nada mais concentrador de renda do que a corrupção. Simplesmente porque só têm acesso a ela, em larga escala, as classes melhor situadas na pirâmide sócio econômica do país. Uma verdadeira montanha de dinheiro público é desviada para corromper, superfaturar contratos, distribuir comissões indevidas e ilícitas.
No maremoto dessa corrupção encontram-se invariavelmente administradores públicos, políticos dos mais altos escalões, além de pessoas jurídicas do sistema bancário. Sim, porque sem os bancos seriam impossíveis as remessas de dinheiro para o exterior. Basta ver o exemplo de Geddel Vieira Lima que transformou um apartamento em Salvador em verdadeiro museu em 51 milhões de reais.
Os efeitos sociais do produto da corrupção são enormes, todos recaindo contra os trabalhadores e trabalhadoras que enfrentam enormes dificuldades para exercer seu simples direito de existir dignamente. Pagam impostos e não recebem em troca serviços de saúde adequados, segurança pública, educação e saneamento.
Em matéria de segurança, o Rio de Janeiro é um dos exemplos mais marcantes de uma tragédia em capítulos diários. E o que dizer dos serviços de saúde? Quantas pessoas morrem diariamente em face da inexistência de recursos para o setor essencial que limita a própria vida humana.
É indispensável fazer-se o cálculo que estou propondo ao IBGE e a Fundação Getúlio Vargas. Tal pesquisa deve ser iniciada a partir de Brasília, motor maior que impulsiona um sistema amplamente corrupto e cujo desfecho está no bolso das classes assalariadas.
Quanto custa a corrupção repetida? Bilhões e bilhões de reais que circulam dentro do círculo em que se situa o Produto Interno Bruto do país, hoje na escala de 6,6 trilhões de reais. Os efeitos da corrupção estão também embutidos na dívida líquida do Brasil, de 3,7 trilhões de reais. Somando-se mais um trilhão chega-se à dívida interna bruta, aquela que é lastreada pela colocação no mercado de notas do Tesouro Nacional.
A pergunta objetiva que se deve revelar, tarefa do IBGE e da FGV, é em que montante o produto da corrupção situa-se no PIB do país. A parcela não será pequena, sobretudo levando-se em conta sua imensa acumulação através do tempo. Porém, para facilitar a tarefa, proponho que o produto da corrupção seja estimado a partir de 2003 para 2018. O resultado levará a um abismo financeiro.
Um abismo que terá de ser transposto da realidade de hoje para as urnas de outubro.
Fantástica a trama, denunciada em 2001, revivida agora em 2018. Mais uma etapa da série que parece interminável, sobre as ações que têm origem no suborno, passam pelo assalto ao dinheiro público e alcançam em cheio a sociedade brasileira.
No maremoto dessa corrupção encontram-se invariavelmente administradores públicos, políticos dos mais altos escalões, além de pessoas jurídicas do sistema bancário. Sim, porque sem os bancos seriam impossíveis as remessas de dinheiro para o exterior. Basta ver o exemplo de Geddel Vieira Lima que transformou um apartamento em Salvador em verdadeiro museu em 51 milhões de reais.
Os efeitos sociais do produto da corrupção são enormes, todos recaindo contra os trabalhadores e trabalhadoras que enfrentam enormes dificuldades para exercer seu simples direito de existir dignamente. Pagam impostos e não recebem em troca serviços de saúde adequados, segurança pública, educação e saneamento.
Em matéria de segurança, o Rio de Janeiro é um dos exemplos mais marcantes de uma tragédia em capítulos diários. E o que dizer dos serviços de saúde? Quantas pessoas morrem diariamente em face da inexistência de recursos para o setor essencial que limita a própria vida humana.
É indispensável fazer-se o cálculo que estou propondo ao IBGE e a Fundação Getúlio Vargas. Tal pesquisa deve ser iniciada a partir de Brasília, motor maior que impulsiona um sistema amplamente corrupto e cujo desfecho está no bolso das classes assalariadas.
Quanto custa a corrupção repetida? Bilhões e bilhões de reais que circulam dentro do círculo em que se situa o Produto Interno Bruto do país, hoje na escala de 6,6 trilhões de reais. Os efeitos da corrupção estão também embutidos na dívida líquida do Brasil, de 3,7 trilhões de reais. Somando-se mais um trilhão chega-se à dívida interna bruta, aquela que é lastreada pela colocação no mercado de notas do Tesouro Nacional.
