sábado, 19 de agosto de 2017

Cuidado, não pense antes de agir

Nós, brasileiros, somos mesmo um prodígio. Não contentes em acreditar que Deus é brasileiro, somos também propensos a nos vermos como um povo divino.

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É certo que isso mudou de uns anos para cá, mas até poucas décadas atrás estávamos seguros de que iríamos usufruir de todas as coisas boas do mundo, naturalmente, sem grande esforço. Chego mesmo a pensar que aquele antigo otimismo ainda está por aí, disfarçado, só esperando a tempestade passar. Cedo ou tarde, o Deus brasileiro, a “mão invisível” ou, mais provável, um miraculoso “projeto nacional” nos libertará dessa angústia passageira que estamos vivendo.

A hipótese que venho de enunciar ajuda a compreender quão simplórias e confusas têm sido as ideias a que recorremos para enfrentar os desafios com que sucessivamente nos deparamos. Tudo se passa como se, no fundo de nossa mente, houvesse uma voz sempre a nos dizer: “Faça o que quer, não acredite no que está vendo ou ouvindo”. Ou, de uma forma mais taxativa: “Não pense antes de agir”.

Uma vista d’olhos no passado recente evidenciará a utilidade da hipótese que venho de enunciar para a compreensão da política brasileira. Duas ou três décadas atrás, era voz corrente que havíamos aprimorado o sistema presidencial de governo. Admitindo que governar com duas dúzias de partidos na Câmara era difícil, criáramos o “presidencialismo de coalizão”, um verdadeiro ovo de Colombo: bastava aquinhoá-los com ministérios e cargos, de uma forma mais ou menos proporcional; em troca, eles dariam ao Executivo todo o apoio de que ele necessitasse. Saía meio caro, mas compensava. Decorrida uma década, surgiram dúvidas; decorrida mais outra, concluímos que o ovo funcionava ao contrário do pretendido. Todas as dificuldades decorriam do “presidencialismo de coalizão”. Ele é que seria o mal dos males. Mas como poderia o nosso presidencialismo não ser de coalizão, se nossos partidos se multiplicam como coelhos, a tal ponto que nenhum consegue sequer 20% das cadeiras na Câmara? Todos os deputados então aquiesceram que aí havia realmente uma dificuldade. Urgia realizar uma reforma política a fim de frear a proliferação de partidos (até porque a maioria deles era sabidamente de araque). Adentramos, então, o labirinto das providências refreadoras: fim das coligações nas eleições legislativas, cláusula de barreira, voto distrital puro, voto distrital misto, etc., etc. E subitamente fomos parar – vejam os senhores que coisa extraordinária – no “distritão”, uma jabuticaba à altura de um povo que se vê como parte da divindade.

Outro dia me imaginei numa conversa imaginária com um dos adeptos desse sistema. Perguntei o que o levava a crer que o “distritão” reduziria o número de agremiações. Ele estufou o peito e me respondeu, com ar de notável convicção: “Elementar, Watson. O distritão liquidará todos eles. Os 26 hoje representados na Câmara serão reduzidos a zero. CQD”. Não me dei por achado. Voltando à carga, disse-lhe que, a meu juízo, atualmente só existe um partido: o PPSB – Partido dos que Pleiteiam Subsídios e Benesses. Com isso ele concordou: “Assim é, se lhe parece”, e lá se foi, apreciando seu cachimbo.

Com o dedo em riste, ordenei à voz que trazia na mente que se calasse e me perguntei se o que agora estamos fazendo sem pensar por acaso remontaria a alguma outra coisa que fizemos da mesma forma, isto é, sem pensar. É claro que sim. Tempos atrás, proibimos a participação de empresas no financiamento de campanhas eleitorais. E, convenhamos, que outra providência se poderia esperar de um país movido por um sincero e sempre renovado desejo de moralizar a política? É certo que havia um pequeno problema, mas para que servem os deputados e juristas senão para resolver pequenos problemas?

Qualquer cidadão que tenha deslizado o dedo indicador sobre as compilações do IBGE a respeito da distribuição da renda pessoal terá facilmente concluído que suprimir pura e simplesmente o financiamento empresarial inviabilizaria praticamente as contendas eleitorais. Outro problema de fácil solução: pegamos um bom naco do erário, apresentamo-lo como um fundo destinado a aprimorar nossas práticas democráticas e pronto! Pronto, nada!, terá a voz dito a algum deputado. “Assim, a frio, a opinião pública não vai digerir esse fundo. Precisamos acoplá-lo a uma reforma política profunda, meditada, abrangente.” Mas não seria mais simples voltarmos à mãe de todos os equívocos – a lei que proibiu o financiamento público – e alterá-la, instituindo registros online e tetos, ou seja, controles severos e transparentes?

Deve ser por essas e outras que o Brasil vai de vento em popa, mesmo admitindo que o vento não passe de uma suave brisa. Um século atrás acreditávamos que um país como o nosso, livre de tornados e vulcões, com um vasto território e uma inigualável dotação de recursos naturais, seria necessariamente o “país do futuro”. A essas condições básicas houve quem acrescentasse nossa índole pacífica, ou seja, o fato de a brandura de nossas relações sociais e raciais e a ausência de dissensões religiosas terem afastado em definitivo a hipótese de conflitos destrutivos entre o capital e o trabalho. Se tudo isso falhasse, tínhamos ainda um hedge colossal: a aceleração do crescimento econômico, sob a égide de um impecável sistema de planejamento.

Portanto, meus caros leitores e leitoras, não se preocupem com o vale de lágrimas que estão vendo e ouvindo. Pelo menos por enquanto, as reformas trabalhista e previdenciária serão como a viúva Porcina – aquela que foi sem nunca ter sido. Certo impacto a corrupção pode até causar no sistema político, mas fiquemos frios. Vamos agindo, passo a passo, e deixemos o pensamento para depois.

O cerco se fecha à Lava Jato. Será o fim do combate à corrupção?

