sábado, 24 de abril de 2021

Falta dinheiro para tudo, menos para Bolsonaro ir atrás de votos

Menos de 24 horas depois de Bolsonaro ter anunciado na Cúpula de Líderes sobre o Clima que mandaria duplicar os recursos destinados a ações de fiscalização ambiental no Brasil, o Diário Oficial da União publicou o Orçamento de 2021 assinado por ele que cortou RS 240 milhões da verba do Ministério do Meio Ambiente. A duplicação não tem mais data para acontecer.

Na quinta-feira, em live nas redes sociais, Bolsonaro apareceu ao lado de Marcos Pontes, ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação, convidado por ele para falar sobre a vacina brasileira contra a Covid-19 que está sendo desenvolvida por cientistas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. Ontem, Bolsonaro vetou R$ 200 milhões que seriam usados para financiar a vacina.

“Marcão, vamos lá. Como é que tá a nossa vacina brasileira? Essa é 100% brasileira, não é aquela ‘mandrake’ de São Paulo, não né”, perguntou Bolsonaro a Pontes na live. Referia-se à Butanvac, a vacina apresentada pelo Instituto Butantan de São Paulo como sendo 100% nacional e que está em fase de testes. A vacina patrocinada pelo governo federal ficará para depois.

Jamais faltou e jamais faltarão recursos para combater a pandemia, Bolsonaro repete como se fosse um mantra. Mesmo com a crise sanitária do coronavírus batendo novos recordes nos primeiros quatro meses deste ano, o Orçamento de 2021 reservou menos recursos para o Ministério da Saúde do que no ano passado. Foram R$ 210 bilhões em 2020. Agora serão R$ 157 bilhões.


Foi praticamente zerada no Orçamento deste ano a verba para dar continuidade às obras da faixa 1 do programa Minha Casa, Minha Vida, rebatizado pelo governo de Casa Verde e Amarela. Houve um corte de R$ 1,5 bilhão nas despesas que estavam reservadas ao Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), que banca as obras do programa habitacional voltadas às famílias de baixa renda.

Ao jornal O Estado de S. Paulo, o presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção, José Carlos Martins, classificou de “loucura” o corte total nas verbas para a continuidade das obras do programa habitacional do governo e disse que quem ordenou o veto “não tem noção do que está fazendo”. O corte, segundo ele, põe em risco 250 mil empregos diretos no setor da construção.

Para não ouvir choro nem ranger de dentes, Bolsonaro manteve-se distante de Brasília durante boa parte da sexta-feira. Saiu em campanha para reeleger-se com tudo pago pelo governo, naturalmente. Em Manaus, inaugurou um centro de convenções inacabado com capacidade para 10 mil pessoas, reuniu-se com evangélicos e entregou cestas básicas aos seus devotos.

Fez um discurso de apenas cinco minutos, o suficiente para exaltar o general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde demitido por ele, que passou a acompanhá-lo em viagens; repetiu a ladainha de que o país “começou a sair das garras nefastas da esquerda brasileira”; e disse que se Haddad (PT) tivesse sido eleito haveria um lockdown nacional. “Graças a Deus não aconteceu”.

Foi a primeira vez que Bolsonaro visitou Manaus desde o colapso do sistema local de saúde em janeiro devido à segunda onda da epidemia. Nada comentou sobre a morte, ali, de 6.600 pessoas no primeiro trimestre deste ano, um dos índices de óbito per capita mais altos do mundo. Muitos morreram asfixiados porque não havia cilindros de oxigênio disponíveis.

De Manaus, Bolsonaro foi a Belém entregar 468 mil cestas básicas do programa Brasil Fraterno para serem distribuídas em todo Estado. Dezenas de pessoas com fome o aguardavam desde cedo. A solenidade foi na Base Aérea. Apoiadores de Bolsonaro, carregando bandeiras, chegaram ao local em ônibus escuros com logotipo do Primeiro Comando Aéreo Regional.

Outra vez, Bolsonaro discursou como se tivesse em um comício, e de fato estava. Cercado de deputados, disse: "Estamos atendendo essas pessoas, diferente daqueles que retiraram os empregos e não fizeram quase nada por aqueles que estão desempregados e passando fome”. O governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), recepcionou Bolsonaro na descida do avião, mas logo foi embora.

Novo meio ambiente brasileiro

 


O Brasil e as mudanças climáticas

O fato mais importante da semana foi a realização da Cúpula de Líderes sobre o Clima, reunindo quarenta chefes de governos, ato preparatório para a COP-26, a Conferência do Clima da ONU, que terá lugar em Glasgow, na Escócia, em novembro. Marca importante mudança de postura dos EUA, Joe Biden à frente, sobre as questões ambientais e o desenvolvimento sustentável, após o turbulento Governo Trump e sua postura negacionista frente às mudanças climáticas e suas consequências, que culminou com a saída dos EUA do Acordo de Paris firmado em 2015.

