domingo, 10 de novembro de 2024
O caminho para sair do medo
Este ano, muitas das mensagens de aniversário chegaram com desabafos de desalento. “Coragem! Este mundo está do avesso”, escrevia uma amiga. “Estou preocupado com o mundo”, acrescentava um amigo. E sempre esta ideia de que o que está à frente é pior, mesmo que o que se deseje seja celebrar esse ano que aí vem. Talvez esteja a ficar velha, pensei. Os velhos sempre acreditaram que o fim do mundo está próximo. E está. A cada morte há um mundo que se acaba. E talvez a proximidade desse final nos faça acreditar que tudo se deslassa e desaba, talvez para que nos custe menos a partida de um lugar que já não é bom.
Sim, estou a ficar velha. Mas o mundo também. O mundo envelhece quando perde a esperança. Deixar de sonhar é o primeiro sinal de degenerescência, de desistência e, enfim, de falência.
Como continuar se não acreditamos que o que aí vem é melhor? E não me refiro ao punhado de amigos que envelhece comigo, mas a esta ideia que se foi instalando no âmago de todos de que não há alternativas. A ideia de que a utopia deixou de ser o lugar com que se sonha para se esfumar num riso de escárnio descrente. A ideia de que tudo o que está mal não tem remédio e de que não há nada que possamos fazer para o mudar.
A desistência é a pior de todas as derrotas. O desânimo é o pior de todos os venenos. Deixa-nos a apodrecer lentamente. Faz com que todas as coisas se equivalham. Não há bem nem há mal. Há um encolher de ombros perpétuo e desalentado.
E é no meio disso que melhor nasce a raiva. A raiva é o que sobra quando acreditamos que não há um movimento que nos leve para um lugar melhor. A raiva faz-nos esbracejar. E esbracejar parece ser o único movimento que nos resta. Por isso, esbracejamos. Enraivecemo-nos.
Mas a raiva precisa de combustível. Para a manter acesa é preciso o ódio. É preciso encontrar inimigos. Não temos para onde ir, mas encontramos um objetivo neste ódio que alimenta a raiva e nos dá a ilusão de estarmos a fazer alguma coisa, quando nada mais parece possível.
A nossa raiva parece-nos justificada. Mas e a dos outros? A dos outros causa-nos medo. Porque sabemos que também nós seremos um dia incinerados nessa pira de raiva e ódio. Mesmo quando fingimos achar que estamos a salvo, tememos secretamente esta raiva que nos rodeia. Sabemos que é cega e tem fome de vítimas.
É por o sabermos que tememos o mundo. Vemos ao longe, como uma vaga que se agiganta, essa tempestade que sabemos que virá para nos engolir.
Chegou-me por estes dias, por mensagem, uma frase atribuída a Hannah Arendt. “Vivemos tempos sombrios. As piores pessoas perderam o medo e as melhores a esperança”. E é nesta mensagem, aparentemente desalentada, que podemos encontrar essa esperança que se diz perdida.
É que Arendt viu o horror e sobreviveu-lhe. Os que, como eu, nasceram muito depois pisaram esse chão aberto e limpo de promessa e liberdade, construído sobre os escombros da derrota do que há de pior na Humanidade.
E é por aí que temos de ir, sabendo que a cada onda de medo e opressão que se aproxima, cabe-nos dar o peito e mostrar o caminho, porque ele existe, mas apenas se acreditarmos nele. Quando o começarmos a imaginar, ele começará a aparecer. E, então, estas frases de desalento parecerão apenas a memória de umas trevas que já deixámos (outra vez) para trás.
Margarida Davim
Sim, estou a ficar velha. Mas o mundo também. O mundo envelhece quando perde a esperança. Deixar de sonhar é o primeiro sinal de degenerescência, de desistência e, enfim, de falência.
Como continuar se não acreditamos que o que aí vem é melhor? E não me refiro ao punhado de amigos que envelhece comigo, mas a esta ideia que se foi instalando no âmago de todos de que não há alternativas. A ideia de que a utopia deixou de ser o lugar com que se sonha para se esfumar num riso de escárnio descrente. A ideia de que tudo o que está mal não tem remédio e de que não há nada que possamos fazer para o mudar.