Filme do festejado diretor inglês Christopher Nolan que estreou recentemente, Dunkirk reavivou em nossa memória um dos mais extraordinários eventos da Segunda Guerra Mundial. Em maio de 1940, tudo parecia perdido para os aliados. Do céu, a Luftwaffe – a Força Aérea alemã – despejava folders sobre soldados atônitos exigindo em tom ameaçador: “Rendam-se, vocês estão cercados”. A dramática situação decorreu da genial e surpreendente estratégia desenvolvida pelo general Von Mainstein, brilhantemente executada pelas tropas germânicas: irrompendo pela até então inexpugnável floresta das Ardenas na Bélgica, os nazistas dividiram os exércitos aliados, encurralaram mais de 500 mil homens em Dunquerque e, finalmente, provocaram o colapso das forças defensivas da França. Essa derrota fragorosa poderia ter selado o destino da guerra e dos aliados. A Alemanha conseguiu em apenas três semanas superar as defesas francesas e desarticular os exércitos aliados. A famosa linha Maginot, considerada a maior fortificação defensiva já construída, mostrou-se uma inutilidade em face da arrojada estratégia alemã.

Não houve, porém, rendição: entre os dias 26 de maio e 4 de junho de 1940, sob um violento bombardeio nazista, realizou-se em praia aberta o resgate de 350 mil homens pelo Canal da Mancha, de Dunquerque, na França, até Dover, na Inglaterra. Os nazistas não contavam com um fator imponderável, que estava além do poder de fogo de sua potente Força Aérea. O alto comando das Forças Armadas inglesas, diante da catástrofe, projetava resgatar de Dunquerque não mais que 40 mil soldados. No entanto, além de seus próprios meios, a Marinha britânica contou com um surpreendente reforço da população civil que possuía algum tipo de embarcação. Homens e mulheres destemidamente navegaram pelo mar conturbado da Mancha em auxílio desesperado da Força Expedicionária Britânica. Essa aglutinação quase transcendente de coragem e desprendimento permitiu que o número inicialmente cogitado de resgates fosse multiplicado por dez. E mais do que isso, reforçou os sentimentos de resiliência, confiança e solidariedade do povo britânico, que foram determinantes durante os cinco anos seguintes para a vitória final dos aliados.

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Narro esse episódio porque os acontecimentos dos últimos meses em relação ao particular combate que o Brasil trava contra a corrupção não são animadores e nos colocam em cerco que metaforicamente faz lembrar Dunquerque. Os sinais emitidos pelo Legislativo, pelo Executivo e por algumas figuras proeminentes do Judiciário, ora por gestos, ora por fala direta, ora por panfletos da imprensa, são muito claros, especialmente para quem labuta diuturnamente na investigação e no processamento dos escandalosos casos de corrupção no país: “Rendam-se, vocês estão cercados”. E, de fato, estamos mesmo sob perigoso cerco. Pior até, aparentemente isolados em uma praia de onde não é fácil divisar saída viável. Tudo leva a crer que, passado o susto inicial, o sistema político intrinsecamente corrupto que governa o país se rearranjou e fortaleceu-se. O indispensável apoio da opinião pública ao trabalho de combate à corrupção desvaneceu e parte da imprensa normalizou a lei do vale-tudo na política.

Não importa quão grotesca seja a situação de rapinagem em que a autoridade política seja surpreendida – malas de dinheiro, conversas clandestinas com criminosos, recebimento explícito de propina de milhões, nada disso parece impressionar mais –, alguns sempre preferem desviar a atenção para filigranas jurídicas e supostos excessos dos órgãos de investigação. A ideologia e até simpatias ou antipatias pessoais estão sempre acima dos fatos. Não importa se o Brasil está afundado em corrupção, se nossa elite política está completamente degenerada e parece incapaz de operar de outra forma que não seja por meios criminosos. Ao ler os jornais e ouvir algumas autoridades, temos a impressão de que, não fosse o Ministério Público e alguns corajosos juízes, o país já teria alcançado o panteão dourado do Primeiro Mundo.

É verdade que nem os mais renhidos inimigos da Lava Jato têm coragem de negar expressamente que o sistema político soçobrou na corrupção. Não é por outra razão que eles têm se valido de toda sorte de diversionismo para “estancar a sangria e manter isso aí”. O discurso inconsistente do abuso de poder tem-se revelado um mantra falacioso, mas eficiente. Vejamos o Ministério Público, por exemplo. Nenhum ato investigatório invasivo da intimidade do cidadão ou que implique restrição a sua liberdade é fruto do arbítrio da instituição. Ao contrário, para prender, realizar conduções coercitivas, afastar sigilos bancários e telefônicos, é indispensável a prévia autorização judicial. E mais. Essa autorização está sujeita a rigoroso controle das instâncias superiores por meio de um emaranhado quase infindável de recursos, isso sem falar nos incontáveis habeas corpus manejados pelas defesas.

A ser verdade que o abuso do Ministério Público seria a causa originária do mal em que o país se encontra, seria preciso também acreditar que os procuradores e promotores conseguiram imobilizar, apenas pelo dom do charme e do feitiço, o tirocínio de todo o Poder Judiciário. E mais ainda: seria aceitar que nosso corpo de advogados é formado por sujeitos ineptos e incompetentes, que não conseguem contrapor-se aos arbítrios do Ministério Público, apesar do arsenal de recursos disponível em nosso sistema processual e da panaceia em que se transformou o habeas corpus – a esta altura dos acontecimentos, só a Lava Jato já deve ter enfrentado mais de 500 habeas corpus, sem falar nos recursos.

Parece exagero? Pois bem: no fim do ano passado, a Câmara dos Deputados, tripudiando sem-cerimônia do cidadão em sombria madrugada, desfigurou o projeto das 10 Medidas com seus 2 milhões de assinaturas e, em seu lugar, aprovou uma norma de incentivo à corrupção, voltada induvidosamente contra os órgãos de investigação. Não é preciso lembrar que ainda tramita no Congresso Nacional um Projeto de Lei de Abuso de Autoridade, cujo objetivo declarado é amedrontar juízes e intimidar membros do MP no combate à corrupção. Duas importantes conquistas na luta contra a impunidade estão periclitando: o poder investigatório do Ministério Público e a possibilidade de execução de pena após decisão de segunda instância. Ministros que votaram recentemente a favor dessas teses já dão sinal de haver mudado de opinião e de que estão dispostos a revisitar esses temas. Finalmente, a reforma política desenhada favorece não a renovação, mas a perpetuação do poder de caciques políticos antiquados que desejam mudanças para que tudo siga como está.

É o desalentador cenário da atual guerra contra a corrupção.

