Ruke Souza |
sábado, 29 de julho de 2023
Democracia? Tanto faz
Com o sombrio título "A recessão democrática na América Latina", o Latinobarómetro acaba de publicar seu informe de 2023. A cada ano, desde 1995, o instituto chileno, dirigido pela economista Marta Lagos, toma o pulso político da opinião pública em 18 países da região. A ideia é aferir as atitudes em relação à democracia, suas instituições e aos governos que dão ou deixam de dar vida a seus princípios e regras.
Trata-se de um acervo precioso que proporciona uma visão comparada de como evoluíram as percepções dos cidadãos de cada país nas três décadas do grande experimento democrático fora dos Estados Unidos, Canadá e Europa Ocidental.
A pesquisa confirma esperadas variações por países. Mas, na média, aponta declínio do apreço pela democracia, em quaisquer circunstâncias; insatisfação com seu funcionamento no país do entrevistado; aumento da indiferença pela forma do regime. Também mostra a percepção de que os partidos funcionam mal, podendo ser dispensados sem grande prejuízo para o sistema.
Os resultados para o Brasil dão o que pensar. Depois de uma queda muito significativa do apoio à democracia, entre 2017 e 2020, a proporção daqueles que a consideram sempre melhor do que as alternativas voltou ao nível anterior. É relativamente baixo e estável —em torno dos 30%. Também ficou do mesmo tamanho a minoria dos cerca de 15% que acham que uma ditadura, em certas circunstâncias, pode ser uma boa solução. O maior contingente continua formado pelos brasileiros para os quais dá tudo no mesmo. E não chegam a 1/3 os satisfeitos com a maneira como sistema opera no país. Sete em cada 10 acreditam que os partidos políticos deixam a desejar.
Nada de novo na existência de um número expressivo de brasileiros relativamente indiferentes quanto ao tipo de regime político, descontentes com seu funcionamento e descrentes dos partidos: repete-se com pouca variação ao longo das três décadas em que o Latinobarómetro faz essa medição. Mudou para melhor no auge do otimismo com relação ao governo do PT, em 2010-2011, e despencou sob o governo Temer e o desastre que se lhe seguiu nas urnas de 2018. É notável que a disputa política renhida, a polarização ideológica e a agitação febril das redes dos tempos de Bolsonaro tenham mexido apenas circunstancialmente com aquelas atitudes básicas que parecem enraizadas nas mentes e corações dos brasileiros.
Como ontem, a democracia há de funcionar no país com poucos democratas convictos e muitos cidadãos indiferentes e desconfiados de suas instituições. Grande é, assim, a responsabilidade das lideranças.
Trata-se de um acervo precioso que proporciona uma visão comparada de como evoluíram as percepções dos cidadãos de cada país nas três décadas do grande experimento democrático fora dos Estados Unidos, Canadá e Europa Ocidental.
A pesquisa confirma esperadas variações por países. Mas, na média, aponta declínio do apreço pela democracia, em quaisquer circunstâncias; insatisfação com seu funcionamento no país do entrevistado; aumento da indiferença pela forma do regime. Também mostra a percepção de que os partidos funcionam mal, podendo ser dispensados sem grande prejuízo para o sistema.
Os resultados para o Brasil dão o que pensar. Depois de uma queda muito significativa do apoio à democracia, entre 2017 e 2020, a proporção daqueles que a consideram sempre melhor do que as alternativas voltou ao nível anterior. É relativamente baixo e estável —em torno dos 30%. Também ficou do mesmo tamanho a minoria dos cerca de 15% que acham que uma ditadura, em certas circunstâncias, pode ser uma boa solução. O maior contingente continua formado pelos brasileiros para os quais dá tudo no mesmo. E não chegam a 1/3 os satisfeitos com a maneira como sistema opera no país. Sete em cada 10 acreditam que os partidos políticos deixam a desejar.