Nos últimos trinta anos, a agenda do desenvolvimento sustentável ganhou papel central no planejamento e nas ações de governos, da sociedade e das empresas. A consciência ecológica ganhou corações e mentes a partir do esgotamento de um modelo de crescimento urbano-industrial baseado em energias vindas dos combustíveis fosseis (carvão mineral, petróleo, gás natural, xisto betuminoso) e na intensa poluição do ar, das águas e da terra.


Para o Brasil se abre uma enorme oportunidade, mas há também riscos e ameaças. Tudo dependerá das escolhas que fizermos. Até a pouco, nosso país era protagonista no jogo político e diplomático na arena de discussão sobre o desenvolvimento sustentável. Não foi à toa que a Cúpula Mundial, a RIO-92, se deu em terras brasileiras. Temos uma das matrizes energéticas mais limpas do globo. Temos um dos melhores arcabouços legais na área ambiental. Temos um verdadeiro tesouro ecológico com uma das maiores biodiversidades do mundo e a maior floresta tropical do Planeta.

O atual governo, que chegou a namorar com o negacionismo ambiental de Trump, parece estar processando uma mudança de rota. Apresentou na Cúpula de Líderes a proposta de acabar com o desmatamento ilegal até 2030 e antecipar em dez anos o compromisso de zerar as nossas emissões de gases poluentes. Na carta enviada à Biden, Bolsonaro falou em fortalecer os mecanismos de comando e controle, trabalhar na regularização fundiária, implementar o pagamento por serviços ambientais, trabalhar no zoneamento ecológico-econômico e promover a bioeconomia, transformando nossa fantástica biodiversidade em atividades geradoras de emprego e renda sustentáveis.

As palavras precisam agora encontrar consequências práticas. Não é “passando a boiada” tendo a pandemia como biombo ou nos alinhando com madeireiros e garimpeiros ilegais que chegaremos lá.

A transição para uma nova matriz energética não é nada fácil. Os países ricos dependem em 79% dos combustíveis fósseis. China, EUA, União Europeia, Índia e Rússia são responsáveis por 59% das emissões poluentes, o Brasil por 2,19%. As estratégias globais não podem passar por negar oportunidades aos países pobres e em desenvolvimento e nem pela taxação de importações que gerem barreiras comerciais. A parceria tem que ser pra valer, um jogo de ganha-ganha. E o Brasil pode ser um grande captador de investimentos ambientais se superar a armadilha ideológica do falso dilema entre soberania nacional e cooperação internacional.

Para quem quiser se aprofundar no diagnóstico e na agenda do desenvolvimento sustentável recomendo o artigo do ex-ministro do meio ambiente José Carlos Carvalho e da socióloga Aspásia Camargo, “Meio Ambiente e Sustentabilidade.

Mourão sobre metas ambientais para futuro longínquo: 'Todos já viramos pó!'

Chefe do Conselho da Amazônia, Hamilton Mourão não participou da preparação do discurso de Bolsonaro na Cúpula do Clima. Ao excluí-lo, o presidente pode ter convertido o vice em versa. No encontro convocado por Joe Biden, Bolsonaro anunciou a antecipação em dez anos —de 2060 para 2050— da meta assumida pelo Brasil de zerar as emissões de gases do efeito estufa. Instado a comentar a reunião, o general, com refinada ironia, fez um comentário que pode levar o capitão a engrossar.


Sem mencionar o nome de Bolsonaro, Mourão disse que a abertura da cúpula climática "tinha desde grandes países até países bem pequenos. É mais uma carta de intenções que cada um colocou. E aí neguinho chega ali: 'Em 2060...'. Pô, nós todos já viramos pó!"

Questionado especificamente sobre o compromisso assumido por Bolsonaro, o vice considerou que a promessa futura faz parte do processo. Entretanto, soou mais preocupado com o presente: "O que nós temos que fazer, qual o nosso problema hoje? Claro, objetivo: temos que reduzir o desmatamento na Amazônia."

Considerando-se que Bolsonaro acordou para o meio ambiente depois que seu governo estragou o ambiente inteiro, não há razões para acreditar que Biden e os outros chefes de Estado deram crédito ao seu discurso. Levando-se em conta que o presidente escorou seus planos ambientais na obtenção de ajuda financeira internacional, pode-se concluir que o Brasil continuará ostentando a incômoda condição de mais antigo país do futuro do mundo.