Nossos folders intimidatórios, é verdade, não caem do céu como os avisos nazistas para os soldados franceses e ingleses em Dunquerque; pululam dos jornais. É como se chegassem as nossas mãos avisos fatais: acabou para vocês, é hora de renderem-se. Desistam! Mas somos teimosos e não vamos retroceder. Os tempos são ameaçadores, bem o sabemos. Estamos sob intenso bombardeio midiático, judicial e legislativo. Muitos desejam nossa inação e nosso silêncio obsequioso. As perspectivas de sucesso não parecem as melhores para quem se encontra diante da praia descampada, acossado pelos céus, cercado de inimigos por terra, de um lado, e acuado por um mar bravio, de outro.

Hoje nossa única esperança está na sociedade. Seguimos em insana resistência porque ainda acreditamos que, tal qual o povo inglês naquele longínquo ano de 1940, a têmpera dos brasileiros honrados e trabalhadores há de nos salvar antes do fim trágico que se avizinha. Pode soar dramático e hiperbólico, mas, por ora, estou certo de que ou cada cidadão honesto deste país assume sua parcela de responsabilidade e navega seu barquinho nas águas tormentosas desta guerra inglória contra a impunidade e a corrupção, ou seremos todos nós derrotados e subjugados por esse inimigo insidioso e determinado que se chama corrupção. Se permitirmos que a desconfiança, o medo ou a acomodação falem mais alto em nosso espírito nesta hora grave, o preço a ser pago será alto: perderemos a pátria, achincalharemos nossa honra e deixaremos nosso futuro e o de nossos filhos à mercê de um consórcio poderoso de políticos criminosos, egoístas e sem escrúpulos.

Na quadra atual não há meio-termo. Não há espaço para a indignação inerte. Fomos longe demais para retroceder. O cinismo está instalado definitivamente em nossa República, pois para os corruptos nada mais há a esconder: perdeu-se o pudor e até a hipocrisia. Hoje só há um caminho virtuoso a seguir: combater a corrupção e a impunidade sem tréguas. Pode até ser doloroso, mas a alternativa é muito pior. Ou lutamos ou estaremos condenados a um vale de sombras onde certamente pereceremos em dignidade, em esperança e em espírito. O Brasil e seu povo merecem mais do que isso. Da velha Ilha de Albion, ecoa para nós a voz de uma liderança que parece nos faltar neste momento. Diria o velho Winston Churchill: “We shall never surrender! [Nós jamais nos renderemos!]”.

 Danilo Dias

Uma questão de confiança

A economia americana patina perto do pleno emprego. Parece uma aberração, mas é a equação que desafia os economistas no mundo todo. Lá se vão dez anos da crise de 2008 e, mesmo com juro real na casa de zero, só agora o americano começa a ter gastos comparáveis com os que tinha antes da crise. Alguma coisa se quebrou na economia americana, e, no momento, o objeto de estudo não é uma variável tradicional como as que regulam oferta e procura. É a confiança do cidadão no futuro. Trust, essa é a palavra. Tão importante que está impressa no dinheiro. In God we trust.

O assunto aparece num artigo recente da “Economist”: “As consequências econômicas da desconfiança americana.” Leva em conta indicadores que medem a confiança nos governantes, nas instituições, na Justiça e nas empresas. Nunca a corrupção dos agentes públicos e a desconfiança em relação à ética das empresas foram tão mal avaliados. Nos Estados Unidos.

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A palavra soa mais forte em inglês do que em português, tanto que desmoralizamos a confiança do cidadão, do consumidor, do eleitor ao longo da história. Trust carrega também a ideia de crença. Acreditar, crer, inclusive no sentido religioso, que a nossa prática política, mais que o dicionário, condena ao fogo eterno.

A falta de confiança trava tudo. Com a confiança em alta, o americano superou seus medos e elegeu Obama. Yes, we can. Sem confiança, os mecanismos de ajuste da economia parecem não funcionar. Pesquisas mostram que, apesar dos sinais de recuperação da economia, mais da metade dos americanos ainda desconfia que o futuro será pior. E a Casa Branca atira para todos os lados. Fire and fury, diz Trump.

O Brasil devia estudar melhor esta questão, quando o país enfrenta a paralisação dos negócios e o desemprego de 13 milhões de pessoas. É claro que quando se fala em corrupção e em desconfiança nas instituições, nossos patamares são outros. Mas, se tivermos clareza sobre os desafios do mundo atual, saberemos o que devemos enfrentar.

A confiança hoje é um problema da economia mundial, depois que o ciclo de globalização deixou de empurrar o crescimento dos mercados. Não é o motor da economia — nada vai funcionar sem investimento, tecnologia e produtividade —, mas tem sido o melhor combustível para o desenvolvimento.

Reuniões presidenciais sem agenda, votações compradas no Congresso e decisões controvertidas da Justiça não nos ajudam a construir a confiança necessária para tirar o país da crise. Não podemos nos deixar confundir pelos ganhos de ocasião de empresários e ruralistas que renegociam suas dividas e políticos que tentam salvar o pescoço. A economia não vai melhorar tão cedo, não da forma consistente que desejamos.

Não é que esteja faltando fé aos homens de boa vontade. O mundo que está em construção se baseia essencialmente na confiança. O que são os novos negócios que tanto nos inspiram, senão modelos colaborativos baseados na confiança?! No Uber você avalia o motorista, e seu vizinho pode escapar de uma experiência ruim. No Airbnb você escolhe apartamentos baseado no relato de outros viajantes. No Trip Adivisor hotéis, restaurantes e roteiros são “ranqueados” pelos usuários. De forma direta, sem intermediação, sem governo e privilégios, sem tribunais acessíveis para poucos. Um sistema que premia quem sabe trabalhar e afasta e pune quem não respeita a vida em sociedade. Tudo na confiança. A confiança não desapareceu. Apenas não a encontramos mais nas instituições que deveriam nos representar.

Luiz Cláudio Latgé 

Retomada da economia ajuda Temer, mas prazo de validade logo irá acabar

É animadora a notícia de que a economia brasileira cresceu 0,25% no segundo trimestre, em relação aos primeiros três meses do ano, na “prévia” do Produto Interno Bruto (PIB) calculado pelo Banco Central. O mais importante é que foi o segundo avanço trimestral consecutivo, fenômeno que não ocorria desde o fim de 2013. Apenas em junho, houve expansão de 0,5% na atividade econômica. Pode ser mais um sinal de que a economia está, de fato, se recuperando, depois dos números positivos dos serviços e do varejo.

O mais intrigante é que o governo Temer não tomou nenhuma medida de peso que pudesse influenciar a retomada da economia. Até agora, houve apenas mudança nas leis trabalhistas, acompanhada de promessas de um ajuste fiscal e de reformas da Previdência e do sistema tributário, três iniciativas que ainda estão longe de acontecer. Portanto, não tiveram a menor influência.

