sábado, 20 de julho de 2019

Paisagem brasileira

Cido Oliveira

Um conto de dois embaixadores

Escrevi, para o Itamaraty, décadas atrás, um manual de Relações Internacionais destinado ao exame de ingresso na carreira diplomática.

O primeiro capítulo aborda as origens da diplomacia e as funções do diplomata. Se fosse reescrevê-lo, hoje, missão para a qual certamente não serei convidado, eu organizaria o texto em torno de Kim Darroch e Eduardo Bolsonaro.

O contraste entre as duas figuras esclarece a cisão conceitual que inaugurou a diplomacia contemporânea. Já a queda do primeiro e a ascensão do segundo iluminam o impacto do populismo sobre os corpos diplomáticos.

“O Estado sou eu” —nas antigas monarquias absolutas, o diplomata era um representante pessoal do soberano. Nessa condição, sua única qualificação indispensável era a fidelidade ao soberano. O círculo familiar do rei e a corte funcionavam como instâncias privilegiadas de recrutamento. O enviado era uma ponte entre duas cortes. Por isso, para sua escolha, pesavam positivamente eventuais relações de amizade estabelecidas por ele com os cortesãos estrangeiros.

A indicação de Eduardo obedece ao figurino do Antigo Regime. Candidamente, seu pai e ele mesmo explicaram que, na desolada planície de seu currículo, mais que o hambúrguer, destaca-se a amizade recente travada com o clã familiar de Donald Trump.

Darroch simboliza o oposto disso: representa uma nação, não um soberano. O embaixador britânico nos EUA, diplomata profissional culto e experiente, serviu a governos trabalhistas e conservadores, ocupando inúmeros cargos de alta responsabilidade. Paradoxalmente, na fonte do escândalo que provocou sua renúncia encontram-se os sinais distintivos da diplomacia do Estado-Nação.

Darroch foi atingido por três raios sucessivos. Um: o vazamento de mensagens sigilosas que enviou ao seu governo com avaliações negativas sobre a Casa Branca de Trump e a política externa americana.

Dois: a reação furiosa de Trump, vetando contatos de seu governo com o embaixador. Três: o desamparo a que foi relegado por Boris Johnson, candidato favorito à chefia do governo britânico.

As mensagens vazadas classificam o governo Trump como “singularmente disfuncional” e a política dos EUA para o Irã como “incoerente e caótica”.

Uma das funções do diplomata é conduzir atividades de inteligência, oferecendo a seu governo diagnósticos sobre o país estrangeiro. Darroch apenas cumpria o dever de transmitir a Londres suas apreciações políticas, certas ou erradas. Foi, porém, colhido pelo vendaval do populismo.

Trump extrapolou os limites diplomáticos normais das relações entre aliados, aproveitando-se do vazamento para humilhar os britânicos e ganhar aplausos de sua base eleitoral. Johnson, por sua vez, preferiu lambuzar-se em elogios a Trump, colocando suas convicções ideológicas acima da obrigação de proteger a diplomacia de seu país. Darroch foi traído pelos poderosos de uma nação à deriva, ferida pelo plebiscito do brexit, que já não sabe separar o interesse nacional das conveniências da ala reacionária do Partido Conservador.

A tragédia brasileira é, sob esse aspecto, um tanto parecida com a britânica. Uma prova disso emerge na indicação de Eduardo para a embaixada em Washington, posto estratégico ocupado originalmente por Joaquim Nabuco.

O filho 03 jamais enviaria avaliações críticas como fez Darroch, pois não é capaz de distinguir o interesse nacional brasileiro dos interesses dos EUA — e nem os interesses legítimos americanos das conveniências ideológicas de Trump ou de Steve Bannon.

A sua nomeação, mais que um novo ultraje ao pobre Itamaraty, equivaleria a transferir as chaves da embaixada brasileira ao próprio Trump.

A palavra final cabe ao Senado. Otimista, acalento a esperança de que os senadores decidam declarar o Brasil um Estado-Nação, não uma monarquia absoluta.
Demétrio Magnoli

Dia de cão

O presidente Jair Bolsonaro disse que a multa de 40% sobre o saldo do FGTS, em caso de demissão sem justa causa, é um peso para os patrões e dificulta o combate ao desemprego. (Depois, o governo divulgou uma nota negando a extinção da multa, por sinal prevista na Constituição.)

