quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

A face injusta do Brasil

Desde a ditadura militar (1964-1985), nunca houve tantos retrocessos nos direitos humanos no Brasil como agora, sob Bolsonaro . Somos governados por autoridades que insistem na impunidade das forças repressivas, o que representa sinal verde para a eliminação sumária de suspeitos ou mesmo de cidadãos insuspeitos, como os nove jovens assassinados pela PM de São Paulo na favela de Paraisópolis , na madrugada de 1º de dezembro. Apenas no Rio, neste ano de 2019, seis crianças foram mortas por “balas perdidas” .

Terras demarcadas são invadidas por mineradoras, madeireiras e empresas agropecuárias. Indígenas são assassinados, entre eles o líder Paulo Paulino Guajajara, no Maranhão, a 1º de novembro, por defender a reserva de seu povo da ação de madeireiros ilegais. Os casos de feminicídio se multiplicam; uma mulher é violentada a cada 4 minutos no país.

O presidente da Fundação Palmares, Sérgio Camargo , cuja nomeação está sendo contestada pela Justiça, cospe na memoria de Zumbi, herói quilombola, ao declarar que no Brasil não existe racismo, e que “a escravidão foi benéfica para seus descendentes”... No Paraná, o jornalista Aluízio Palmar é processado por denunciar torturas no quartel do 1º Batalhão de Fronteira, em Foz do Iguaçu. O país tem mais de 12 milhões de desempregados, e o salário mínimo a vigorar em 2020 foi reduzido duas vezes pelo governo.

À beira de fazendas e estradas brasileiras, 80 mil famílias se encontram acampadas. O ex-presidente Lula é condenado sem provas. A mídia crítica ao governo é sabotada mediante o cancelamento de anúncios oficiais, e sofrem ameaças as empresas privadas que nela fazem publicidade de seus produtos. Alunos são incentivados a delatar professores que não rezam pela cartilha do Planalto. O mercado de armas e munições é estimulado pelo governo, que jamais condenou as milícias paramilitares que, ao arrepio da lei, disputam territórios com o narcotráfico.


Além dos direitos humanos, são violados também os direitos da natureza. A floresta amazônica é incendiada criminosamente para abrir espaço ao gado e à soja, enquanto Bolsonaro declara que as queimadas são “um problema cultural” . A Justiça atua com morosidade e leniência na punição dos responsáveis pelas tragédias resultantes do rompimento das barragens de Mariana (MG), em 2015, e Brumadinho (MG), em 2019, que ceifaram 382 vidas. O óleo derramado no litoral brasileiro não é saneado com a urgência e o rigor que a situação exige.

Segundo Marcelo Neri, da FGV, em dez anos o Brasil tirou 30 milhões de pessoas da pobreza. Porém, entre 2015 e 2017, 6,3 milhões de pessoas voltaram à miséria. Nos últimos três anos, a pobreza aumentou 33%. Segundo o IBGE, 58,4 milhões de pessoas vivem hoje abaixo da linha de pobreza, com renda mensal inferior a R$ 406. A lista de excluídos só aumenta: entre 2016 e 2017 subiu de 25,7% para 26,5 o que significa a exclusão de quase 2 milhões de pessoas. Segundo estes dados, 55 milhões de brasileiros passam por privações, dos quais 40% no Nordeste. Enquanto isso, a renda per capita dos ricos subiu 3%, e a dos pobres desceu 20%. Doenças já erradicadas retornaram, e a mortalidade infantil avança sobre as famílias mais pobres.

Somos uma nação rica, muito rica. Mas sumamente injusta. O PIB brasileiro é de R$ 6,3 trilhões, suficiente para garantir R$ 30 mil per capita/ano para cada um dos 210 milhões de habitantes. Ou R$ 10 mil por mês para cada família de 4 pessoas.