Aqui na “Tribuna da Internet”, há meses temos defendido a tese de que a economia brasileira já chegara ao fundo do poço e não desceria mais. O Brasil é um país muito forte, com uma produção interna diversificada em termos de agronegócio e indústria. Com a quinta maior população, riquezas minerais a explorar, as mais extensas terras agricultáveis do planeta e a maior reserva de água potável, condições ideais de luminosidade, realmente o potencial é impressionante.

Há ligeira recuperação da atividade econômica, mas as estatísticas continuam sinistras e tenebrosas, especialmente no tocante ao aumento do déficit público e da dívida interna. A equipe econômica promete solução a médio prazo, inclusive redução do desemprego. Espera-se que aconteça, até porque, como dizia o genial Lord John Maynard Keynes, a longo prazo todos estaremos mortos.

Essa tímida retomada acontece porque a economia de qualquer país minimamente organizado não é apenas uma equação aritmética, pois funciona como um organismo vivo, que se adapta, cria anticorpos e soluções. Justamente por isso, não há crises eternas, elas vão e vêm, como uma onda no mar, no dizer de Nelson Motta e Lulu Santos.

O fato é que a estabilidade econômica é altamente bem-vinda. Depois da terra ser arrasada pela incompetência dos ministros da mulher sapiens, a recuperação é mais do que necessária, para o país voltar a respirar sem aparelhos.

Foi essa incipiente reação da economia que ajudou Temer a adiar o processo por corrupção passiva. Se a crise tivesse se aprofundado na sua gestão, o presidente Temer já teria sido eliminado por balas de prata, estacas de madeira e dentes de alho, no crepitar da fogueira de um Halloween antecipado.

O fato concreto é que Temer não apenas se safou, como recebeu também um habeas corpus preventivo com validade até 31 de dezembro de 2019, quando terá de responder ao processo criminal em Brasília, já engordado pelas novas denúncias das delações que vêm por ai, a começar pelo doleiro Lucio Funaro e chegando a Eduardo Cunha, Rocha Loures e Geddel Vieira Lima, que é um covarde chorão e na primeira prensa vai contar tudo.

O futuro político de Temer não vale uma nota de três dólares. Quando deixar o poder, em 1º de janeiro de 2019, ele já estará com 78 anos, sem perspectivas de se eleger a cargo público de importância. Os processos criminais contra ele vão demorar tanto que não farão a menor diferença. Quando enfim for condenado na segunda ou na terceira instância, ele já estará preso pelas amarras da longevidade, que não distinguem quem é inocente ou culpado.

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Sri Lanka, Ultirch Lambert

Supremo virou sucursal da Casa da Mãe Joana

Certas decisões dão ao Supremo Tribunal Federal a aparência de sucursal da Casa da Mãe Joana. A OAB requereu ao Supremo que obrigue o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, a analisar um pedido de impeachment feito pela entidade contra Michel Temer. O caso caiu sobre a mesa de Alexandre de Moraes. Ex-ministro da Justiça de Temer, o magistrado deveria se declarar impedido de julgar a matéria. Mas Alexandre de Moraes não se deu por achado.

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Num país lógico, a própria OAB deveria arguir a suspeição do ministro. Independentemente do veredicto de Alexandre de Moraes, está em jogo a credibilidade da Justiça. Mal comparando, numa ação sobre a guarda de filhos, por exemplo, um advogado da mãe jamais deixaria de questionar a atuação de um juiz que fosse amigo do pai. E um pedido de impeachment não é menos importante do que uma ação da Vara de Família.

Alexandre de Moraes era subordinado de Temer até outro dia. Foi indicado por ele para o Supremo. E a lei prevê que um juiz deve se declarar impedido de atuar em determinado processo sempre que há razões capazes de comprometer a imparcialidade do julgamento. Essa regra tem sido negligenciada. Que o diga outro ministro do Supremo, Gilmar Mendes. Expansiva, Mãe Joana já não se contenta em dar expediente apenas no Congresso e no Planalto. Ela agora veste toga.

O pior déficit

O Congresso Nacional se prepara para saltar da responsável aprovação do teto nos gastos públicos para a irresponsável aprovação do desvio de R$ 3,6 bilhões, com o objetivo de financiar as campanhas eleitorais no próximo ano.

Um dia, preocupado, o povo assiste ao presidente da República dizer que o Brasil sofre a falência dos serviços públicos por falta de dinheiro; no outro, perplexo, assiste que haverá dinheiro para financiar campanha milionária: R$ 2 milhões por eleito — deputados federais e estaduais, governadores, presidente; R$ 30 pagos por eleitor.

Ao assistir a estes dois fatos — falta de dinheiro para os serviços e dinheiro sobrando para as eleições —, o povo desacredita ainda mais de seus governantes, sobretudo depois do reconhecimento de um déficit de R$ 159 bilhões em 2017.

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A oposição também fica desacreditada ao tratar o povo como se ele não soubesse que este déficit foi provocado sobretudo pela irresponsabilidade de seu período no governo.

Chega a ser cínica a afirmação de que este custo das eleições é pequeno, quando sabemos que seria suficiente para enfrentar as dificuldades da nossa ciência e tecnologia, por exemplo.

Também é cinismo dizer que a democracia exige estes gastos, sem levar em conta que nossas eleições estão entre as mais caras do mundo; ou ainda ao dizerem que o recurso sairá das emendas de parlamentares, quando este dinheiro é pago pelo contribuinte, e as emendas dirigidas para atender necessidades da população.

Graças ao teto dos gastos, o povo sabe que o dinheiro é curto e será tomado dele para financiar as campanhas, caracterizando uma corrupção nas prioridades.

É uma vergonha dizer que este gasto é necessário para fortalecer a democracia: não há democracia sem políticos com credibilidade e não há credibilidade em um Parlamento cujos membros um dia aprovam um necessário teto de gastos, e no outro continuam fazendo uma das mais caras eleições do mundo, sem dar exemplos próprios de austeridade.

O Congresso devia determinar medidas que reduzam o custo das campanhas e que elas sejam financiadas pelos filiados e simpatizantes dos partidos e dos candidatos.