Vamos eleger poetas

Em visita ao Museu do Holocausto, em Auschwitz, das coisas que mais me impressionaram foi uma sala cheia de óculos dos judeus mortos. É claro que aqueles objetos poderiam vir de banqueiros, de empresários etc., mas eram em grande maioria, pelos registros históricos de perseguição, de professores, escritores, artistas e intelectuais em geral. Parei diante da vitrine por um tempo mais longo e fiquei imaginando que o grande perigo daquele grupo era o poder de ler, de refletir e a coragem de expressar-se. Na hora. Lembrei-me do filósofo Walter Benjamin, que não chegou a ser preso pelos nazistas porque se suicidou na fronteira entre França e Espanha, em um ato de desespero. Vi vários óculos iguais aos que ele usava.

Este pequeno insight na visita a Auschwitz serve agora como explicação para o ódio que se exerce contra todo homem e toda mulher que ousa pensar em um país transformado em memecracia – uma sociedade dominada por memes que circulam instantaneamente com cancelamentos ou falsos endeusamentos. Enxergar além destas imagens e frases chapadas se tornou um crime a ser punido.

A ideia de que todo intelectual que não repete o beabá político do momento é um comunista, um bon-vivant, um parasita, um perigo para a nação desenvolveu uma energia antípoda entre os equipamentos públicos e a inteligência nacional. Instituições que antes contaram com grandes nomes de nossa cultura, tanto da erudita quanto da popular, hoje estão nas mãos de burocratas despreparados.


Como é possível constatar isso?

Pela troca constante de direções em diversos órgãos culturais e educacionais. Alguns já estão no seu sexto dirigente, em dois anos e pico de governo. Um índice de rotatividade que lembra o de hotéis. Nunca antes a ideia de que o cargo é passageiro foi tão literal. Virou um modismo de falsa humildade (e de cafonice) dizer estou como diretor(a) disso ou daquilo. O tempo foi acelerado, a pessoa tem que se apresentar assim agora: até o presente momento ainda estou tal coisa.

O principal papel da classe intelectual e artística é o de divergir. E não se pode dirigir equipamentos culturais divergindo das palavras de ordem. Para chegarmos a este estado de depreciação de todo um vasto grupo, que é o que o Brasil tem de melhor, suas mentes criativas, procede-se um linchamento de toda pessoa que pense a realidade.

Se não bastasse esta negação de artistas e intelectuais, tão atingidos profissionalmente pela pandemia, a reforma tributária traz à baila o imposto sobre o livro. A alegação que se propaga é de uma hipocrisia a toda prova. A de que pobre não compra livro. Quem compra livro, então, seria uma classe abastada que não trabalha e tem tempo para ler. Ou seja: sujeitos não produtivos. Além de atacar diretamente as editoras, que já enfrentam dificuldades para vender bons títulos, compromete ainda mais a sobrevivência dos escritores. Desde os anos 1990, o autor brasileiro, nos mais diversos gêneros, começava a ter condições de ser apenas escritor – e este apenas significava escrever para jornais e revistas (que reduziram espaços a tais colunistas), dar palestras e participar de eventos (que, em crise pela demonização das leis de incentivo, agora estão praticamente suspensos), entre outras tarefas, como organizar livros e fazer traduções. O imposto sobre o livro é mais uma volta no parafuso com o propósito de silenciar os intelectuais, obrigando-os a procurar outras ocupações que lhe roubem o tempo de escrever. Como muitos têm uma carreira nas universidades públicas brasileiras, isto também explica o ódio contra tais instituições e a tentativa de controle de professores e pesquisadores, que são permanentemente desqualificados pelos grupos hegemônicos.

Operou-se um divórcio litigioso entre a classe artística/intelectual e a classe dirigente, e quem sai em prejuízo é o país. Pois o escritor é um ser criativo por excelência. Na sua narrativa Vamos Comprar um Poeta (Dublinense, 2020), o ficcionista português Afonso Cruz mostra como os versos aparentemente sem sentido deste ser tido como supérfluo geram soluções estratégicas para a economia. Ele define poeta, a partir de uma das acepções dadas por Samuel Johnson, como “alguém que inventa”. Contra uma manada que repete memes, precisamos defender os criadores: “A ficção salva-nos. Literalmente. Por imaginarmos, conseguimos saber o que fazer”, afirma Afonso Cruz. O atraso das políticas públicas do atual governo vem do fato de o comando de muitas instituições estar com pessoas que não sabem o que fazer. Sabem somente obedecer.