* Em conversa com o ministro Onyx Lorenzoni, da Casa Civil, Bolsonaro chamou os governadores do Nordeste de “aqueles paraíbas”, e disse que o pior deles é o do Maranhão, Flávio Dino (PC do B). Orientou-o a não conceder nada a Dino. Em carta, os governadores nordestinos protestaram.

* “Se não puder ter filtro, vamos extinguir a Ancine (Agência Nacional do Cinema)”, ameaçou Bolsonaro. “Filtro” significa só financiar produções que estejam de acordo com os valores compartilhados pelo presidente com a ala mais extremista dos seus devotos. Doravante, nada de “Bruna surfistinha”.

* Ninguém passa fome no Brasil, disse Bolsonaro durante café da manhã com jornalistas estrangeiros. À tarde, admitiu que alguns passam fome. A 5 quilômetros do Palácio do Planalto, em uma espécie de acampamento, há pessoas com fome. Pelo menos 6 mil brasileiros morrem anualmente por desnutrição.

* Bolsonaro nomeou um delegado da Polícia Federal, ligado a produtores de terra, para a presidência da Fundação Nacional do Índio (FUNAI).

* Três semanas após o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais ter anunciado que o desmatamento na Amazônia aumentou 60% em junho em comparação com junho do ano passado, Bolsonaro disse que o dado deve estar errado. E ameaçou demitir o presidente do instituto que estaria “a serviço de alguma ONG”.

* Bolsonaro criticou a jornalista Míriam Leitão, das Organizações Globo. Acusou-a de ter mentido quando disse que foi torturada pela ditadura militar de 64. E de ter sido presa quando estava a caminho da Guerrilha do Araguaia, montada pelo PC do B no Pará. Bolsonaro mentiu, para variar. Míriam foi torturada, sim. E não foi presa quando ia para o Araguaia.

Em tempo: Bolsonaro foi afastado do Exército por indisciplina e conduta antiética. Como capitão, planejou explodir bombas em quartéis quando a ditadura militar de 64 estava nos seus estertores, e ele revoltado com isso. Até hoje, justifica a tortura e o assassinato de adversários do regime naquela época. Ricardo Noblat

Os felizes no país

A hora é dos felizes que, acomodados no conforto de qualquer manjedoira, nem sequer têm consciência da sua má consciência
Miguel Torga, Diário XVI

As preocupações do presidente

Desde o início de março, o presidente Jair Bolsonaro tem feito às quintas-feiras uma live para se comunicar com a população. Trata-se de um vídeo transmitido ao vivo por meio das redes sociais no qual o presidente discorre sobre os mais variados assuntos. O Estado fez um levantamento dos temas abordados e de quanto tempo foi dedicado a cada um. O resultado preocupa.

Até agora, o assunto mais falado pelo presidente Jair Bolsonaro foi a pesca. Foram 45 minutos e 35 segundos dedicados à pescaria. A pesca da tilápia, por exemplo, ocupou sozinha 15 minutos e 47 segundos das transmissões de quinta-feira. A título de contraste, a saúde pública, que frequentemente aparece como uma das principais preocupações dos brasileiros, recebeu a atenção do presidente Bolsonaro por apenas 7 minutos e 33 segundos, ocupando, assim, a 20.ª posição entre as preocupações presidenciais.

O segundo tema mais abordado pelo presidente Jair Bolsonaro em suas lives foi a internet (41 minutos e 20 segundos). Em seguida vieram as armas (36 minutos e 55 segundos), as relações exteriores (29 minutos e 26 segundos) e as regras de trânsito (28 minutos e 27 segundos), com destaque para a Carteira Nacional de Habilitação (CNH).

De acordo com o líder do PSL no Senado, major Olímpio, o presidente Jair Bolsonaro “quer (com as lives) mostrar à população que continua o mesmo Jair Bolsonaro de antes de ser presidente”. Se for assim mesmo, trata-se de um grande equívoco. Ele hoje tem responsabilidades completamente distintas das que tinha há pouco mais de seis meses.