Além dos elevados gastos de campanha, o governo precisa dar exemplos: acabando com remunerações acima do já elevado teto salarial que equivale a 35 vezes o salário mínimo do trabalhador; precisa determinar que nenhum de seus dirigentes acumule salários, como aposentadorias; acabar com mordomias e subsídios pessoais. São gestos que têm pouco impacto fiscal, mas um imenso impacto moral.

O Brasil não supera sua crise se seus dirigentes não derem o exemplo. E os políticos estão na contramão ao apresentar uma proposta de reforma política que, além de piorar o maldito sistema atual, desvia recursos públicos para campanha eleitoral.

Pior que o déficit fiscal é o déficit moral. E esta reforma eleitoral está ampliando essa escassez e comprometendo nossa democracia, no lugar de fortalecê-la.

Abuso cotidiano

Dia desses li, em um jornal do Reino Unido, que a cada dia seis milhões de ingleses são alvo de chamadas telefônicas indesejadas, relacionadas a publicidade. Semanalmente, são 17 milhões. E um a cada oito as recebem diariamente.

A situação naquele país chegou a um ponto tal que certa empresa especializada em sistemas de segurança residencial contratou uma campanha de publicidade que consistia em telefonemas disparados entre as duas e as cinco da manhã para as casas dos infelizes, digo, dos potenciais clientes. Estes, quando atendiam, ouviam uma gravação dizendo que talvez suas residências não estivessem seguras enquanto dormiam, e pedindo que discassem "1" para que fossem visitadas na manhã seguinte por um representante comercial. Ainda na velha Inglaterra, registrou-se o caso do político que disparou nada menos que 35.000 chamadas telefônicas para seus eleitores, pedindo apoio. A boa notícia é que este tipo de prática não tem ficado impune naquele país. Assim, a empresa foi multada em US$ 456.000 - e o político em US$ 6.500.

A preocupação procede. Do outro lado do Oceano Atlântico, pesquisadores norte-americanos constataram que esta prática retira da economia o equivalente a US$ 10 bilhões por ano, dinheiro gasto em perda de tempo e produtividade por parte dos consumidores - não tendo sido computados na pesquisa os prejuízos decorrentes de chamadas legítimas não atendidas em função do uso de sistemas de bloqueio utilizados pelos usuários em seus telefones. Não é por acaso que lá na China recente operação policial enviou para a prisão 1.530 pessoas envolvidas nesta prática.

Você sabe qual é o campeão mundial em publicidade telefônica indesejada? A Índia. Li que cada usuário de telefone celular daquele país recebe, em média, 22 chamadas a cada mês. Sabe quem é o segundo colocado? Nós! O Brasil! E estamos logo atrás dos indianos, com uma média de 20,7 chamadas. Somente para registro, o Reino Unido está nove posições atrás da gente, com uma média de 8,9 telefonemas por mês.

Como chegamos a esta incômoda posição? E como dela sair? Fiquei a pensar em Cesare Bonesana-Beccaria, criminalista italiano nascido em 1738, de cujo legado faz parte uma interessante e sábia reflexão: "o que diminui a criminalidade não é o tamanho da pena, mas a certeza da punição".

Pedro Valls Feu Rosa

Gente fora do mapa

Dandora (Quênia), Micah Albert

Gilmar Mendes produziu um versão debochada do poema de Drummond

Leia o poema Quadrilha, de Carlos Drummond de Andrade:

João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.


Agora confira a versão debochada do poema famoso, produzida por uma toga que se acha onisciente, onipresente e onipotente:

Gilmar Mendes decidiu livrar da cadeia merecidíssima o delinquente Jacob Barata Filho, que é pai de Beatriz Barata Feitosa, que é mulher de Francisco Feitosa Filho, que é sobrinho de Guiomar Feitosa Mendes, que chama Gilmar de Gil e por ele é chamada de Gui porque forma com o ministro do Supremo Tribunal Federal um casal casado e também formou uma dupla que brilhou como padrinho e madrinha na festa de casamento de Francisco e Beatriz, que ficariam muito felizes se o pai e sogro escapasse da gaiola.

Indiferente aos laços que recomendam a um julgador declarar-se sob suspeição, Gilmar faz o diabo para manter em liberdade o meliante preso pelo juiz Marcelo Bretas, que cuida dos processos da Lava Jato no Rio. O ministro mandou soltar, o juiz mandou prender de novo, o ministro mandou soltar outra vez. Se um dia for processado e a pendência chegar ao Supremo, Gilmar decerto vai considerar-se suficientemente isento para avocar o caso, julgar a si mesmo e, naturalmente, absolver-se.

Acorda, Congresso!

O Congresso Nacional está de costas para os interesses do País e isso significa que os representantes dos brasileiros não estão representando os interesses dos brasileiros. Os dois maiores desafios nacionais, neste momento, são combater a crise fiscal e renovar a cultura e o modo de fazer política e eleições. E no que a Câmara e o Senado, que deveriam liderar esse processo, estão contribuindo para isso?

Como o Estado publicou ontem, o Brasil acumulou um superávit de R$ 801,6 bilhões de 1999 a 2013, ou seja, nos governos Fernando Henrique e Luiz Inácio Lula da Silva, mas deu uma cambalhota estonteante na gestão Dilma Rousseff e, a partir dos últimos quatro anos, o que era superávit robusto virou déficit e pode chegar a desesperadores R$ 818,6 bilhões em 2020. E ainda dizem que não houve pedaladas e que o impeachment foi “golpe”...

Como na aritmética, não há mágica contra o rombo. Assim como dois mais dois serão sempre quatro, a única forma de tentar reequilibrar as contas é cortando gastos e aumentando receitas. Ambas passam pelo Congresso, mas, em vez de reduzir, os congressistas aumentam os gastos, em vez de aumentar, reduzem previsão de receitas.


Tudo isso, é claro, piora muito em ano pré-eleitoral. O Executivo enviou o projeto de refinanciamento de dívidas privadas para o Congresso na esperança de negociar condições que servissem de estímulo para os devedores e engordassem os cofres públicos. O que o Congresso fez? Mudou tudo, premiando os devedores e surrupiando os recursos que reforçariam o caixa.

Detalhe: muitos parlamentares têm dívidas e seriam favorecidos pelas mudanças, que resultam num projeto Robin Hood às avessas: não tira dos ricos para dar aos pobres, mas da maioria para dar à minoria rica. Em plena crise! A expectativa do governo era de receber R$ 13 bilhões, mas o relator Newton Cardoso Júnior (PMDB-MG) reduziu isso para R$ 500 milhões. Aliás, ele é sócio de empresas que devem milhões à União. O governo vai ter de enviar nova proposta a qualquer momento. Perdem-se tempo e energia, quando o Brasil tem pressa de soluções e não tem mais energia para desperdiçar.

