sábado, 19 de agosto de 2017

Ficou para o próximo

Os termos em que se deram as revisões das metas fiscais de 2017 a 2020, anunciadas pelo governo nesta semana, permitem concluir que o presidente Michel Temer não cumprirá a promessa fundamental de entregar a seu sucessor uma economia “nos trilhos”. Já se sabia que essa era uma missão muito difícil — na verdade, quase impossível —, mas agora, com o acúmulo oficialmente projetado de novos déficits e a consequente elevação da dívida pública, essa impossibilidade não tem mais como ser superada até o fim de 2018.

Mesmo considerando que as novas metas serão integralmente aprovadas e depois cumpridas, o que exige algum esforço de otimismo, e ainda que, sendo ainda mais otimista, o governo consiga passar alguma reforma da Previdência e medidas que desfaçam pelo menos parte da montanha de gastos tributários (subsídios, na maior parte), a tarefa de reverter os déficits, estancar a elevação da dívida e retomar o crescimento econômico ficou para o próximo governo.

Sim, os indicadores de atividade estão começando a mostrar recuperação ante seus pontos mais baixos em 2016. Ontem, por exemplo, o IBC-Br, índice mensal de atividade do Banco Central, revelou números positivos, embora em décimos, no mês de junho sobre maio, no segundo trimestre em relação ao primeiro e nas comparações com iguais períodos do ano anterior. Só que a trajetória atual da economia, mesmo com substancial redução da taxa básica de juros e inflação baixa por um relativamente longo intervalo de tempo, não tem onde buscar tração para sair do modo renovação de estoques e reposição do capital depreciado, ao qual parece condenada depois de atingir o fundo do poço.


Basta observar os movimentos recentes do mercado de trabalho para ter uma ideia mais clara dessa situação. A taxa de desemprego vem recuando, a cada mês, desde o pico de março, quando, no trimestre encerrado naquele mês, marcou 13,7% de desempregados na força de trabalho, descendo em junho a 13%. O índice, porém, esconde uma migração de trabalhadores do mercado formal para o informal e, neste, para a subocupação. Caiu a desocupação, mas aumentou não só a informalidade como também a subocupação, o que se reflete na estagnação do rendimento médio e da massa salarial desde o trimestre encerrado em março.

Constrangimentos à expansão da economia causados pelo acúmulo de déficits fiscais e o consequente aumento nos custos do financiamento da dívida pública em ascensão operam como areia nas engrenagens econômicas. Enquanto recursos têm de ser retirados do processo produtivo, para impedir o avanço do déficit fiscal, o financiamento a custos crescentes da dívida encarece o crédito em geral. Nessas circunstâncias, os investimentos indispensáveis para escapar do giro em falso não se apresentam.

Ao prometer cumprir metas fiscais que produzirão, de 2017 a 2020, déficits acumulados de R$ 500 bilhões, o governo Temer permite chegar à indesejável conclusão de que sua experiência em promover o ajuste da economia não está sendo bem-sucedida. No primeiro semestre deste ano, por exemplo, foram promovidos fortes cortes em despesas não obrigatórias, metade deles concentrados em investimentos públicos. No mesmo período, contudo, as despesas obrigatórias, incluindo Previdência, aumentaram na mesma proporção e neutralizaram o esforço de austeridade.

Conforme os cálculos do próprio governo atual, com os déficits que ainda serão acumulados até a primeira metade do próximo governo, a perspectiva é a de que a dívida pública bruta avance até 2023 — ou seja, até o primeiro ano do governo que se seguir ao próximo —, quando poderá ultrapassar 95% do PIB, estabilizando-se neste altíssimo patamar por vários anos à frente. O resumo dessa história é que, ao empurrar para frente o reequilíbrio das contas públicas, o governo também colabora para adiar uma recuperação econômica que não exiba apenas sinais intermitentes de “falsos positivos”.

José Paulo Kupfer

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