Em 1.º de janeiro de 2019, Jair Bolsonaro assumiu a Presidência da República, com atribuições e deveres especialmente graves. Entre outras competências constitucionais, cabe ao presidente da República “exercer, com o auxílio dos Ministros de Estado, a direção superior da administração federal”. Não é exagero dizer que o desenvolvimento econômico e social do País depende em boa medida do modo como o presidente Jair Bolsonaro realiza suas tarefas. Se eventualmente a pescaria estava entre as principais preocupações de Jair Bolsonaro – em 2012, por exemplo, o então deputado Bolsonaro foi autuado por pescar na Estação Ecológica de Tamoios, uma área protegida entre os municípios de Angra dos Reis e Paraty (RJ) –, é de esperar que, uma vez empossado como presidente da República, os temas nacionais adquiram outra hierarquia.

Por mais informais que sejam as transmissões de quinta-feira, elas têm inevitavelmente um caráter de comunicação do Poder Executivo federal com o cidadão. Tanto é assim que vários integrantes do governo participam das lives. O general Augusto Heleno já apareceu sete vezes nas transmissões. Em seguida, vem o secretário da Pesca, Jorge Seif Junior, que lá esteve quatro vezes. Também estiveram por três vezes no programa ao vivo do presidente o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo; o ministro da Educação, Abraham Weintraub; o almirante Bento Albuquerque, ministro de Minas e Energia; e o porta-voz, general Rêgo Barros. Não é, portanto, uma conversa de botequim.

Entre as mudanças que opera, a posse como presidente da República faz com que as palavras ditas tenham uma nova importância. O que um presidente da República fala, seja quem ele for, tem peso. É preocupante, assim, que, nessa comunicação direta com a população, a educação ocupe apenas o oitavo lugar entre os temas mais falados, depois das armas e da relação com os EUA (sétimo tema).

Mesmo assuntos que receberam destaque na campanha eleitoral de Bolsonaro têm agora dimensão muito mais modesta. Tão falada nas eleições, a segurança pública recebeu apenas 18 minutos e 16 segundos (11.º lugar) nas transmissões. As privatizações estiveram em 28.º lugar no ranking das preocupações do presidente e o tema dos investimentos e empregos, em 44.º.

Há um país com 13 milhões de desempregados. Há uma economia a ser reerguida. Há várias reformas estruturantes a serem realizadas. Seria muito oportuno que as preocupações do presidente expressassem, com bom conhecimento de causa, as reais prioridades do País.

Pensamento do Dia


Céu do faminto é cozinha do Palácio da Alvorada

Em levantamento divulgado no ano passado, a FAO, órgão das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, contabilizou 5,2 milhões de brasileiros em estado de subalimentação. O IBGE também mapeou a fome. Mas Jair Bolsonaro não parece incomodado com os patrícios que carregam um espaço baldio entre o esôfago e o duodeno."Falar que se passa fome no Brasil é uma grande mentira", declarou o presidente nesta sexta-feira, dirigindo-se a jornalistas estrangeiros.

Bolsonaro discorreu a respeito da inexistência da fome debruçado sobre uma mesa de café da manhã. Anfitrião e convidados serviam-se de café com leite. De prontidão, os garçons da Presidência cuidavam da reposição de pães, bolos e sucos. "Passa-se mal, não come bem, aí eu concordo. Agora, passar fome, não", insistiu o capitão, em resposta a uma jornalista que mencionara a preocupação do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, com o aumento da miséria no Brasil. 

Horas depois, em conversa com jornalistas brasileiros, Bolsonaro tentou se reposicionar em cena: "Olha, o brasileiro come mal. Alguns passam fome. Agora, é inaceitável um país tão rico como o nosso, com terras agricultáveis, água em abundância, até o semi-árido nordestino tem uma precipitação pluviométrica maior do que Israel."

Um repórter quis saber se o presidente estava reconsiderando a declaração que fizera mais cedo. Bolsonaro subiu nas tamancas: "Ah, pelo amor de Deus, se for pra entrar em detalhe, em filigrana, eu vou embora. Eu não tô vendo nenhum magro aqui, tá certo? Temos problemas alimentares no Brasil? Temos, não é culpa minha, vem de trás, estamos tentando resolver."