Nada de novo na existência de um número expressivo de brasileiros relativamente indiferentes quanto ao tipo de regime político, descontentes com seu funcionamento e descrentes dos partidos: repete-se com pouca variação ao longo das três décadas em que o Latinobarómetro faz essa medição. Mudou para melhor no auge do otimismo com relação ao governo do PT, em 2010-2011, e despencou sob o governo Temer e o desastre que se lhe seguiu nas urnas de 2018. É notável que a disputa política renhida, a polarização ideológica e a agitação febril das redes dos tempos de Bolsonaro tenham mexido apenas circunstancialmente com aquelas atitudes básicas que parecem enraizadas nas mentes e corações dos brasileiros.
Como ontem, a democracia há de funcionar no país com poucos democratas convictos e muitos cidadãos indiferentes e desconfiados de suas instituições. Grande é, assim, a responsabilidade das lideranças.
Queimadas deixam ar nocivo para 20 milhões de brasileiros
Queimadas e incêndios florestais já tornam a qualidade do ar nociva aos moradores da região da Amazônia Legal e do Centro-Oeste em pelo menos metade dos dias do ano. Segundo estudo publicado nesta sexta-feira (28/07), esse tipo de poluição afeta cerca de 20 milhões de brasileiros – 10% da população do país e mais da metade dentre os que vivem nessas regiões analisadas.
O estudo foi realizado por pesquisadores da Universidade do Estado do Mato Grosso (Unemat), da Fundação Oswaldo Cruz do Piauí, da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e da Universidade de São Paulo (USP) a partir de dados obtidos do satélite do Centro Europeu de Previsões Meteorológicas a Médio Prazo ao longo de uma década – de 2010 a 2019 – e publicado no periódico científico Cadernos de Saúde Pública.
Considerou-se como índice alto de poluente quando a medição indicou um nível superior a 15 microgramas de material particulado – os resíduos da queima, dispersos no ar – por metro cúbico. Assim, seguiu-se a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS), que indica que níveis acima disso já representam risco ao ser humano.
"Usamos a referência da OMS porque para a legislação brasileira definida pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente o limite é de 60 microgramas por metro cúbico. E [para isso] não há base científica", diz uma das autoras da pesquisa, a doutora em saúde pública Eliane Ignotti, professora na Unemat. "Lembramos que há vários estudos, inclusive no Brasil, em que são observados impactos à saúde com limites muito mais baixos."
"É interessante observar que em muitas localidades (...) estes níveis elevados de poluição atingem 100% dos dias no período de estiagem", acrescenta outra das autoras, a também doutora em saúde pública Beatriz Alves de Oliveira, pesquisadora na Fundação Oswaldo Cruz.
Se a pesquisa identificou que mais da metade da população das regiões está exposta a níveis acima do patamar considerável aceitável pela OMS em pelo menos metade do ano, ao analisar os pontos mais excessivos os números são ainda mais preocupantes.
"Estamos lidando com dados estimados, que alcançam frequentemente níveis acima de 200 microgramas por metro cúbico, até 800, 1.000", salienta Ignotti. Ela afirma que "estamos falando de níveis extremamente elevados quando comparados aos limites recomendados pela OMS".
Os autores do estudo alertam para os riscos à saúde pública. "O percentual de dias com má qualidade do ar é um indicador de exposição à poluição atmosférica que identifica as áreas potenciais de risco para a saúde humana a região", explica a professora.
Entre os problemas mencionados pelos pesquisadores estão "o aumento do número de óbitos e internação por doenças cardiopulmonares, o aumento de atendimentos ambulatoriais, o aumento de prevalência de asma, baixo peso ao nascer e até de câncer de pulmão".
Ou seja, além de piorar a qualidade de vida da população, isso significa também aumentar a demanda e criar sobrecarga no sistema de saúde. "Milhares de internações e de óbitos poderiam ser evitados se os níveis de poluição não fossem os verificados nessa região", diz ela.
Quarenta cigarros
A reportagem da DW consultou especialistas alheios ao estudo para tentar mensurar o impacto dessa poluição tanto nas populações quanto no ecossistema da região.