A desistência é a pior de todas as derrotas. O desânimo é o pior de todos os venenos. Deixa-nos a apodrecer lentamente. Faz com que todas as coisas se equivalham. Não há bem nem há mal. Há um encolher de ombros perpétuo e desalentado.
E é no meio disso que melhor nasce a raiva. A raiva é o que sobra quando acreditamos que não há um movimento que nos leve para um lugar melhor. A raiva faz-nos esbracejar. E esbracejar parece ser o único movimento que nos resta. Por isso, esbracejamos. Enraivecemo-nos.
Mas a raiva precisa de combustível. Para a manter acesa é preciso o ódio. É preciso encontrar inimigos. Não temos para onde ir, mas encontramos um objetivo neste ódio que alimenta a raiva e nos dá a ilusão de estarmos a fazer alguma coisa, quando nada mais parece possível.
A nossa raiva parece-nos justificada. Mas e a dos outros? A dos outros causa-nos medo. Porque sabemos que também nós seremos um dia incinerados nessa pira de raiva e ódio. Mesmo quando fingimos achar que estamos a salvo, tememos secretamente esta raiva que nos rodeia. Sabemos que é cega e tem fome de vítimas.
É por o sabermos que tememos o mundo. Vemos ao longe, como uma vaga que se agiganta, essa tempestade que sabemos que virá para nos engolir.
Chegou-me por estes dias, por mensagem, uma frase atribuída a Hannah Arendt. “Vivemos tempos sombrios. As piores pessoas perderam o medo e as melhores a esperança”. E é nesta mensagem, aparentemente desalentada, que podemos encontrar essa esperança que se diz perdida.
É que Arendt viu o horror e sobreviveu-lhe. Os que, como eu, nasceram muito depois pisaram esse chão aberto e limpo de promessa e liberdade, construído sobre os escombros da derrota do que há de pior na Humanidade.
E é por aí que temos de ir, sabendo que a cada onda de medo e opressão que se aproxima, cabe-nos dar o peito e mostrar o caminho, porque ele existe, mas apenas se acreditarmos nele. Quando o começarmos a imaginar, ele começará a aparecer. E, então, estas frases de desalento parecerão apenas a memória de umas trevas que já deixámos (outra vez) para trás.
Margarida Davim
Investir na democracia
Golpistas brasileiros festejaram a vitória de Donald Trump na eleição americana, como se isso fosse um sinal para a anistia a quem depredou Brasília e tentou derrubar o governo em 8 de janeiro de 2023. Anistia se aplica geralmente a crimes comuns e, em situações muito especiais, a crimes políticos, quando se restabelece a democracia e se busca a reconciliação. Convém cuidar do assunto com muita prudência. A democracia sobreviveu ao golpismo, as sedes dos Poderes foram restauradas e a rotina institucional foi mantida, como se comprovou nas eleições deste ano. Mas a extrema direita pouco ou nada mudou. Continua a desfrutar dos direitos e liberdades comuns, como fazem os extremistas em todas as democracias, e a esperar novas oportunidades para destruir a ordem constitucional.
Não basta, no entanto, reprimir o golpismo e defender legalmente, no dia a dia, as liberdades básicas. Pesquisas têm apontado, entre os cidadãos, preferência majoritária pelos valores democráticos, mas políticos eleitos nem sempre se mostram alinhados a essa preferência. É preciso fazer muito mais para consolidar, em todos os grupos, o compromisso com as normas fundamentais da democracia.
Esse esforço é especialmente relevante num país de enormes desigualdades econômicas e culturais, onde o conservadorismo se confunde, frequentemente, com a aceitação do autoritarismo. A mistura de religião e política, hoje mais visível do que em outras épocas do Brasil independente, torna o cenário especialmente complicado.
A extrema direita tem explorado essa mistura com empenho e com aparente sucesso. Passados 135 anos da implantação da República, ainda é necessário – e talvez mais do que em outros tempos – lembrar e reafirmar com vigor o caráter laico do Estado nacional. Esse caráter já foi respeitado, de fato, no período do Império, embora dom Pedro I tenha apresentado a Constituição de 1824 “por graça de Deus” e “em nome da Santíssima Trindade”.