À sua maneira, o presidente como que endossou a tese de Rodrigo Maia segundo a qual o governo não dispõe de uma agenda para os brasileiros que não têm um salário para encher a geladeira. Se pudessem se expressar, os estômagos baldios talvez redigissem uma carta aberta ao presidente. Algo na seguinte linha:

Sei que o senhor não me conhece, presidente. Pois permita que me apresente. Moro onde olho nenhum me alcança, no ermo das entranhas. Sou ferida exposta que não se vê. Trago das origens uma certa vocação para a tragédia. Não deve ser por outra razão que venho do grego: "stómachos". Se pudesse dar entrevista aos correspondentes estrangeiros, resumiria assim o oco de minha existência:"É dura a vida de víscera." Às vezes, presidente, invejo o coração que, quando sofre, é de amor. Eu jamais tive tempo para sentimentos abstratos. Perdoe-me o pragmatismo estomacal. Mas só tenho apreço pelo concreto: o feijão, o arroz, a carne ... Meu projeto de vida sempre foi arranjar comida. Meu mundo cabe no intervalo entre uma refeição e outra. Meu relógio, caprichoso, só tem tempo para certas horas: a hora do café, a hora do almoço, a hora do jantar... Sem comida, senhor presidente, meu relógio ficou louco. Passou a anunciar a chegada de cada novo segundo aos gritos. Ardem-me as paredes, bombardeadas por jatos de suco gástrico. Mas já não sofro, presidente. Entrego-me aos delírios. Neles, troco frequentemente o inferno pelo paraíso. Temente a Deus, rogo para que Ele coloque no meu céu uma cozinha como a do Alvorada, tão farta que me propicie uma fome de presidente, dessas que a gente resolve simplesmente abrindo uma geladeira abastecida com todas as guloseimas que o déficit público pode pagar. Dispenso o garçom. Recomende-me à dona Michelle. Cordialmente, Vísceras.
Josias de Souza 

Dados contradizem afirmação de Bolsonaro de que não há fome no Brasil

O presidente Jair Bolsonaro disse nesta sexta-feira que "falar que se passa fome no Brasil é uma grande mentira". A declaração foi dada durante um encontro com jornalistas, no Palácio do Planalto, em Brasília.

"Passa-se mal, não se come bem, aí eu concordo. Agora passar fome, não. Você não vê gente, mesmo pobre, pela ruas com o físico esquelético como se vê em outros países pelo mundo", disse o presidente.

Criticado pela declaração, Bolsonaro reviu sua opinião horas depois, em outro evento, ao reconhecer que "uma pequena parte (dos brasileiros) passa fome". Ele se irritou ao ser questionado por jornalistas se havia recuado da declaração inicial: "Se for para entrar em detalhe, em filigranas, eu vou embora. Não estou vendo nenhum magro aqui. Temos problemas alimentares no Brasil? Temos. Não é culpa minha, vem de trás."

De fato, dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) indicam que a fome ainda não foi erradicada do Brasil.


Segundo a última pesquisa do órgão sobre o tema, de 2013, 3,6% dos brasileiros têm insegurança alimentar grave. O índice correspondia a 7,2 milhões de pessoas no ano da pesquisa. Na definição do IBGE, em domicílios com insegurança alimentar grave, pode-se "passar pela privação de alimentos, podendo chegar à sua expressão mais grave, a fome".

O IBGE não colheu dados sobre a fome no Brasil desde então. Porém, é provável que o índice tenha aumentado nos últimos anos, acompanhando o crescimento da pobreza verificado a partir de 2016.

Naquele ano, 52,8 milhões de pessoas (ou 25,7% dos brasileiros) eram consideradas pobres, número que passou para 54,8 milhões (26,5%) em 2017. Não houve medições da pobreza desde então.

Não é a primeira vez que o governo Bolsonaro causa polêmica ao se referir à fome no Brasil.

Em abril, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina (DEM), afirmou que "nós não passamos muita fome porque temos manga nas nossas cidades, nós temos um clima tropical".
Ranking da fome no mundo

Em seu último relatório "O estado da segurança alimentar e da nutrição no mundo", de 2018, a FAO (agência da ONU para agricultura e segurança alimentar) põe o Brasil na categoria dos países com o menor índice de fome no planeta. Nessas nações, o índice de pessoas com subalimentação entre 2015 e 2017 foi "menor que 2,5%", segundo a organização.