A pergunta objetiva que se deve revelar, tarefa do IBGE e da FGV, é em que montante o produto da corrupção situa-se no PIB do país. A parcela não será pequena, sobretudo levando-se em conta sua imensa acumulação através do tempo. Porém, para facilitar a tarefa, proponho que o produto da corrupção seja estimado a partir de 2003 para 2018. O resultado levará a um abismo financeiro.
Um abismo que terá de ser transposto da realidade de hoje para as urnas de outubro.
O calvário institucional do País
“Não se conhece, no mundo civilizado, um país que exija o trânsito em julgado”, proclamava, há 17 meses, o ministro Gilmar Mendes, na ocasião em que, pela terceira vez, o STF firmava jurisprudência favorável à prisão em segundo grau.
Hoje, Gilmar pensa (ou pelo menos sustenta) o contrário, rebaixando o Brasil à condição, segundo critério que então evocou, de país não civilizado. O tema será objeto de novo exame pelo STF.
Um fato novo o impôs. Não é de ordem jurídica, doutrinária ou moral, mas político-partidária. Tem nome e CPF: chama-se Lula.
As consequências, jurídicas e políticas (para não falar morais), serão gravíssimas. Com base na prisão em segunda instância, grande parte da clientela do Petrolão está presa. E não só ela, mas uma vasta falange de assassinos, estupradores, pedófilos e criminosos de todos os tipos e matizes. Terão de ser soltos, se Lula não for preso.
Condenado em segunda instância, por unanimidade, pelo TRF-4, com prisão decretada, Lula já estaria preso, não fosse uma liminar verbal impetrada por seu advogado, da tribuna do STF.
Fato inédito. Nem precisou ajuizar coisa alguma, papéis, protocolos – nada. Aproveitou a interrupção do julgamento, que acabara de ser adiado por duas semanas – embora convocado em caráter de urgência -, para, da tribuna, propor, e ver aceita, a suspensão da prisão. Tudo muito simples, muito sumário.
A pantomima, no entanto, incendiou o país. E colocou o STF, que se arvora em poder moderador da República, como epicentro da crise. Desde o impeachment de Dilma, não se via nada igual. Os movimentos de rua estão excitadíssimos e tudo indica que as manifestações programadas para os dias 3 e 4 farão barulho.
O habeas corpus preventivo de Lula, que será julgado dia 4, equivale a seu impeachment. A crise voltou a ter um rosto, um símbolo unificador da indignação popular, o que não ocorria desde a queda de Dilma. O dramático é a circunstância de a mais alta Corte de Justiça do país não ser a solução, mas a causa da crise.
É vista, neste momento, como guardiã não da Constituição, mas da corrupção. Tudo isso ocorre simultaneamente ao sucesso de uma série de TV, “O Mecanismo”, que, parodiando o Petrolão, confere ao Supremo o papel de instância salvadora dos criminosos.
A vida imita a arte. E a reação petista agrava o quadro. É uma reação de desafio, em que o pivô da crise, Lula, em vez de se recolher à sua condição de condenado e réu em mais seis processos, sai em caravana pelo sul do país, desancando os juízes que o condenaram e ofendendo os que se incomodam com isso.
De quebra, simula atentados que só convencem os que o produziram – eles próprios. As primeiras avaliações de especialistas indicam que os tiros, de calibre 22, foram dados com o ônibus parado, o que fez com que os petistas mudassem de assunto.
Nesse ínterim, o STF solta prisioneiros de colarinho branco – como Paulo Maluf – e limpa a ficha de um ex-senador, cassado por corrupção, Demóstenes Torres, o que cria precedente para limpar a de Lula, viabilizando sua candidatura.
Para atenuar a farra, prendem-se alguns amigos do presidente da República, Michel Temer, envolvidos em tramoias ligadas ao porto de Santos. É louvável e necessário, mas não como compensação à impunidade de Lula. Mantida a blindagem, a crise continua.
Ruy Fabiano
Hoje, Gilmar pensa (ou pelo menos sustenta) o contrário, rebaixando o Brasil à condição, segundo critério que então evocou, de país não civilizado. O tema será objeto de novo exame pelo STF.