Embora possa parecer estranho, o presidente da República ainda precisa, em 2024, reafirmar o Estado nacional como entidade responsável pela segurança, pelos direitos básicos e pela igualdade de todos os brasileiros, consagrados como indivíduos livres, com direitos intocáveis de cidadania e como sujeitos de uma ordem democrática.
Mas esse empenho produzirá resultados insuficientes, se faltar a esses indivíduos, ou a uma grande parte deles, a crença nessa ordem como condição essencial à sua dignidade e às suas possibilidades de bem-estar e de sucesso. Cuidar da integração de todos os grupos, incluídos os mais carentes, é, portanto, mais que uma tarefa vinculada a uma bandeira partidária. É um trabalho necessário à consolidação de uma sociedade capaz de operar de forma livremente colaborativa, apesar das diferenças entre os componentes do conjunto.
Não basta, portanto, promover o crescimento econômico, se for muito desigual o acesso ao bem-estar e a melhores condições de vida. O Brasil já viveu esse tipo de crescimento – ou de desenvolvimento, mesmo, dadas as grandes transformações nas condições de produção. A integração social nesse processo foi em geral limitada, com acesso restrito aos benefícios propiciados pelas mudanças.
Durante a grande expansão econômica iniciada na segunda metade dos anos 1960, apenas uma parcela da mão de obra teve acesso às ocupações de tecnologia mais moderna e remuneração mais elevada. A desigualdade acentuou-se, portanto, também no interior da classe trabalhadora, fato já reconhecido por analistas nos anos 1970. Embora o investimento em educação tenha aumentado nesse período, as oportunidades de formação permaneceram concentradas, assim como os benefícios econômicos da modernização profissional.
Nas décadas seguintes, Estado e setor privado continuaram fazendo muito menos que o necessário para distribuir mais amplamente as possibilidades de ascensão econômica ligadas à educação e ao treinamento. Embora reconhecida a importância econômica da escola, a política educacional nunca foi suficientemente integrada aos programas de expansão e transformação do sistema produtivo. Falou-se muito no exemplo coreano de articulação das políticas de crescimento e de educação, mas com limitados efeitos práticos. Excetuada a formação universitária, acessível a poucos e nem sempre de alta qualidade, a educação profissional continuou a depender principalmente do ensino privado e do treinamento empresarial.
Não há como cuidar com eficácia dos objetivos de integração social, de elevação das condições de vida e de valorização da ordem democrática sem combinar as políticas de crescimento econômico, de apoio aos grupos mais vulneráveis e de ambiciosa difusão das oportunidades educacionais. Não basta, obviamente, destinar grandes volumes de recursos aos chamados programas sociais. A ajuda emergencial pode ser indispensável, mas só se alcançarão resultados amplos, duradouros e relevantes para a democracia com amplo investimento na capacidade produtiva de todos os cidadãos – sempre com valorização das liberdades básicas.
Não basta, no entanto, reprimir o golpismo e defender legalmente, no dia a dia, as liberdades básicas. Pesquisas têm apontado, entre os cidadãos, preferência majoritária pelos valores democráticos, mas políticos eleitos nem sempre se mostram alinhados a essa preferência. É preciso fazer muito mais para consolidar, em todos os grupos, o compromisso com as normas fundamentais da democracia.
Esse esforço é especialmente relevante num país de enormes desigualdades econômicas e culturais, onde o conservadorismo se confunde, frequentemente, com a aceitação do autoritarismo. A mistura de religião e política, hoje mais visível do que em outras épocas do Brasil independente, torna o cenário especialmente complicado.
A extrema direita tem explorado essa mistura com empenho e com aparente sucesso. Passados 135 anos da implantação da República, ainda é necessário – e talvez mais do que em outros tempos – lembrar e reafirmar com vigor o caráter laico do Estado nacional. Esse caráter já foi respeitado, de fato, no período do Império, embora dom Pedro I tenha apresentado a Constituição de 1824 “por graça de Deus” e “em nome da Santíssima Trindade”.
Embora possa parecer estranho, o presidente da República ainda precisa, em 2024, reafirmar o Estado nacional como entidade responsável pela segurança, pelos direitos básicos e pela igualdade de todos os brasileiros, consagrados como indivíduos livres, com direitos intocáveis de cidadania e como sujeitos de uma ordem democrática.