Chefe do Laboratório de Patologia Ambiental e Experimental do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, a bióloga e fisiopatologista Mariana Veras corrobora que os riscos são muito altos para a saúde humana quando pessoas são expostas a níveis altos de poluentes com frequência.
"Há efeitos leves, como uma irritação nos olhos, garganta, tosse, e também efeitos muito graves, como maior incidência de infarto, acidente vascular cerebral, bronquite, agravamento de asma e doenças que se desenvolvem com situações de longo prazo", comenta. "Hoje há estudos que mostram associações de poluição do ar e maior risco de Alzheimer, diabetes, obesidade e outras doenças crônicas."
Publicada em 2021, uma pesquisa coordenada pela Universidade Monash, da Austrália, com participação de cientistas da USP, apontou que incêndios florestais já são a causa de hospitalizações de 47 mil brasileiros por ano. Crianças e idosos estão entre os mais afetados.
Veras recorda de um estudo realizado anos atrás por seu laboratório buscando comparar os danos causados pela poluição de São Paulo, cujo ar tem uma média de 25 microgramas de partículas do tipo por metro cúbico, com os malefícios do cigarro. "Concluímos que duas horas no trânsito [da capital paulista] equivalem a fumar dois cigarros", conta. Ou seja: um cigarro por hora de exposição. "Mas quem mora perto de queimadas tem uma concentração [de partículas poluentes no ar] muito maior."
Fazendo uma analogia, nos casos extremos de localidades da Amazônia e do Centro-Oeste onde a poluição chega a 1.000 microgramas por metro cúbico, isso significaria fumar 40 cigarros a cada hora de exposição.
A especialista explica que as partículas de poluição decorrentes de queimadas e incêndios florestais têm um potencial de danos ao organismo que pode ser ainda pior do que a poluição das cidades, composta por outros materiais. "São características da composição, principalmente do que a gente chama de material particulado, formado pela parte incompleta da combustão da biomassa, da madeira, da floresta. São partículas muito pequenininhas, capazes de entrar em nosso pulmões, chegar nas regiões mais profundas. Apresentam mais risco para a saúde", diz.
Pesquisador do Instituto Ambiental de Estocolmo, o biólogo Mairon Bastos Lima também vê com preocupação o impacto que essa poluição decorrente do fogo nas florestas pode causar nos próprios ecossistemas da Amazônia Legal e do centro-oeste.
As consequências vão do desequilíbrio ambiental a prejuízos para a agricultura. "Mais estudos são necessários para compreender melhor esses impactos, mas é seguro dizer que tamanha quantidade de fumaça e poluição não é inócua", argumenta.
"Por exemplo, pode haver mortandade de certos insetos, com consequências ainda pouco compreendidas. Alguns insetos, como as abelhas, são chave para processos de polinização, além da produção de mel", diz. "Por outro lado, há famílias de insetos chamados de pirófilos por gostarem da fumaça e cujos números se elevam nessas situações. Esses insetos podem incluir tipos de gafanhotos, com consequências [danosas] para a agricultura."
Lima, que atualmente está em pesquisa de campo no Pará, contar ter ouvido de locais que o aumento das queimadas parece estar relacionado ao crescimento das populações de potó, um inseto que pode causar queimaduras severas na pele de humanos. "Mas ainda estamos no escuro em relação a isso, precisamos de mais estudos", salienta.
Onde já há certezas são em pesquisas que mostram, lembra Lima, que a recorrência de fumaça "reduz a resiliência da floresta, isto é, sua habilidade de se regenerar". "E já sabemos que o desmatamento e as queimadas afetam negativamente o regime de chuvas na Amazônia e no seu entorno, e que as chuvas são essenciais para a regeneração do bioma. É o ciclo vicioso que está nos levando para o chamado ponto de não-retorno na Amazônia, quando esse ecossistema já não gerará chuva suficiente para sua própria manutenção", acrescenta.
"Estamos brincando com fogo em todos os sentidos do termo, pois as consequências disso seriam catastróficas. É fundamental que deixemos de ser inconsequentes", alerta o biólogo.
