Depois de um ano de paralisação e mais dois de instabilidade, Cristina, dez anos, menina feliz até o início de 2020, assistiu com olhos confusos ao fechamento da escola e ao consequente distanciamento dos colegas. Por algum motivo, – ainda a ser sondado através de muita terapia –, tão logo se afastou do convívio com seus iguais, passando o dia apenas entre adultos e notícias trágicas, ficou em seu quarto, cabisbaixa, sem ânimo para fazer qualquer coisa. Cristina, antes estudiosa, perdeu a concentração e se sentia tomada de desagrado constante.
Ainda na metade de 2020, o diagnóstico de depressão infantil chocou os pais da criança alegre. Hoje Cristina lida há quase três anos com a doença. E ninguém imagina sua origem.
Depois de um ano de paralisação e mais dois de instabilidade, Carla, trinta anos, ex-vendedora em uma loja de roupas, foi demitida aos vinte e sete, depois de cinco trabalhando para a mesma empresa. Nos difíceis anos posteriores, após sofrer com taquicardia, boca seca, pensamentos acelerados e insônia persistente, soube que possuía um doloroso transtorno de ansiedade, nunca antes sequer cogitado. Hoje, Carla, há quase três anos desempregada e mãe de uma criança de cinco, procura controlar por meio de medicação os desejos de ataque à própria vida. A razão do desequilíbrio ninguém desconfia.
Depois de um ano de paralisação e mais dois de instabilidade, Alfredo, 40 anos, dono de um pequeno comércio, até março de 2020 via o empreendimento crescer, prover empregos, garantir a mantença sua, da esposa grávida e de mais dois filhos pequenos. Após meses de prejuízo e de reiterados fechamentos, viu-se obrigado a demitir e lacrar, definitivamente, as portas do sonho. Desde então, Alfredo é despertado todas as noites por um terror nomeado transtorno do pânico; a madrugada é o momento em que um monstro interno deixa-se transparecer através da dor no peito e da sensação de falta de ar. A gênese da doença? Ninguém sabe.
Antônio, 90 anos, é bisavô de Cristina, amigo da família de Carla e ex-cliente de Alfredo. Ser humano sensível e empático, tomou para si a dor de todos eles e de mais milhões de depressivos, ansiosos e transtornados psíquica e emocionalmente. Ele nunca, em seu quase centenário, viu uma tão imensa avalanche de doenças silenciosas e sem causas admitidas ou divulgadas. Sofre pela morte interna dos parentes, conhecidos e dos desconhecidos a quem nunca se dará um parecer antes do suicídio.
Durante um bom tempo, Antônio assistiu todos os dias aos desdobramentos de uma pandemia. Achou legítimo que noticiassem: o povo precisa saber o que acontece. Só não entende a explicação para, no ano seguinte às diárias tragédias, silenciarem quanto a enfermidades excruciantes e de causas ignoradas…