A FAO não cita números detalhados para os países com índices inferiores a 2,5% por considerar que as cifras não são precisas, mas sim estimativas calculadas a partir de diversos indicadores com margem de erro.

Na América do Sul, só Brasil e Uruguai alcançam essa categoria - que também abarca países altamente desenvolvidos como Austrália, Canadá, Suécia e Finlândia.

No encontro com jornalistas nesta manhã, Bolsonaro fez outra declaração contestável sobre a questão alimentar.

Ao tratar de agricultura, o presidente afirmou que "estamos (no Brasil) nos últimos lugares no tocante ao uso de agrotóxicos".

Segundo a FAO, porém, o Brasil ocupa a 47ª posição entre 198 nações em um ranking sobre o consumo agrotóxicos por área plantada.

Quando se analisa o total de agrotóxicos consumidos por cada país, o Brasil disputa as primeiras posições da lista. Em 2013, segundo um levantamento feito pela consultoria Phillips McDougall para a FAO, o Brasil consumiu o equivalente a US$ 10 bilhões em agrotóxicos.

O resultado deixou o país na primeira posição do ranking, à frente dos Estados Unidos (US$ 7,4 bilhões), China (US$ 4,8 bilhões) e Japão (US$ 3,4 bilhões).

Um dinheiro aí

O governo armou uma festa ontem, no Palácio do Planalto, para comemorar os 200 dias do presidente Jair Bolsonaro no poder, efeméride inédita em relação aos antecessores, mas faltou a cereja do bolo: a liberação dos saques do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), como estava previsto, porque a equipe econômica não chegou a um acordo com o setor da construção civil. A medida fora anunciada como uma ação de governo para o reaquecimento a economia.

O governo pretende liberar R$ 30 bilhões de recursos do fundo, de um total de R$ 100 bilhões, mas os empresários do setor, que está em crise, fizeram forte lobby durante a semana para evitar que isso acontecesse. Temem que a medida aprofunde a crise de financiamento do setor, principalmente do programa Minha Casa, Minha Vida, que foi o carro-chefe do primeiro governo de Dilma Rousseff. Como se sabe, a construção civil é um dos setores que mais empregam mão de obra e exerce grande efeito multiplicador sobre a economia.

Por ordem do próprio Bolsonaro, o ministro da Economia, Paulo Guedes, e sua equipe adiaram a decisão, iniciando negociações com o setor da construção civil. A aprovação da reforma da Previdência em primeiro turno pela Câmara melhorou o otimismo dos agentes econômicos com o futuro da economia, mas isso ainda é apenas uma boa expectativa. Como sempre acontece, quando se alcança um objetivo prioritário, surgem outros: o mercado cobra medidas econômicas para reaquecer a economia, enquanto a população sofre com o desemprego.


Segundo a Caixa Econômica Federal, em 2017, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) injetou na economia o total de R$ 227 bilhões. Somente os saques de contas inativas representaram R$ 44 bilhões, o que ajudou as famílias a reduzirem seu endividamento. Os outros R$ 183 bilhões corresponderam ao pagamento de saques regulares do FGTS (R$ 119 bilhões), financiamentos da casa própria (R$ 59,2 bilhões) e programas de saneamento e infraestrutura (R$ 4,2 bilhões).

A liberação das contas inativas foi uma alternativa adotada pelo então ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, para enfrentar a profunda recessão causada pela “nova matriz econômica” de Dilma Rousseff, uma das causas políticas de seu impeachment. A medida foi eficaz para retomar a atividade econômica, mas funcionou como um paliativo, porque a reforma da Previdência acabou bloqueada no Congresso, após as denúncias do então procurador-geral da República Rodrigo Janot contra o presidente Michel Temer.

Do orçamento de R$ 85,5 bilhões aprovado para 2018 pelo Conselho Curador do FGTS, R$ 69,4 bilhões foram destinados à habitação, sendo a maior parte para a habitação popular (R$ 62 bilhões) e R$ 5 bilhões para a linha de crédito imobiliário Pró-Cotista. Já os recursos destinados ao saneamento e à infraestrutura foram de R$ 6,8 bilhões e 8,6 bilhões, respectivamente.