A catástrofe anunciada na Índia

A cada segundo, meu grupo do WhatsApp de recursos contra a covid-19 está recebendo pedidos de oxigênio, drogas antivirais e leitos hospitalares. Tudo o que eu posso fazer é me espantar de quão catastrófica foi a reação do governo do Partido do Povo Indiano (BJP) à pandemia.

O governo teve um ano para se preparar para esta onda. Mas quando 2021 começou, ele ficou complacente, desmontando centros provisórios de isolamento, relaxando medidas de distanciamento social e confinamento, apesar dos sinais de advertência quanto a uma nova onda e a novas variantes virais em outros países.

A Índia sempre teve em seu sistema sanitário um déficit de capacidade. Especialistas têm alertado para o fato há anos. Mas os líderes indianos estavam demasiado confiantes de que o hinduísmo, os templos e um enfrentamento displicente da doença acabariam por "chutar" o coronavírus para fora do país.


Em 20 de março, o primeiro-ministro Narendra Modi, um "herói" para muitos, dirigiu-se à nação, instando os cidadãos a ficarem em casa para evitar mais um lockdown. Embora se esforçando para glorificar a resposta da Índia à atual onda de contágios, ele não mencionou quaisquer planos de investimento no sistema de saúde.

O governo agora está fixado em culpar a oposição e os estados não controlados pelo BJP pelo fiasco da resposta à pandemia. Esse grau de política suja coloca em perigo as vidas de todo indiano, mesmo daqueles cujos votos colocaram Modi e o BJP no poder.

Se o premiê do Reino Unido, Boris Johnson, tivesse podido visitar a Índia em abril, ele teria visto um país que não dá a mínima para o distanciamento social, uso de máscaras ou outras precauções. Alguns chegaram a afirmar que o vírus fora embora.

Os indianos acreditavam que conseguiriam combater o patógeno confiando em remédios e curas não certificados, anunciados no WhatsApp, como a bebida aiurvédica kadha, ou o medicamento Coronil, fabricado pela Patanjali, do iogue Baba Ramdev.

Nesse meio tempo, emergiu uma nova variante do coronavírus, e especialistas e médicos continuavam a alertar quanto a uma nova onda da doença. O governo se recusou a ver tudo isso. Em breve, havia cidadãos telefonando freneticamente para políticos, burocratas e outras figuras influentes, a fim de que "mexessem os pauzinhos" e salvassem os seus familiares.

Quem não tinha essa possibilidade, ficou vendo seus entes queridos morrerem lentamente. Eu mesma fui vítima dessa nova onda: meu sogro não foi hospitalizado a tempo, desenvolveu pneumonia e acabou por morrer nesta quinta-feira.

Não são muitos os que têm a sorte de sequer conseguir um leito hospitalar. Os estabelecimentos da capital Nova Délhi estão superlotados neste momento, com mais de um paciente em cada cama. Os menos afortunados morrem pelos corredores ou nas ambulâncias. Oxigênio e antivirais são armazenados no mercado negro, gente inocente desembolsa milhares de rúpias para assegurar para si os recursos escassos.

Praticamente todo mundo que conheço tem uma história de partir o coração para contar sobre a nova onda de covid-19 na Índia. A infraestrutura médica nacional desmoronou sob o peso de milhares de casos; os doutores estão trabalhando com um mínimo de sono e energia, enquanto os hospitais agora empregam microbiólogos como clínicos, a fim de tapar os buracos da força de trabalho médica.

No momento, a gestão de crise indiana provavelmente é a pior do mundo, mas o governo Modi acredita que enfiar dinheiro em comícios eleitorais com milhares de espectadores e renovar a área administrativa central da Índia lhe valerão mais louros do que salvar as pessoas, de verdade.

Em vez de admitir deficiências óbvias e adotar passos concretos, o governo se rebaixou ao ponto de negar abertamente que fracassara, e até rebateu as recomendações sobre como gerir a pandemia feitas pelo ex-premiê Manmohan Singh, que tamém testou positivo para a covid-19.

O que mais me espanta neste exato momento é os políticos do partido governamental estarem estocando frascos do medicamento remdesivir, recusando-se a compartilhar dados sobre a vacina de fabricação indiana e ignorando o fato de que o coronavírus é transmitido pelo ar.

Os próprios políticos do BJP estão lutando para conseguir leitos de hospital para seus parentes. Em 2020, Modi apelou aos indianos para que doassem a um fundo anti-covid, mas o dinheiro parece não ter encontrado o caminho até o sistema de saúde nacional.

A população precisa responsabilizar este governo nas próximas eleições nacionais, em vez de premiar a política religiosa deles de sempre. As divisões religiosas não estão destruindo a Índia, a negligência administrativa gritante, sim.
Ankita Mukhopadhyay