Um fato novo o impôs. Não é de ordem jurídica, doutrinária ou moral, mas político-partidária. Tem nome e CPF: chama-se Lula.
As consequências, jurídicas e políticas (para não falar morais), serão gravíssimas. Com base na prisão em segunda instância, grande parte da clientela do Petrolão está presa. E não só ela, mas uma vasta falange de assassinos, estupradores, pedófilos e criminosos de todos os tipos e matizes. Terão de ser soltos, se Lula não for preso.
Condenado em segunda instância, por unanimidade, pelo TRF-4, com prisão decretada, Lula já estaria preso, não fosse uma liminar verbal impetrada por seu advogado, da tribuna do STF.
Fato inédito. Nem precisou ajuizar coisa alguma, papéis, protocolos – nada. Aproveitou a interrupção do julgamento, que acabara de ser adiado por duas semanas – embora convocado em caráter de urgência -, para, da tribuna, propor, e ver aceita, a suspensão da prisão. Tudo muito simples, muito sumário.
A pantomima, no entanto, incendiou o país. E colocou o STF, que se arvora em poder moderador da República, como epicentro da crise. Desde o impeachment de Dilma, não se via nada igual. Os movimentos de rua estão excitadíssimos e tudo indica que as manifestações programadas para os dias 3 e 4 farão barulho.
O habeas corpus preventivo de Lula, que será julgado dia 4, equivale a seu impeachment. A crise voltou a ter um rosto, um símbolo unificador da indignação popular, o que não ocorria desde a queda de Dilma. O dramático é a circunstância de a mais alta Corte de Justiça do país não ser a solução, mas a causa da crise.
É vista, neste momento, como guardiã não da Constituição, mas da corrupção. Tudo isso ocorre simultaneamente ao sucesso de uma série de TV, “O Mecanismo”, que, parodiando o Petrolão, confere ao Supremo o papel de instância salvadora dos criminosos.
A vida imita a arte. E a reação petista agrava o quadro. É uma reação de desafio, em que o pivô da crise, Lula, em vez de se recolher à sua condição de condenado e réu em mais seis processos, sai em caravana pelo sul do país, desancando os juízes que o condenaram e ofendendo os que se incomodam com isso.
De quebra, simula atentados que só convencem os que o produziram – eles próprios. As primeiras avaliações de especialistas indicam que os tiros, de calibre 22, foram dados com o ônibus parado, o que fez com que os petistas mudassem de assunto.
Nesse ínterim, o STF solta prisioneiros de colarinho branco – como Paulo Maluf – e limpa a ficha de um ex-senador, cassado por corrupção, Demóstenes Torres, o que cria precedente para limpar a de Lula, viabilizando sua candidatura.
Para atenuar a farra, prendem-se alguns amigos do presidente da República, Michel Temer, envolvidos em tramoias ligadas ao porto de Santos. É louvável e necessário, mas não como compensação à impunidade de Lula. Mantida a blindagem, a crise continua.
Ruy Fabiano
Sem consciência
As velhinhas ladras do Japão
Reza a sabedoria popular “que, quando jovens, somos guerreiros; quando adultos, agricultores; quando idosos, sábios que ensinarão jovens a lutar e adultos a plantar”. Bons tempos aqueles em que a sociedade valorizava os mais experientes e maduros, reservando-lhes papel nobre e destacado.
Os chefes tribais, os pajés, os conselheiros. Ainda hoje isso prevalece em regiões menos urbanizadas, mais rurais ou isoladas. Esquimós têm seu código de conduta moral e ético milenar, que funciona melhor do que quase todas as formas de justiça e policiamento conhecidas, assim como tribos nômades ou africanas. Sempre no absoluto respeito à sabedoria dos ancestrais e mais velhos.
Cada vez, vive-se mais e lamentavelmente pior. Párias da sociedade a exigirem cuidados, sem mobilidade, pouco aproveitados ou quase excluídos da sociedade digital, rápida, cheia de fake news, torturados por doenças crônicas e dependentes de cuidadores ou filhos cada vez menos disponíveis e sem tempo.