O problema é que a arrecadação do FGTS vem caindo por causa do desemprego e da crise financeira das empresas, que deixam de recolher a contribuição ao fundo. Apesar de apresentar arrecadação líquida positiva (arrecadação bruta das contribuições menos os saques efetuados pelos trabalhadores), o fundo vem desabando: em 2017, o FGTS obteve aproximadamente R$ 4,9 bilhões, menos da metade em relação a 2016 (R$ 10,2 bilhões) e o menor valor desde 2007 (R$ 3,3 bilhões).

Brasil Fome Zero


Por favor, Senado, freie o Bolsonaro!

O jogo só acaba quando termina. Por isso, não vamos arriscar definir nos pênaltis ou no VAR. O que começou como um mero “balão de ensaio” – a indicação de Eduardo Bolsonaro para a embaixada do Brasil em Washington – começa a ganhar ares de verdade. O presidente ignora impedimentos, atropela críticas de juízes, peita o bandeirinha Olavo de Carvalho, refuta apitos de nepotismo e infla o passe do filho.

Jair Bolsonaro, o pai do ano, só pensa nisso. Naquilo também. Porte de armas e fuzis, trabalho infantil, desmatamento, especulação imobiliária em reservas, cortes na educação básica, agrados a infratores de trânsito e gratidão ao árbitro Dias Toffoli, presidente e plantonista do STF, por livrar o 01 Flávio de uma eventual penalidade máxima por desvios de dinheiro. Mas, senadores e cidadãos, vamos ficar só nisso, na indicação para a embaixada americana.


Vamos manter o foco para não parecer biruta nos ventos do Planalto. É tudo o que Bolsonaro deseja. Desconcentrar, quebrar a resistência, arrumar emprego para a família toda enquanto é o dono da bola. Agora levou o caçula, o 04 Jair Renan, para a Argentina e se referiu a ele como “embaixador mirim”. O rapaz de 20 anos é conhecido como “Bolsokid” nas redes. Pelo menos, Bolsonaro não tem 11 filhos.

Caro presidente do Senado Davi Alcolumbre, não vamos expor o Brasil ao ridículo, combinado? Articule discretamente esse veto ao Dudu embaixador. O voto é secreto, mas há um movimento para torná-lo aberto e a nação saber quem é quem. Caso o Senado barre a esdrúxula ideia de consagrar embaixador nos EUA o 03, especialista em fritar hambúrguer, será um grande momento para o Congresso. Senadores terão agido pelo interesse público e nacional. Além de se gabar de uma pós-graduação não concluída, Eduardo derrapa no português: num tuíte, escreveu “fundo do posso” em vez de “poço”. Mas, segundo o pai, bate um bolão no inglês.

O pai Jair premedita isso faz tempo. Em março, jogou para escanteio o chanceler na visita a Donald Trump, botou o Dudu no Salão Oval a portas fechadas, esperou os 35 anos do filho para convocá-lo. Jair defendeu o filho como um futuro “grande embaixador”. Se é amigo de Trump, deveria desistir de Washington. Porque essa amizade trava o jogo diplomático honesto. Também não sei de onde os Bolsonaro tiraram essa noção de que Eduardo é “conhecedor de relações internacionais”.

Será que foi dessa declaração de Eduardo? “São bombas nucleares que garantem a paz. Se nós já tivéssemos os submarinos nucleares finalizados, que têm uma economia muito maior dentro d'água; se nós tivéssemos um efetivo maior, talvez fôssemos levados mais a sério pelo (Nicolás) Maduro, ou temidos pela China ou pela Rússia”. Sensacional. O Senado deveria explorar essas teses de Eduardo na sabatina. Ah, mas ele também conhece segurança pública. Defende “acesso às armas para que amanhã a gente aqui não fique sob os desmandos de um governo autoritário”. Pronto para assumir uma embaixada.