O estudo foi realizado por pesquisadores da Universidade do Estado do Mato Grosso (Unemat), da Fundação Oswaldo Cruz do Piauí, da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e da Universidade de São Paulo (USP) a partir de dados obtidos do satélite do Centro Europeu de Previsões Meteorológicas a Médio Prazo ao longo de uma década – de 2010 a 2019 – e publicado no periódico científico Cadernos de Saúde Pública.
Considerou-se como índice alto de poluente quando a medição indicou um nível superior a 15 microgramas de material particulado – os resíduos da queima, dispersos no ar – por metro cúbico. Assim, seguiu-se a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS), que indica que níveis acima disso já representam risco ao ser humano.
"Usamos a referência da OMS porque para a legislação brasileira definida pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente o limite é de 60 microgramas por metro cúbico. E [para isso] não há base científica", diz uma das autoras da pesquisa, a doutora em saúde pública Eliane Ignotti, professora na Unemat. "Lembramos que há vários estudos, inclusive no Brasil, em que são observados impactos à saúde com limites muito mais baixos."
"É interessante observar que em muitas localidades (...) estes níveis elevados de poluição atingem 100% dos dias no período de estiagem", acrescenta outra das autoras, a também doutora em saúde pública Beatriz Alves de Oliveira, pesquisadora na Fundação Oswaldo Cruz.
Se a pesquisa identificou que mais da metade da população das regiões está exposta a níveis acima do patamar considerável aceitável pela OMS em pelo menos metade do ano, ao analisar os pontos mais excessivos os números são ainda mais preocupantes.
"Estamos lidando com dados estimados, que alcançam frequentemente níveis acima de 200 microgramas por metro cúbico, até 800, 1.000", salienta Ignotti. Ela afirma que "estamos falando de níveis extremamente elevados quando comparados aos limites recomendados pela OMS".
Os autores do estudo alertam para os riscos à saúde pública. "O percentual de dias com má qualidade do ar é um indicador de exposição à poluição atmosférica que identifica as áreas potenciais de risco para a saúde humana a região", explica a professora.
Entre os problemas mencionados pelos pesquisadores estão "o aumento do número de óbitos e internação por doenças cardiopulmonares, o aumento de atendimentos ambulatoriais, o aumento de prevalência de asma, baixo peso ao nascer e até de câncer de pulmão".
Ou seja, além de piorar a qualidade de vida da população, isso significa também aumentar a demanda e criar sobrecarga no sistema de saúde. "Milhares de internações e de óbitos poderiam ser evitados se os níveis de poluição não fossem os verificados nessa região", diz ela.
Quarenta cigarros
A reportagem da DW consultou especialistas alheios ao estudo para tentar mensurar o impacto dessa poluição tanto nas populações quanto no ecossistema da região.
Chefe do Laboratório de Patologia Ambiental e Experimental do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, a bióloga e fisiopatologista Mariana Veras corrobora que os riscos são muito altos para a saúde humana quando pessoas são expostas a níveis altos de poluentes com frequência.
"Há efeitos leves, como uma irritação nos olhos, garganta, tosse, e também efeitos muito graves, como maior incidência de infarto, acidente vascular cerebral, bronquite, agravamento de asma e doenças que se desenvolvem com situações de longo prazo", comenta. "Hoje há estudos que mostram associações de poluição do ar e maior risco de Alzheimer, diabetes, obesidade e outras doenças crônicas."
Publicada em 2021, uma pesquisa coordenada pela Universidade Monash, da Austrália, com participação de cientistas da USP, apontou que incêndios florestais já são a causa de hospitalizações de 47 mil brasileiros por ano. Crianças e idosos estão entre os mais afetados.
Veras recorda de um estudo realizado anos atrás por seu laboratório buscando comparar os danos causados pela poluição de São Paulo, cujo ar tem uma média de 25 microgramas de partículas do tipo por metro cúbico, com os malefícios do cigarro. "Concluímos que duas horas no trânsito [da capital paulista] equivalem a fumar dois cigarros", conta. Ou seja: um cigarro por hora de exposição. "Mas quem mora perto de queimadas tem uma concentração [de partículas poluentes no ar] muito maior."