E falamos de nós mesmos daqui a algumas décadas, pois o envelhecimento populacional é espantoso. Haverá garantias, aposentadorias, direitos e, principalmente, dignidade e qualidade de vida, capazes de nos resgatar de demências, abandono, solidão e sensação de párias da sociedade?
Fora as lendas urbanas de eterna juventude, procedimentos cirúrgicos estéticos, ficção de ciborgues, o que se avizinha é o empobrecimento da sabedoria, do respeito, das tradições e toda uma riqueza de vida que jovens e adultos perdem ao não partilharem um ouvido atento, um tempo sagrado investido no convívio com nossos pais, avós, bisavós e demais idosos que nos cercam. Afinal, glorifico a dádiva de ter sido neto do Zé Cocão, nascido no sertão mineiro, pros lados de Abaeté, Dores do Indaiá, Quartel Geral.
Os chefes tribais, os pajés, os conselheiros. Ainda hoje isso prevalece em regiões menos urbanizadas, mais rurais ou isoladas. Esquimós têm seu código de conduta moral e ético milenar, que funciona melhor do que quase todas as formas de justiça e policiamento conhecidas, assim como tribos nômades ou africanas. Sempre no absoluto respeito à sabedoria dos ancestrais e mais velhos.
Triste, pois me chega a manchete “Velhinhas japonesas têm cometido, intencionalmente, pequenos furtos para forçar sua detenção e, assim, libertar-se de sua solidão “ . Como assim? Logo o Japão, tido como um país que valoriza sua enorme população de idosos?
Cada vez, vive-se mais e lamentavelmente pior. Párias da sociedade a exigirem cuidados, sem mobilidade, pouco aproveitados ou quase excluídos da sociedade digital, rápida, cheia de fake news, torturados por doenças crônicas e dependentes de cuidadores ou filhos cada vez menos disponíveis e sem tempo.
E falamos de nós mesmos daqui a algumas décadas, pois o envelhecimento populacional é espantoso. Haverá garantias, aposentadorias, direitos e, principalmente, dignidade e qualidade de vida, capazes de nos resgatar de demências, abandono, solidão e sensação de párias da sociedade?
Fora as lendas urbanas de eterna juventude, procedimentos cirúrgicos estéticos, ficção de ciborgues, o que se avizinha é o empobrecimento da sabedoria, do respeito, das tradições e toda uma riqueza de vida que jovens e adultos perdem ao não partilharem um ouvido atento, um tempo sagrado investido no convívio com nossos pais, avós, bisavós e demais idosos que nos cercam. Afinal, glorifico a dádiva de ter sido neto do Zé Cocão, nascido no sertão mineiro, pros lados de Abaeté, Dores do Indaiá, Quartel Geral.
Temer atingiu o estágio da amoralidade imperial
Danem-se as evidências. Michel Temer ancorou sua biografia política no porto de Santos há duas décadas. Em 1999, ACM já o fustigava: “Se abrirem um inquérito sobre o porto de Santos, Temer ficará péssimo.” Finalmente, abriram o inquérito. Reuniram-se indícios para justificar a prisão provisória de 13 pessoas. Entre os presos há um “faz-tudo” de Temer. Tem nome de laranja: Coronel Lima. Esquiva-se há nove meses de prestar depoimento à PF. Há fundadas suspeitas de que recolheu propinas de empresas portuárias. Deixou digitais na reforma da casa de uma filha de Temer.
Diante do risco de amargar uma terceira denúncia criminal, Temer mandou soltar uma nota. Nela, justificou-se dizendo que “bastou a simples menção à possível candidatura para que forças obscuras surgissem para tecer novas tramas sobre velhos enredos maledicentes.” Falso. A candidatura à reeleição só existe na cabeça de Temer e de seus apologistas. A prisão dos amigos e empresários de estimação não é obra de desconhecidos obscuros. Nasceu de um pedido de Raquel Dodge, indicada pelo investigado para a chefia do Ministério Público Federal. Há na investigação interesse público, não maledicência.
Numa segunda linha de argumentação, a nota oficial disse que “tentam mais uma vez destruir a reputação do presidente Michel Temer. Usam métodos totalitários, com cerceamento dos direitos mais básicos para obter, forçadamente, testemunhos que possam ser usados em peças de acusação.” Engano. Depois do grampo do Jaburu, Temer tornou-se frequês de caderneta da Lava Jato. Coleciona duas denúnicas e dois inquéritos por corrupção. Reputação é como virgindade. Não dá segunda safra. E a de Temer está sub judici. Quanto ao inquérito, segue o manual. De resto, não há delações forçadas, mas depoimentos sonegados.