Bolsonaro já reclamou do Congresso e disse que o Brasil era “ingovernável”. Temia virar um presidente figurativo, uma rainha da Inglaterra. Mas quem se coloca como um bobo da corte é ele. O Congresso tem o dever de frear os delírios bolsonaristas. Tem muita gente que ainda vê o atual presidente como estadista. Afinal, 7% dos brasileiros afirmam que a Terra é plana. Então tem de tudo. Não adianta a gente se lamuriar e se desnortear. Precisamos é resistir. Com abaixo-assinados, jogo aberto e respeito a todas as regras democráticas.

'Pai' Messias


Se Deus quiser, a política no Brasil será como a de agora, de maneira eterna
Jair Bolsonaro

Somente uma diplomacia de paz, e não de guerra, pode reconstruir a imagem do Brasil no mundo

Desde os tempos da ditadura militar, nunca a imagem do Brasil no mundo se encontrou tão deteriorada como hoje. No passado foi uma diplomacia séria, preparada e de paz e não de guerra que projetou no mundo o rosto amável, festivo e multicultural do Brasil. Hoje essa imagem está deformada. Como recuperá-la? Somente com uma diplomacia como a do passado, reconhecida e respeitada no exterior.

Marian Kamensky
Se esse país hoje é visto aos olhos do mundo como em guerra contra si mesmo, com a política e a cultura surradas por ideias obscurantistas, com políticos e intelectuais que querem deixar o país, o que ele precisa é de uma diplomacia capaz de devolver sua melhor face, a deteriorada por políticas de exclusão e esquecimento do social. Até o Presidente do Congresso, Rodrigo Maia, de centro, criticou o Presidente da República, Jair Bolsonaro, ao afirmar que “não tem uma preocupação, uma palavra ao brasileiro pobre”. De acordo com ele, Bolsonaro “só se preocupa pelas corporações, as que não passam fome e não ficam desempregadas”.

Com um Brasil assim, existe o perigo de que sua diplomacia se endureça com diplomatas ideologizados, com mais vontade de guerrear do que de criar um clima de paz. Desde os tempos mais antigos até hoje a diplomacia foi se forjando, em todo o mundo, com bandeiras de paz e diálogo, não de confronto e divisões. Um exemplo atual vem das Coreias do Norte e do Sul. Somente uma diplomacia à altura de sua missão, que é forjar a paz e evitar a guerra, tornou possível que os dois países não tenham entrado em um horroroso conflito armado.

Procurem todas as definições de diplomacia e verão que se resumem nessa: “Agir com diplomacia é respeitar o próximo, sabendo lidar pacificamente diante das diferentes situações e comportamentos”. A diplomacia sempre aparece associada a uma missão de paz e não de guerra. No Código de Manu, o monumento mais antigo do Direito Internacional chegado até nós do Antigo Oriente, já aparece que “a arte da diplomacia é capaz de impedir as guerras e fomentar a paz”.

Não parece que no Brasil de hoje a diplomacia que se quer implantar seja a da paz. É a do confronto, guiada por diplomatas que querem que o país volte às teocracias do passado dando mais importância à Bíblia do que à Constituição. O último exemplo visto pelo país da mudança em sua missão diplomática, que só preocupa, é que o Presidente Bolsonaro tenha indicado como embaixador em Washington seu filho Eduardo, de 35 anos, deputado federal, sem nenhuma preparação no mundo diplomático e conhecido por suas ideias ultradireitistas beligerantes e suas bravatas que chegaram a constranger seu próprio pai que acabou pedindo desculpas por ele. Foi quando ao final da campanha eleitoral em que Bolsonaro já aparecia como favorito seu filho Eduardo afirmou que se fosse preciso fechar o Supremo Tribunal Federal bastavam “um cabo e dois soldados”, o que lhe valeu a conotação de “golpista” por parte do decano do Supremo, Celso de Mello.

Na mesma campanha a favor de seu pai, dirigindo-se às mulheres de seu partido, o PSL, disse textualmente: “As mulheres de direita são mais bonitas do que as de esquerda”, e acrescentou: “As de direita são mais higiênicas. Elas não mostram os peitos e não defecam na rua”.