Mas esse empenho produzirá resultados insuficientes, se faltar a esses indivíduos, ou a uma grande parte deles, a crença nessa ordem como condição essencial à sua dignidade e às suas possibilidades de bem-estar e de sucesso. Cuidar da integração de todos os grupos, incluídos os mais carentes, é, portanto, mais que uma tarefa vinculada a uma bandeira partidária. É um trabalho necessário à consolidação de uma sociedade capaz de operar de forma livremente colaborativa, apesar das diferenças entre os componentes do conjunto.
Não basta, portanto, promover o crescimento econômico, se for muito desigual o acesso ao bem-estar e a melhores condições de vida. O Brasil já viveu esse tipo de crescimento – ou de desenvolvimento, mesmo, dadas as grandes transformações nas condições de produção. A integração social nesse processo foi em geral limitada, com acesso restrito aos benefícios propiciados pelas mudanças.
Durante a grande expansão econômica iniciada na segunda metade dos anos 1960, apenas uma parcela da mão de obra teve acesso às ocupações de tecnologia mais moderna e remuneração mais elevada. A desigualdade acentuou-se, portanto, também no interior da classe trabalhadora, fato já reconhecido por analistas nos anos 1970. Embora o investimento em educação tenha aumentado nesse período, as oportunidades de formação permaneceram concentradas, assim como os benefícios econômicos da modernização profissional.
Nas décadas seguintes, Estado e setor privado continuaram fazendo muito menos que o necessário para distribuir mais amplamente as possibilidades de ascensão econômica ligadas à educação e ao treinamento. Embora reconhecida a importância econômica da escola, a política educacional nunca foi suficientemente integrada aos programas de expansão e transformação do sistema produtivo. Falou-se muito no exemplo coreano de articulação das políticas de crescimento e de educação, mas com limitados efeitos práticos. Excetuada a formação universitária, acessível a poucos e nem sempre de alta qualidade, a educação profissional continuou a depender principalmente do ensino privado e do treinamento empresarial.
Não há como cuidar com eficácia dos objetivos de integração social, de elevação das condições de vida e de valorização da ordem democrática sem combinar as políticas de crescimento econômico, de apoio aos grupos mais vulneráveis e de ambiciosa difusão das oportunidades educacionais. Não basta, obviamente, destinar grandes volumes de recursos aos chamados programas sociais. A ajuda emergencial pode ser indispensável, mas só se alcançarão resultados amplos, duradouros e relevantes para a democracia com amplo investimento na capacidade produtiva de todos os cidadãos – sempre com valorização das liberdades básicas.
Uma foto. Pelo menos uma foto com Trump, implora Bolsonaro
Uma coincidência infeliz para o pior presidente da história do Brasil desde o fim da ditadura militar de 64, quiçá mais para trás.
Bolsonaro anunciou que pedirá à justiça a liberação do seu passaporte para ir à festa de posse de Donald Trump, em janeiro.
Nas próximas semanas, Paulo Gonet, o Procurador-Geral da República, denunciará Bolsonaro por um ou mais crimes. A saber:
* tentativa de golpe contra o Estado Democrático de Direito;
* roubo de joias presenteadas ao Brasil por governos estrangeiros;
* e falsificação de certificados de vacina contra a Covid-19.
É certo que Bolsonaro será denunciado por tentativa de golpe. A Polícia Federal o indiciou pelos outros dois crimes.
O passaporte de Bolsonaro foi apreendido por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.
Logo, a liberação dependerá de Moraes, que continua sendo atacado pelos filhos e aliados mais próximos de Bolsonaro.
É Bolsonaro que garante que não pedirá. Mas desde quando, por tudo que já fez e disse, a palavra de Bolsonaro merece confiança?
No mais, como soaria aqui uma decisão de Moraes favorável a Bolsonaro depois de ele ter sido denunciado por Gonet?
Não faria sentido. E se Bolsonaro não voltasse, pareceria que tudo não passou de um acordão para que ele escapasse de ser preso.
Nenhum mandatário, nem ex, é convidado para a posse de um presidente dos Estados Unidos, uma cerimônia doméstica.