Na nota, Temer deu-se ao luxo de fazer pose de incomodado: “Repetem o enredo de 2017, quando ofereceram os maiores benefícios aos irmãos Batista para criar falsa acusação que envolvesse o presidente. Não conseguiram e repetem a trama, que, no passado, pareceu tragédia, agora soa a farsa.” Lorota. A imunidade penal concedida ao bando da JBS foi para o beleléu. Os irmãos Batista puxam prisão domiciliar. As provas que forneceram estão de pé porque a lei manda que seja assim. O fio da meada não teria sido puxado se a voz de Temer não houvesse soado no grampo que captou seu diálogo vadio com um criminoso.
O avanço do inquérito dos portos sobrecarregou o processador de Temer. Quem esteve com o presidente nas últimas 48 horas notou que ele está impaciente. Foi assim também no ano passado, quando foi obrigado a trocar o triunfalismo reformista pelo fisiologismo que remunerou o congelamento de duas denúncias na Câmara. Engolfado pelo novo inquérito, Temer faz cara de nojo e escreve na nota que querem “impedi-lo de continuar a prestar relevantes serviços ao país.”
Temer atingiu o perigoso estágio da amoralidade imperial. Acha que não deve nada a ninguém. Muito menos explicações. E lamenta que não permitam que ele continue fazendo o favor de salvar o país. Décadas de depravação impregnaram no sistema político brasileiro um fascínio antropológico pela cleptocracia. Mas Temer exagera no cinismo. A essa altura dos acontecimentos, trocar valores éticos por ajustes na economia equivaleria à atualização do velho ‘rouba, mas faz’. O Brasil merece um destino diferente.
Numa segunda linha de argumentação, a nota oficial disse que “tentam mais uma vez destruir a reputação do presidente Michel Temer. Usam métodos totalitários, com cerceamento dos direitos mais básicos para obter, forçadamente, testemunhos que possam ser usados em peças de acusação.” Engano. Depois do grampo do Jaburu, Temer tornou-se frequês de caderneta da Lava Jato. Coleciona duas denúnicas e dois inquéritos por corrupção. Reputação é como virgindade. Não dá segunda safra. E a de Temer está sub judici. Quanto ao inquérito, segue o manual. De resto, não há delações forçadas, mas depoimentos sonegados.
Na nota, Temer deu-se ao luxo de fazer pose de incomodado: “Repetem o enredo de 2017, quando ofereceram os maiores benefícios aos irmãos Batista para criar falsa acusação que envolvesse o presidente. Não conseguiram e repetem a trama, que, no passado, pareceu tragédia, agora soa a farsa.” Lorota. A imunidade penal concedida ao bando da JBS foi para o beleléu. Os irmãos Batista puxam prisão domiciliar. As provas que forneceram estão de pé porque a lei manda que seja assim. O fio da meada não teria sido puxado se a voz de Temer não houvesse soado no grampo que captou seu diálogo vadio com um criminoso.
O avanço do inquérito dos portos sobrecarregou o processador de Temer. Quem esteve com o presidente nas últimas 48 horas notou que ele está impaciente. Foi assim também no ano passado, quando foi obrigado a trocar o triunfalismo reformista pelo fisiologismo que remunerou o congelamento de duas denúncias na Câmara. Engolfado pelo novo inquérito, Temer faz cara de nojo e escreve na nota que querem “impedi-lo de continuar a prestar relevantes serviços ao país.”
Temer atingiu o perigoso estágio da amoralidade imperial. Acha que não deve nada a ninguém. Muito menos explicações. E lamenta que não permitam que ele continue fazendo o favor de salvar o país. Décadas de depravação impregnaram no sistema político brasileiro um fascínio antropológico pela cleptocracia. Mas Temer exagera no cinismo. A essa altura dos acontecimentos, trocar valores éticos por ajustes na economia equivaleria à atualização do velho ‘rouba, mas faz’. O Brasil merece um destino diferente.
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