O Brasil está em uma encruzilhada quando o que mais precisa é de embaixadores no exterior, capazes de pressionar o Governo ultradireitista atual para não ultrapassar os limites da democracia. Os governos passam e o país, em seu interior, é sempre melhor do que as caricaturas apresentadas pelos políticos. E serão os diplomatas, de forte componente democrático e diálogo, de direita e esquerda, os encarregados de manter vivos no exterior os resquícios das melhores e mais ricas essências da brasilidade.
Juan Arias

Os Bolsonaros e o Itamaraty

Aos poucos, com calma e sem pudor, o capitão Bolsonaro tenta desmontar o Itamaraty. Seu filho Eduardo uma vez disse que "se quiser fechar o STF basta mandar um soldado e um cabo”, não foi?

Pois para desmontar o Itamaraty o capitão pensava que seria ainda mais fácil, bastava sua vontade. Já descobriu que não é bem assim, apesar de ter levado o carro à frente dos bois: segundo ele disse, já fez saber ao Trump que vai indicar seu filho para embaixador do Brasil em Washington.

Entusiasmado, lá em Santa Fé, na Argentina, o capitão ainda disse que poderia sugerir ao chanceler Ernesto Araújo – nesse exato momento da breve entrevista, Ernesto estava pertinho do capitão – que ele vá para Washington e Eduardo para o comando do Itamaraty. Ainda estou pensando nas inúmeras vantagens dessa troca. São tantas que eu talvez leve uma semana para avaliar todas elas.


O capitão, além de detalhar as grandes qualidades do filho, lembrou outra grande vantagem do Eduardo Embaixador: o acesso imediato ao Trump. Como grandes amigos que são, Trump atenderia ao Eduardo antes de qualquer outra pessoa. (O que será que os embaixadores de outros países pensarão a respeito desse afeto?)

Nepotismo? Que nada. Deixem de bobagem. Isso no governo Bolsonaro não existe. Aqui rezamos conforme a Nova Política. Que é a mais limpinha do mundo! Chega a cegar nossos olhos de tão branca!

Pelo presidente, o assunto já estava definido mas, a contragosto, é preciso esperar pela anuência do Senado Federal e do STF, de pessoas que não conhecem bem seu filho, não sabem como ele já viajou o mundo todo, como ele conhece bem a vida e as gentes de fora do Brasil.

Mas como o capitão é uma verdadeira usina de ideias, ainda soltou outra: que nós, espectadores da entrevista, prestássemos atenção em outro garoto Bolsonaro presente em Santa Fé, o adolescente Jair Renan. (Bonitinho o garotinho). Que, segundo o pai, está sendo treinado para também vir a ser embaixador. Tudo isso acompanhado daquele sorrisinho curioso do capitão.

Tomo a liberdade de pedir ao capitão que lembre ao amigão Trump que os brasileiros gostariam de não ter que pedir visto para entrar nos States. E mais, que o POTUS (President of the United States) não persiga os brasileiros que estão lá sem licença formal. Afinal, amigos são para essas coisas.

Ah! capitão, peça também ao Eduardo que não se esqueça de tirar uma foto dele com os Trump Kids traçando um hambúrguer nos jardins da Casa Branca. Para dar mais colorido local ao grande evento, seria bom que todos usassem camisetas Make America Great Again e bonés TRUMP 2022.

Tomara que na sabatina no Senado Eduardo Bolsonaro demonstre todo seu vasto conhecimento sobre a História da Brasil e a história de nossas Relações Internacionais, para assim calarmos a boca dos falastrões que não sabem nem fritar um hambúrguer!

Mas também seria bom não esquecermos que o capitão-presidente fez questão de dizer que não sabe de nenhum embaixador brasileiro em Washington, de 2003 para cá, que tivesse feito algo de bom para o Brasil. Ele não sabe ou não quer saber?

Que o capitão fique sabendo que graças a alguns dos grandes sucessores do Barão do Rio Branco, como Roberto Campos, Vasco Leitão da Cunha, Araújo Castro, Azeredo da Silveira, Paulo Tarso Flecha de Lima, Rubens Ricúpero, Mauro Vieira, Antonio Patriota e muitos outros brilhantes diplomatas da carreira, o registro do papel deles na embaixada em Washington é o que vai salvar o Itamaraty.

Sabem de uma coisa? Creio que desta vez o presidente-capitão vai aprender: mais fácil um burro voar do que desmontar o Itamaraty!