Agora, como o Congresso vai reagir ao aumento da meta fiscal para R$ 159 bilhões em 2017 e também para 2018? Vai aprovar? Vai. Mas vai cobrar caro, porque Michel Temer avisou que não visaria à popularidade e iria atacar o rombo para recolocar a economia nos trilhos. A popularidade, que já era escassa, esfarelou de vez e nem por isso o governo está vencendo a guerra fiscal.

Congresso tem atrapalhado. Aprovou aumentos salariais de categorias já muito bem remuneradas do funcionalismo, meteu a faca no pescoço de Temer para trocar votos contra a denúncia da PGR por emendas parlamentares e, agora, não se veem líderes nem liderados se coçando para aprovar algo fundamental quando se fala em rombo: a reforma da Previdência.

Ao contrário, enquanto o Brasil precisa desesperadamente de reformas, ajustes, cortes, o Congresso se auto-premia com um fundo eleitoral de R$ 3,6 bilhões, além dos mais de R$ 800 milhões do Fundo Partidário. É preciso financiar a democracia, mas falar numa bolada dessas nesses tempos de crise e de desprestígio da política é de amargar.

Por falar em eleições, a Lava Jato é uma aula diária sobre como é feita a política no Brasil e encarada como um marco, mas o Congresso parece não entender o recado e só pensa no fundo generoso e no distritão, que divide os próprios partidos. Como disse o juiz Sérgio Moro, “uma reforma política que não é uma reforma política”. Há muitos anos sabe-se – inclusive o PT – o quanto as reformas política e previdenciária são fundamentais. O que prevalece: o fundamental para o País ou o melhor para os políticos?

Eliane Cantanhêde

Ficou para o próximo

Os termos em que se deram as revisões das metas fiscais de 2017 a 2020, anunciadas pelo governo nesta semana, permitem concluir que o presidente Michel Temer não cumprirá a promessa fundamental de entregar a seu sucessor uma economia “nos trilhos”. Já se sabia que essa era uma missão muito difícil — na verdade, quase impossível —, mas agora, com o acúmulo oficialmente projetado de novos déficits e a consequente elevação da dívida pública, essa impossibilidade não tem mais como ser superada até o fim de 2018.

Mesmo considerando que as novas metas serão integralmente aprovadas e depois cumpridas, o que exige algum esforço de otimismo, e ainda que, sendo ainda mais otimista, o governo consiga passar alguma reforma da Previdência e medidas que desfaçam pelo menos parte da montanha de gastos tributários (subsídios, na maior parte), a tarefa de reverter os déficits, estancar a elevação da dívida e retomar o crescimento econômico ficou para o próximo governo.

Sim, os indicadores de atividade estão começando a mostrar recuperação ante seus pontos mais baixos em 2016. Ontem, por exemplo, o IBC-Br, índice mensal de atividade do Banco Central, revelou números positivos, embora em décimos, no mês de junho sobre maio, no segundo trimestre em relação ao primeiro e nas comparações com iguais períodos do ano anterior. Só que a trajetória atual da economia, mesmo com substancial redução da taxa básica de juros e inflação baixa por um relativamente longo intervalo de tempo, não tem onde buscar tração para sair do modo renovação de estoques e reposição do capital depreciado, ao qual parece condenada depois de atingir o fundo do poço.


Basta observar os movimentos recentes do mercado de trabalho para ter uma ideia mais clara dessa situação. A taxa de desemprego vem recuando, a cada mês, desde o pico de março, quando, no trimestre encerrado naquele mês, marcou 13,7% de desempregados na força de trabalho, descendo em junho a 13%. O índice, porém, esconde uma migração de trabalhadores do mercado formal para o informal e, neste, para a subocupação. Caiu a desocupação, mas aumentou não só a informalidade como também a subocupação, o que se reflete na estagnação do rendimento médio e da massa salarial desde o trimestre encerrado em março.

Constrangimentos à expansão da economia causados pelo acúmulo de déficits fiscais e o consequente aumento nos custos do financiamento da dívida pública em ascensão operam como areia nas engrenagens econômicas. Enquanto recursos têm de ser retirados do processo produtivo, para impedir o avanço do déficit fiscal, o financiamento a custos crescentes da dívida encarece o crédito em geral. Nessas circunstâncias, os investimentos indispensáveis para escapar do giro em falso não se apresentam.

Ao prometer cumprir metas fiscais que produzirão, de 2017 a 2020, déficits acumulados de R$ 500 bilhões, o governo Temer permite chegar à indesejável conclusão de que sua experiência em promover o ajuste da economia não está sendo bem-sucedida. No primeiro semestre deste ano, por exemplo, foram promovidos fortes cortes em despesas não obrigatórias, metade deles concentrados em investimentos públicos. No mesmo período, contudo, as despesas obrigatórias, incluindo Previdência, aumentaram na mesma proporção e neutralizaram o esforço de austeridade.

Conforme os cálculos do próprio governo atual, com os déficits que ainda serão acumulados até a primeira metade do próximo governo, a perspectiva é a de que a dívida pública bruta avance até 2023 — ou seja, até o primeiro ano do governo que se seguir ao próximo —, quando poderá ultrapassar 95% do PIB, estabilizando-se neste altíssimo patamar por vários anos à frente. O resumo dessa história é que, ao empurrar para frente o reequilíbrio das contas públicas, o governo também colabora para adiar uma recuperação econômica que não exiba apenas sinais intermitentes de “falsos positivos”.

José Paulo Kupfer

Paisagem brasileira

Alto da Serra, João Batista da Costa 

Rombo fiscal: alternativas são cada vez mais limitadas

A ação de um governo nunca é expressão da vontade dos governantes, sejam eles compenetrados estadistas ou patéticos populistas. Considerações que apontam para a ''vontade política'' como determinante são, quase sempre, expressão romântica de voluntarismo. Nenhum governo faz o que quer; na democracia, menos ainda. O ''querer'' importa, mas a obra será sempre coletiva, derivada de conflitos; o resumo do possível diante das circunstâncias.

Essa confusão é mais acentuada quando o próprio governo a alimenta. Claro que os governantes precisam gerar confiança, criar expectativas de realizações e vitórias. Mas, não podem exagerar porque frustrações geram reversões de expectativas e a dinâmica contrária na descrença. E tudo piora. Governantes que desprezam dificuldades e negligenciam a complexidade da política, o fazem por arrogância, ignorância ou má-fé.