Fazendo uma analogia, nos casos extremos de localidades da Amazônia e do Centro-Oeste onde a poluição chega a 1.000 microgramas por metro cúbico, isso significaria fumar 40 cigarros a cada hora de exposição.
A especialista explica que as partículas de poluição decorrentes de queimadas e incêndios florestais têm um potencial de danos ao organismo que pode ser ainda pior do que a poluição das cidades, composta por outros materiais. "São características da composição, principalmente do que a gente chama de material particulado, formado pela parte incompleta da combustão da biomassa, da madeira, da floresta. São partículas muito pequenininhas, capazes de entrar em nosso pulmões, chegar nas regiões mais profundas. Apresentam mais risco para a saúde", diz.
Pesquisador do Instituto Ambiental de Estocolmo, o biólogo Mairon Bastos Lima também vê com preocupação o impacto que essa poluição decorrente do fogo nas florestas pode causar nos próprios ecossistemas da Amazônia Legal e do centro-oeste.
As consequências vão do desequilíbrio ambiental a prejuízos para a agricultura. "Mais estudos são necessários para compreender melhor esses impactos, mas é seguro dizer que tamanha quantidade de fumaça e poluição não é inócua", argumenta.
"Por exemplo, pode haver mortandade de certos insetos, com consequências ainda pouco compreendidas. Alguns insetos, como as abelhas, são chave para processos de polinização, além da produção de mel", diz. "Por outro lado, há famílias de insetos chamados de pirófilos por gostarem da fumaça e cujos números se elevam nessas situações. Esses insetos podem incluir tipos de gafanhotos, com consequências [danosas] para a agricultura."
Lima, que atualmente está em pesquisa de campo no Pará, contar ter ouvido de locais que o aumento das queimadas parece estar relacionado ao crescimento das populações de potó, um inseto que pode causar queimaduras severas na pele de humanos. "Mas ainda estamos no escuro em relação a isso, precisamos de mais estudos", salienta.
Onde já há certezas são em pesquisas que mostram, lembra Lima, que a recorrência de fumaça "reduz a resiliência da floresta, isto é, sua habilidade de se regenerar". "E já sabemos que o desmatamento e as queimadas afetam negativamente o regime de chuvas na Amazônia e no seu entorno, e que as chuvas são essenciais para a regeneração do bioma. É o ciclo vicioso que está nos levando para o chamado ponto de não-retorno na Amazônia, quando esse ecossistema já não gerará chuva suficiente para sua própria manutenção", acrescenta.
"Estamos brincando com fogo em todos os sentidos do termo, pois as consequências disso seriam catastróficas. É fundamental que deixemos de ser inconsequentes", alerta o biólogo.
Mendigando pão
Então, grupos de homens molhados saíam das tendas e dos barracões superlotados, homens, cujas roupas eram farrapos encharcados e cujos sapatos se haviam transformado numa papa lodosa. Caminhavam na água, que saltava sob os seus passos e iam às cidades, às vendas das redondezas, às comissões de socorro, a implorar comida, a mendigar, humilhando-se a solicitar auxílio, mentindo e tentando roubar. E entre os mendigos e os humilhados, uma raiva desesperada começou a tomar forma. Nas pequenas cidades, a compaixão pelos homens encharcados transformou-se em indignação, e a indignação, despertada pela gente faminta, transformou-se em medo. E então os xerifes reuniam turmas de policiais, emitiam pedidos urgentes de rifles, de gases lacrimogêneos e de munições. E os homens famintos enchiam as ruas para onde davam as traseiras dos estabelecimentos, mendigando pão, mendigando verduras podres e roubando o que podiam.
John Steinbeck, "As vinhas da ira"
John Steinbeck, "As vinhas da ira"
O que Bolsonaro fez com o dinheiro que recebeu para pagar multas
Era uma vez um presidente da República que jamais se envergonhou de ficar com o dinheiro dos outros. Assim construiu sua fortuna desde os primeiros mandatos como deputado federal.