Eduardo Bolsonaro, o Zero Três, foi admitido na residência de Trump na Califórnia para acompanhar a apuração dos votos.
Não satisfeito, Eduardo cometeu a molecagem de infiltrar na residência um ex-ministro do seu pai e um parente.
Postou nas redes sociais uma foto dele, Eduardo, na companhia de Donald Trump Jr. E foi tudo o que conseguiu, saindo satisfeito.
Bolsonaro acha que poderia conseguir muito mais, talvez um aceno de Trump, pai, ou – quem sabe? – até uma foto ao seu lado.
Trump pode não ter gostado do apoio dado por Lula à candidatura de Kamala Harris, mas daí a ir além disso…
Daí a pressionar a justiça brasileira para que não condene Bolsonaro vai uma longa distância. Trump tem mais o que fazer.
Bolsonaro anunciou que pedirá à justiça a liberação do seu passaporte para ir à festa de posse de Donald Trump, em janeiro.
Nas próximas semanas, Paulo Gonet, o Procurador-Geral da República, denunciará Bolsonaro por um ou mais crimes. A saber:
* tentativa de golpe contra o Estado Democrático de Direito;
* roubo de joias presenteadas ao Brasil por governos estrangeiros;
* e falsificação de certificados de vacina contra a Covid-19.
É certo que Bolsonaro será denunciado por tentativa de golpe. A Polícia Federal o indiciou pelos outros dois crimes.
O passaporte de Bolsonaro foi apreendido por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.
Logo, a liberação dependerá de Moraes, que continua sendo atacado pelos filhos e aliados mais próximos de Bolsonaro.
Quem garante que Bolsonaro não pedirá asilo aos Estados Unidos caso Moraes permita que ele viaje ao encontro de Trump?
É Bolsonaro que garante que não pedirá. Mas desde quando, por tudo que já fez e disse, a palavra de Bolsonaro merece confiança?
No mais, como soaria aqui uma decisão de Moraes favorável a Bolsonaro depois de ele ter sido denunciado por Gonet?
Não faria sentido. E se Bolsonaro não voltasse, pareceria que tudo não passou de um acordão para que ele escapasse de ser preso.
Nenhum mandatário, nem ex, é convidado para a posse de um presidente dos Estados Unidos, uma cerimônia doméstica.
Eduardo Bolsonaro, o Zero Três, foi admitido na residência de Trump na Califórnia para acompanhar a apuração dos votos.
Não satisfeito, Eduardo cometeu a molecagem de infiltrar na residência um ex-ministro do seu pai e um parente.
Postou nas redes sociais uma foto dele, Eduardo, na companhia de Donald Trump Jr. E foi tudo o que conseguiu, saindo satisfeito.
Bolsonaro acha que poderia conseguir muito mais, talvez um aceno de Trump, pai, ou – quem sabe? – até uma foto ao seu lado.
Trump pode não ter gostado do apoio dado por Lula à candidatura de Kamala Harris, mas daí a ir além disso…
Daí a pressionar a justiça brasileira para que não condene Bolsonaro vai uma longa distância. Trump tem mais o que fazer.
A raiva triunfa nos EUA
Ao contrário do lamento e da amargura, o sentimento de raiva dá ao ser humano a sensação de ter algum poder, algum comando sobre a vida que julga estar desgraçada, desolada e esquecida no mundo. A raiva derrota o medo, diminui a solidão, compensa a desilusão com o alardeado progresso humano. A raiva, sobretudo, faz votar. E Donald Trump elegeu-se 47º presidente dos Estados Unidos em grande parte por apostar na raiva social, cultural e econômica das dezenas de milhões de cidadãos americanos que, na semana passada, o catapultaram de volta à Casa Branca.
Foi um triunfo brutal, acachapante, com ganhos em todos os cantos do país e junto a quase todos os grupos demográficos. Levou de arrasto a almejada maioria no Senado e deverá manter a maioria na Câmara. Além da indispensável vitória no Colégio Eleitoral, Trump também deverá conquistar o prêmio dos prêmios, aquele que nem sequer sua megalomania considerava atingível: a cobiçada maioria no voto popular. Chamados a escolher entre a candidatura da primeira mulher negra em 248 anos de História americana e um ex-presidente fascistoide que fugiu da Casa Branca pela porta dos fundos em 2021, o povo preferiu Trump. E pela segunda vez. De forma consciente, irretorquível e ostentatória.