De certo modo, isto o que tem acontecido com o governo Temer. Na ânsia de se livrar da teimosia de Dilma Rousseff e na euforia do impeachment, analistas políticos, o mercado financeiro e demais setores da economia assumiram, acriticamente, o autoengano de promessas sem lastro de realidade. Constata-se, agora, que a vida é mais dura que vontade vã dos discursos e dos quereres.

O processo é mais ou menos conhecido: para viabilizar o impeachment de Dilma — e viabilizar-se a partir dele — o PMDB e aliados fizeram crer que tudo transformariam porque o problema, afinal, era Dilma — o que apenas em parte é verdade. Supostas raposas, definiram-se ''bons operadores'' da baixa política que se pratica. E assim, tudo se resolveria, no Congresso Nacional com a aceleração do fisiologismo. A janela de oportunidade seria perfeita para resolver os problemas da economia.

Foi a fase dos compromissos retóricos com o ajuste fiscal e da grandiloquência reformista. Juras de amor sem conexão com a complexidade do sistema político nacional; omissão, provavelmente, deliberada de problemas estruturais: o presidencialismo de coalizão esgotado; sua imensa voracidade já não mais saciada pelos recursos escassos de um estado falido.

Foi a ilusão de que um presidente, por ser não candidato à reeleição, pudesse sozinho contornar os interesses do Congresso Nacional; esqueceu-se que 567 parlamentares (513 deputados e 54 senadores) são. Assombrada por temores eleitorais, em seu atavismo de sobreviventes, a maioria sabe que manter os mandatos é seu primeiro e principal desafio.

Manifestações de vontade não bastariam e nem bastam. Faltou acreditar na sociedade, antes de pactuar com o diabo: as necessárias reformas não têm suporte social, as pesquisas mostram; a sociedade atarantada, justificadamente, enxerga o sistema político como um corpo estranho, voltado para si. A credibilidade se perdeu. Morto de medo das urnas, o sistema é incapaz de conduzir processos políticos transformadores.

Não faltam ao governo apenas mais recursos e capacidade de cooptação: carece também de capacidade de comunicação, pedagogia de crise. Não aglutina forças nem dentro nem fora do parlamento; não sabe coordenar interesses legítimos. No mais, sem perspectiva de poder (e continuidade) mal consegue jogar os dados viciados que definiu como instrumento de formação de maioria.

Resta o forrobodó em torno de contas não fecham. O déficit, que era grande, agora transbordou: culpa de Dilma e de quem disse que tudo seria fácil. A área política prometeu e pode entregar; a econômica fica pendurada no pincel. Deputados, puxam-lhe a escada e afirmam que foi ela, a equipe econômica, quem errou. Incapaz de dramatizar o processo, o governo estreita o campo das alternativas: aumentar o déficit ou aumentar impostos?

Aumento de déficit implica em aumento da desconfiança dos agentes econômicos. Aumento de impostos multiplica a fúria da sociedade — e o temor dos parlamentares. Muito além do jardim, qual o nefelibata personagem de Peter Sellers, o presidente faz pronunciamentos como se ainda pudesse seduzir o mercado. Está ficando mais difícil convencer que política seja gesto de vontade.

Carlos Melo

Os autômatos de esquerda não sangram em Caracas

Que uma tragédia vinha sendo gestada na Venezuela, era evidente. Pelo menos desde 2004, era mais do que evidente. Em dezembro daquele ano, a Assembleia Nacional da República Bolivariana aprovou a “Ley de Responsabilidad Social en Radio y Televisión”, conferindo às autoridades o poder de punir emissoras que difundissem mensagens que incitassem ao “descumprimento do ordenamento jurídico vigente” ou que impedissem ou oferecessem obstáculos contra a “ação dos órgãos de segurança cidadã”. Traduzindo: a partir de dezembro de 2004, o governo mandou avisar que estava disposto a fechar o tempo contra toda divergência.

O que é “incitar ao descumprimento do ordenamento jurídico”? Resposta: aquilo que o regime resolver que é. Com sua “Ley de Responsabilidad Social”, o chavismo intimidou os que acreditavam na liberdade de expressão. Qualquer coisa poderia ser considerada, legalmente, uma tentativa de impedir “a ação dos órgãos de segurança cidadã”. Qualquer coisa poderia ser punida.


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É bem verdade que, dois anos antes, em 2002, o presidente Hugo Chávez, que tinha sido eleito legitimamente, sofreu um golpe de Estado covarde, urdido por grandes empresas de comunicação e por um punhado de múmias de uma casta parasitária que vampirizou a sociedade ao longo de décadas. O golpe, porém, foi um fiasco. Apoiado por um setor das Forças Armadas, Chávez escapou com vida e voltou à Presidência. E com raiva. Desde então, em vez de fortalecer a ordem democrática, optou pela força. De 2004 adiante, o Estado venezuelano foi se transformando gradualmente numa ditadura.

Agora, o resultado está aí, na cara do mundo inteiro. Os que conseguem fogem do país. Só no Brasil, estima-se em 30 mil o número de venezuelanos em situação irregular (segundo dados da Acnur, agência da ONU para refugiados). A Polícia Federal já contabiliza 6.400 pedidos de refúgio na fronteira entre Roraima e Venezuela. Quanto aos que ficam, apanham ou morrem. Em Caracas e outras cidades, as manifestações públicas são reprimidas à bala (possivelmente porque, no olhar das autoridades, as passeatas atrapalham os órgãos de “segurança cidadã”). Mais de 100 pessoas já morreram nas ruas. Das mais de 5 mil que foram presas por motivos políticos, cerca de 1.000 seguem encarceradas.

A ONU já se manifestou contra o uso excessivo da violência e apontou torturas nas prisões. A inflação descontrolada, a escassez generalizada de gêneros de primeira necessidade e a disparidade cambial absurda completam o cenário de caos, de desamparo e de desespero. A Venezuela está à beira de uma catástrofe total, numa escalada da violência que pode desembocar em guerra civil. Todo mundo vê, todo mundo sente, todo mundo sabe, só alguns autômatos da esquerda brasileira ainda não se deram conta – é a tragédia da ideologia.