No princípio era o verbo, isto é, a verba. Ela estava no princípio com Bolsonaro, subtraída dos salários de funcionários do seu gabinete. Tudo foi feito por ele; e nada foi feito sem ele.
Uma vez derrotado ao tentar se reeleger, Bolsonaro pensou em dar um golpe para permanecer no poder. Como lhe faltou apoio, teve outra ideia: tomar dinheiro alheio para viver confortavelmente.
Primeiro, fez com que o PL, com dinheiro público, lhe pagasse as contas – salário equivalente ao de ministro da mais alta Corte do país; aluguel do palacete onde mora; despesas com viagens.
Não satisfeito, empregou a mulher no partido com bom salário e o direito às mesmas vantagens. Mas isso lhe pareceu pouco. Então, teve outra ideia: pedir doações para pagar suas dívidas.
Sim, ele as tem. Só de multas por não usar máscaras de proteção à época da pandemia da Covid-19, ele deve ao Estado de São Paulo R$ 936.839,70. Deve também a outros estados.
O apelo por doações foi atendido por bolsonaristas aflitos com a situação do seu guia e mestre. Entre janeiro e 4 do mês em curso, ele recebeu pouco mais de R$ 17 milhões. Espera novas doações.
E o que fez com o dinheiro? Pagou as multas e devolveu o resto? Pagou as multas e doou a sobra – e que sobra! – para entidades de caridade? Não. Fez o que achou melhor para seu bolso.
Não pagou as multas. E, segundo relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras, investiu R$ 17 milhões em fundos de renda fixa. Na Justiça, aposta em anular as multas.
Os filhos amestrados, à sua imagem e semelhança, donos de mandatos eletivos conseguidos à sombra dele, naturalmente saíram em defesa do pai, alvo de mais uma infâmia.
Não contestaram as informações vazadas, mas vitimaram Bolsonaro. Além de classificá-lo como o melhor presidente da República que o país já teve. Foi o pior desde o fim da ditadura.
Foi também o que mais enriqueceu com a política.
No princípio era o verbo, isto é, a verba. Ela estava no princípio com Bolsonaro, subtraída dos salários de funcionários do seu gabinete. Tudo foi feito por ele; e nada foi feito sem ele.
Uma vez derrotado ao tentar se reeleger, Bolsonaro pensou em dar um golpe para permanecer no poder. Como lhe faltou apoio, teve outra ideia: tomar dinheiro alheio para viver confortavelmente.
Primeiro, fez com que o PL, com dinheiro público, lhe pagasse as contas – salário equivalente ao de ministro da mais alta Corte do país; aluguel do palacete onde mora; despesas com viagens.
Não satisfeito, empregou a mulher no partido com bom salário e o direito às mesmas vantagens. Mas isso lhe pareceu pouco. Então, teve outra ideia: pedir doações para pagar suas dívidas.
Sim, ele as tem. Só de multas por não usar máscaras de proteção à época da pandemia da Covid-19, ele deve ao Estado de São Paulo R$ 936.839,70. Deve também a outros estados.
O apelo por doações foi atendido por bolsonaristas aflitos com a situação do seu guia e mestre. Entre janeiro e 4 do mês em curso, ele recebeu pouco mais de R$ 17 milhões. Espera novas doações.
E o que fez com o dinheiro? Pagou as multas e devolveu o resto? Pagou as multas e doou a sobra – e que sobra! – para entidades de caridade? Não. Fez o que achou melhor para seu bolso.
Não pagou as multas. E, segundo relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras, investiu R$ 17 milhões em fundos de renda fixa. Na Justiça, aposta em anular as multas.
Os filhos amestrados, à sua imagem e semelhança, donos de mandatos eletivos conseguidos à sombra dele, naturalmente saíram em defesa do pai, alvo de mais uma infâmia.
Não contestaram as informações vazadas, mas vitimaram Bolsonaro. Além de classificá-lo como o melhor presidente da República que o país já teve. Foi o pior desde o fim da ditadura.
Foi também o que mais enriqueceu com a política.
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