Quando consideramos toda a esquizofrenia que prevalece nas sociedades democráticas, as mentiras que é preciso dizer para captar votos, o silêncio a propósito dos assuntos, as distorções da imprensa, é tentador acreditar que nos estados totalitários há menos impostura, maior capacidade para encarar os factos. Ali, pelo menos, a classe dirigente não está dependente do favor popular e pode dizer a verdade de forma crua e brutal. Goering pôde dizer " Quereis canhões ou manteiga?", ao passo que os seus homólogos democráticos tiveram de embrulhar a mesma ideia em centenas de palavras hipócritas.
Don Kenn |
Ver o que está diante do nosso nariz exige uma luta constante. Algo que nos ajuda nesse sentido é manter um diário, ou pelo menos manter algum tipo de registo das nossas opiniões sobre acontecimentos importantes . Caso contrário, quando alguma ideia particularmente absurda é destruída pelos acontecimentos , podemos simplesmente esquecer que acreditamos nela. Os prognósticos políticos costumam estar errados, mas mesmo quando fazemos um que bate certo, descobrir por que acertamos pode ser um exercício muito esclarecedor . Em geral, só acertamos quando os nossos desejos ou os nossos medos coincidem com a realidade. Reconhecer este facto não nos livra, é claro, dos nossos sentimentos subjetivos, mas permite que em certa medida os isolemos da nossa razão e façamos prognósticos isentos, segundo as regras da aritmética. na sua vida pessoal, a maior parte das pessoas é bastante realista. quando estamos a fazer o nosso orçamento semanal, dois mais dois dá sempre quatro. A política, em contrapartida, é uma espécie de mundo subatômico ou não-euclidiano, onde é muito fácil que a parte seja maior do que o todo ou que dois objetos estejam em dois sítios simultaneamente . daí as contradições e incongruências que registei acima, todas elas derivadas , em última análise, duma secreta convicção de que as nossas ideias políticas , ao contrário do nosso orçamento semanal, nunca serão postas à prova pela sólida realidade.
George Orwell