Há poucos meses, no dia 3 de abril, ainda antes do agravamento definitivo da crise venezuelana, o Partido dos Trabalhadores divulgou uma nota acusando a política externa do “governo golpista” (o do Brasil) de “encabeçar uma campanha da direita contra a esquerda no continente” e de ter assumido “uma postura belicista, particularmente contra a República Bolivariana da Venezuela”. Depois disso, a coisa piorou muito. O ditador Nicolás Maduro convocou uma “Assembleia Nacional Constituinte” unilateral, sem ninguém da oposição, num claro golpe populista para esvaziar o Parlamento, que tinha forte representação oposicionista. O que fez o PT? Voltou à carga. Há poucos dias, a atual presidente da sigla, senadora Gleisi Hoffmann, foi contundente: “O PT manifesta seu apoio e solidariedade ao governo do PSUV, seus aliados e ao presidente Nicolás Maduro frente à violenta ofensiva da direita. Temos a expectativa que a Assembleia Constituinte possa contribuir para uma consolidação cada vez maior da revolução bolivariana...”.

Em nota oficial, o PSOL foi na mesma direção: “O PSOL sabe que numa situação de confronto, a neutralidade significa apoio tácito ao lado mais forte. Por isso, manifestamos apoio ao processo constituinte proposto pelo governo Maduro e ao aprofundamento das transformações sociais naquele país”.

PSOL quer dizer “Partido Socialismo e Liberdade”. Só no nome. Há liberdade na Venezuela? Há justiça social? Não, mas os recitadores de palavras de ordem veem em Maduro o novo guia genial dos povos. Maduro, quem diria, é o farol do socialismo. Haja ridículo. Em sua ortodoxia desumana, os maduristas sem espírito esqueceram que a chama do socialismo é a solidariedade humana. Esqueceram tudo. Os autômatos de esquerda não sabem o que é solidariedade.

O fim da Lava Jato?

A Lava Jato, mais uma vez, está sob bombardeio. Desta vez, o ataque se arma de dentro do próprio Judiciário, mais especificamente no STF. É lá que está sendo gestada a revisão da jurisprudência que autoriza prisão dos condenados em segunda instância.

Pouco importa que essa jurisprudência tenha se estabelecido há menos de um ano – mais precisamente, em outubro do ano passado – e que, de lá para cá, a composição da Corte seja praticamente a mesma, com uma única alteração, decorrente da morte de Teori Zavaski, sucedido por Alexandre de Moraes.

Não é comum tal procedimento, para dizer o mínimo. Uma jurisprudência decorre de ampla análise e debate, em que os prós e os contras são avaliados e submetidos a votação. Como o fez o STF. Comum, sim, é uma antiga jurisprudência, que o tempo e a legislação tornaram anacrônica, ser revista. Mais uma que nem sequer chegou a aniversariar é um fato singular.

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Por 6 a 5, o STF entendeu, naquela oportunidade, que o artigo 283 do Código de Processo Penal não impede a prisão após condenação em segunda instância e indeferiu liminares pleiteadas nas Ações Declaratórias de Constitucionalidade 43 e 44, impetradas pelo Partido Ecológico Nacional (PEN) e pela OAB.

O caso começou a ser analisado pelo Plenário em 1º de setembro de 2016, quando o relator das duas ações, ministro Marco Aurélio, votou contra a prisão em segunda instância. Contudo, um mês depois, com a retomada do julgamento, foi voto vencido.

Prevaleceu o entendimento de que a norma não veda o início do cumprimento da pena após esgotadas as instâncias ordinárias.

Entre os que assim pensavam – e votaram – estavam os ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli, que agora informam ter mudado de opinião. E é Gilmar Mendes, coadjuvado por Marco Aurélio, que propõe a reabertura do debate.

Ele e Toffoli converteram-se à tese do relator, segundo a qual a prisão em segunda instância fere o artigo 5º, inciso LVII da Constituição, que estabelece que a presunção de inocência permanece até o trânsito em julgado – isto é, até que se esgote o último recurso.

A jurisprudência agora contestada considera que o direito aos recursos pode ocorrer com o condenado preso, como ocorre, por exemplo, nos Estados Unidos. Foi o que sustentou a presidente do STF, Cármen Lúcia, ao dar o voto de minerva na questão, argumentando que, quando a Constituição estabelece que ninguém pode ser considerado culpado até o trânsito em julgado, “não exclui a possibilidade de ter início a execução da pena”.

Com a mudança dos votos de Gilmar e Toffoli, o placar anterior se inverte. E há ainda a possível adesão de Alexandre de Moraes. A lei processual brasileira permite uma infinidade de recursos, que, somados à lerdeza do Judiciário, levam com frequência a que os processos prescrevam antes de serem julgados.

Paulo Maluf, por exemplo, tem sido historicamente beneficiário histórico dessa anomalia processual. Seus processos prescreveram antes do julgamento. Tornou-se um inocente por decurso de prazo, ainda que procurado pela Interpol e condenado na França.

Basta um bom escritório de advocacia para acionar todos os mecanismos processuais disponíveis. Lula – mas nem de longe só ele – será o grande beneficiário dessa mudança.

Se condenado em segunda instância, terá a ficha suja, mas figurará na campanha do ano que vem como cabo eleitoral – e já o antevê, ao lançar três nomes como possíveis candidatos do PT: Fernando Haddad, Fernando Pimentel e Jacques Wagner - não por acaso, todos denunciados na Lava Jato. Pimentel já como réu.

Com essa revogação, o instituto da delação premiada perde eficácia, já que os condenados passam a contar com a burocracia processual, que os manterá soltos por muitos anos, talvez para sempre. É possível que a delação de Antonio Palocci nem saia, já que a mudança pode ocorrer a qualquer momento.

Figuras como Eduardo Cunha, o próprio Palocci, João Vaccari, Marcelo Odebrecht, entre outros, voltariam para casa. Não lhes faltam bons advogados para inseri-los no turbilhão processual. Com isso, acabaria a Lava Jato. E esse parece ser o objetivo.

Essa estratégia conta, por motivos óbvios, com amplo apoio nos outros dois Poderes. Considera-se que as manifestações de rua, único fator inibidor de expedientes como esse, já arrefeceram e não mais se repetirão. A conferir.

O que é certo é que a diluição de culpas, com a exposição presente das falcatruas no Judiciário, pela publicação dos salários astronômicos de juízes de primeira instância e desembargadores, confunde a opinião pública. Com os três Poderes no banco dos réus, alguns desistem por se sentirem impotentes, outros namoram a intervenção militar e outros ainda falam em desobediência civil.