Da primeira, em 2016, a liderança democrata se socorreu em explicações e racionalizações rasas — a bagagem política e a personalidade de Hillary Clinton haviam pesado demais, enquanto seu topetudo adversário republicano acenara com promessas meteóricas e uma realidade alternativa. O surgimento de Trump era uma aberração episódica, uma aposta no desconhecido de um eleitorado irresponsável, à Brexit.
Desta vez não houve voo cego. O eleitor conhecia todas as obsessões, crimes, desvarios, improvisações, malignidades e infidelidades morais ou sexuais do candidato. Ainda assim, optou por entregar o país ao magnata condenado num processo criminal, indiciado noutros três, com seis declarações de falência no currículo e dois impeachments durante o primeiro mandato. A exposição máxima da vulgaridade de Trump, de sua irresponsabilidade misturada a nacionalismo xenófobo, misoginia e mendacidade não afugentou o eleitor. Ao contrário, foram recebidos como manifestação de franqueza crua. A grande maioria dos eleitores de Trump se sentiu ouvida e representada no revanchismo escancarado do candidato.
Trump conseguiu afastar a política americana dos partidos, trocou o processo pela performance e fundiu tudo num só movimento popular. Sua adversária, Kamala Harris, não teve chance. Elencada de última hora para substituir um octogenário Joe Biden agarrado ao poder, teve apenas 107dias para desviar o país da rota trumpista. Foi triturada pelo adágio da era Nixon lembrado na autópsia do day after:
— Um vigarista sempre derrota um incauto.
Foi Trump quem conseguiu arregimentar uma improvável coalizão de diferentes que vão da área rural aos excluídos sociais.
— Os americanos não querem ser governados por gente que se formou em Columbia ou Yale. Todo mundo “das quebradas” está com Trump porque ele é o melhor gângster que vimos até hoje — diz Patrick Bet-David, popularíssimo podcaster e empresário de mídia digital com Q.G. na Flórida.
Em festas patrocinadas por ele, circulam rappers, ex-mafiosos, competidores de UFC, youtubers — recorte perfeito da nova classe política emergente do trumpismo.
Trump deve a vitória à frustração da maioria com o sistema, as instituições, a falsa meritocracia — o mesmo sistema e instituições que ele deverá comandar a partir de janeiro. Governará dentro ou à margem das normas democráticas? Na semana passada, em entrevista à Foreign Affairs, o historiador Stephen Kotkin, autor de uma biografia de Stálin em três volumes, repetiu o que diz há anos — Trump é tão americano como torta de maçã:
— Talento para o espetáculo, espírito de bucaneiro, instinto para o tudo ou nada são alguns dos traços que fizeram os Estados Unidos. Trump não é um alienígena que pousou de algum outro planeta. Não é alguém implantado no poder pelos serviços de operações da Rússia. É alguém que espelha algo profundo e duradouro da cultura americana. Basta ver as palavras que ele habita e o projetam: luta livre profissional, reality show, cassinos e jogos de azar, cultura das celebridades, redes sociais.
Kotkin não acredita que a retórica francamente antidemocrática do ex e futuro presidente desembocará em fascismo:
— Não há dúvida de que Trump tem inúmeros desejos. Também não há dúvida de que ele gostaria de exercer o mesmo tipo de controle sobre o sistema político de que dispõem Xi Jinping na China ou Putin na Rússia. Ele até já disse isso. Mas é preciso considerar o sistema como um todo, o conjunto das instituições, não apenas as fantasias de uma só pessoa.
Acontece que já são duas as pessoas com fantasias assustadoras e convergentes — os dois homens mais poderosos do mundo. Um foi eleito, o outro não. Juntos, Donald Trump e Elon Musk podem querer brincar de donos do Universo.
Foi um triunfo brutal, acachapante, com ganhos em todos os cantos do país e junto a quase todos os grupos demográficos. Levou de arrasto a almejada maioria no Senado e deverá manter a maioria na Câmara. Além da indispensável vitória no Colégio Eleitoral, Trump também deverá conquistar o prêmio dos prêmios, aquele que nem sequer sua megalomania considerava atingível: a cobiçada maioria no voto popular. Chamados a escolher entre a candidatura da primeira mulher negra em 248 anos de História americana e um ex-presidente fascistoide que fugiu da Casa Branca pela porta dos fundos em 2021, o povo preferiu Trump. E pela segunda vez. De forma consciente, irretorquível e ostentatória.
Da primeira, em 2016, a liderança democrata se socorreu em explicações e racionalizações rasas — a bagagem política e a personalidade de Hillary Clinton haviam pesado demais, enquanto seu topetudo adversário republicano acenara com promessas meteóricas e uma realidade alternativa. O surgimento de Trump era uma aberração episódica, uma aposta no desconhecido de um eleitorado irresponsável, à Brexit.
Desta vez não houve voo cego. O eleitor conhecia todas as obsessões, crimes, desvarios, improvisações, malignidades e infidelidades morais ou sexuais do candidato. Ainda assim, optou por entregar o país ao magnata condenado num processo criminal, indiciado noutros três, com seis declarações de falência no currículo e dois impeachments durante o primeiro mandato. A exposição máxima da vulgaridade de Trump, de sua irresponsabilidade misturada a nacionalismo xenófobo, misoginia e mendacidade não afugentou o eleitor. Ao contrário, foram recebidos como manifestação de franqueza crua. A grande maioria dos eleitores de Trump se sentiu ouvida e representada no revanchismo escancarado do candidato.
Trump conseguiu afastar a política americana dos partidos, trocou o processo pela performance e fundiu tudo num só movimento popular. Sua adversária, Kamala Harris, não teve chance. Elencada de última hora para substituir um octogenário Joe Biden agarrado ao poder, teve apenas 107dias para desviar o país da rota trumpista. Foi triturada pelo adágio da era Nixon lembrado na autópsia do day after:
— Um vigarista sempre derrota um incauto.
Foi Trump quem conseguiu arregimentar uma improvável coalizão de diferentes que vão da área rural aos excluídos sociais.
— Os americanos não querem ser governados por gente que se formou em Columbia ou Yale. Todo mundo “das quebradas” está com Trump porque ele é o melhor gângster que vimos até hoje — diz Patrick Bet-David, popularíssimo podcaster e empresário de mídia digital com Q.G. na Flórida.
Em festas patrocinadas por ele, circulam rappers, ex-mafiosos, competidores de UFC, youtubers — recorte perfeito da nova classe política emergente do trumpismo.
Trump deve a vitória à frustração da maioria com o sistema, as instituições, a falsa meritocracia — o mesmo sistema e instituições que ele deverá comandar a partir de janeiro. Governará dentro ou à margem das normas democráticas? Na semana passada, em entrevista à Foreign Affairs, o historiador Stephen Kotkin, autor de uma biografia de Stálin em três volumes, repetiu o que diz há anos — Trump é tão americano como torta de maçã:
— Talento para o espetáculo, espírito de bucaneiro, instinto para o tudo ou nada são alguns dos traços que fizeram os Estados Unidos. Trump não é um alienígena que pousou de algum outro planeta. Não é alguém implantado no poder pelos serviços de operações da Rússia. É alguém que espelha algo profundo e duradouro da cultura americana. Basta ver as palavras que ele habita e o projetam: luta livre profissional, reality show, cassinos e jogos de azar, cultura das celebridades, redes sociais.
Kotkin não acredita que a retórica francamente antidemocrática do ex e futuro presidente desembocará em fascismo:
— Não há dúvida de que Trump tem inúmeros desejos. Também não há dúvida de que ele gostaria de exercer o mesmo tipo de controle sobre o sistema político de que dispõem Xi Jinping na China ou Putin na Rússia. Ele até já disse isso. Mas é preciso considerar o sistema como um todo, o conjunto das instituições, não apenas as fantasias de uma só pessoa.
Acontece que já são duas as pessoas com fantasias assustadoras e convergentes — os dois homens mais poderosos do mundo. Um foi eleito, o outro não. Juntos, Donald Trump e Elon Musk podem querer brincar de donos do Universo.
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