Direitos humanos não é “coisa de bandido” como alardeiam os que jamais pensam nos direitos dos pobres. É um dos mais elevados marcos jurídico e moral de nosso avanço civilizatório. Embora sejam violados sistematicamente por quem se proclama democrata e cristão, são irrevogáveis. Resta, agora, a ONU convocar os países a elaborar e assinar a Declaração Universal dos Direitos da Natureza, nossa “casa comum”, na expressão do papa Francisco.
Frei Betto

O velho mau caráter

Quem apoia o governo Bolsonaro tem desvio de caráter. São ideias racistas, homofóbicas e machistas. Os piores sentimentos da sociedade brasileira. Bolsonaro segue o manual do fascismo
Felipe Santa Cruz, presidente da OAB

A iniquidade social

Obra pré-modernista, de caráter histórico-literário, Os Sertões, de Euclides da Cunha (1866-1909), publicado em 1902, foi a primeira grande crítica à iniquidade social no Brasil. Embora de caráter regionalista, ao narrar os sangrentos acontecimentos da Guerra de Canudos (1896-1897), liderada por Antônio Conselheiro (1830-1897), no interior da Bahia, teve grande impacto na opinião pública da época, em especial entre os jovens militares, sendo uma das fontes de inspiração do Tenentismo.

A obra descreve o sertão nordestino (o relevo, a fauna, a flora e o clima), o homem (o sertanejo, o jagunço, o cangaceiro e o líder messiânico) e, finalmente, a luta (as quatro inglórias campanhas do Exército para destruir o pequeno arraial de 20 mil habitantes). Nunca antes a questão social no Brasil havia sido abordada com tanto realismo, nem mesmo na campanha abolicionista, cujo coroamento fora a Lei Áurea, 14 anos antes.

A justificativa para o massacre de Canudos fora uma suposta ameaça à consolidação do regime republicano, devido ao caráter sebastianista do movimento liderado pelo místico Antônio Conselheiro. No livro, Euclides da Cunha questiona o ufanismo e o nacionalismo da época, bem como a visão idealizada que se tinha sobre a formação e o caráter do povo brasileiro.

O homem descrito por Euclides da Cunha, que fez a cobertura jornalística da Guerra de Canudos como correspondente do jornal O Estado de S. Paulo, 100 anos depois, vive nas periferias e favelas dos grandes centros urbanos do país, seja na condição de trabalhador informal, seja como traficante ou miliciano. A iniquidade social é a mesma. A diferença é que já não é possível resolver o problema à bala, como em Canudos, embora alguns continuem tentando.


Na época de Antônio Conselheiro não havia IDH, o índice criado para a ONU pelos economistas Amartya Sen, indiano, prêmio Nobel de 1998, e Mahbub al Huq, paquistanês, com objetivo de mensurar as condições de saúde, de escolaridade e de renda das populações e assim aferir os níveis de desigualdades entre os países. O do Brasil, divulgado no domingo passado, mostra um quadro desolador, em grande parte agravado pela recessão provocada pela “nova matriz econômica” do segundo mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do governo Dilma Rousseff.

São impressionantes os efeitos negativos da recessão, entre os quais a existência de 12 milhões de desempregados crônicos. O índice brasileiro perdeu três posições desde 2013. De 2017 a 2018, em um ranking de 189 países, retrocedemos do 78º lugar para 79º, com um IDH de 0,761 (quanto mais próximo de 1, maior o desenvolvimento humano). Estamos atrás da Rússia e da Argentina, para usar apenas esses dois paradigmas. E muito distantes da Noruega e da Suíça, que lideram os IDHs dos países desenvolvidos.

A estagnação da escolaridade e a má distribuição de renda são os vetores mais dramáticos da nossa desigualdade, pois puxam para baixo a qualidade de vida de toda a população. O quadro é ainda mais grave porque não há igualdade de oportunidades na largada, no meio do caminho, muito menos na reta de chegada. Ou seja, do nascimento de nossas crianças à vida adulta.

A situação nos remete à questão dos direitos humanos, consagrados pela ONU em 1948 e incorporados à nossa Constituição, em 1988. Seu conceito mudou ao longo da história, desde a Declaração de Direitos de Virgínia, nos Estados Unidos (1776), e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), na França. Grosso modo, foram fundamentais para a consolidação dos Estados nacionais e para o desenvolvimento capitalista. Afinal, nem um nem outro seriam possíveis sem exércitos de massa e o chamado exército industrial de reserva, respectivamente, que requeriam mão de obra saudável e minimamente escolarizada.

É aí que mora o perigo. Com a revolução tecnológica em curso, nem as guerras nem a produção exigem a mesma disponibilidade de recursos humanos; os direitos à saúde e à educação estão deixando de ser um assunto de interesse universal, ou seja, inclusive patronal. Enquanto nos países desenvolvidos o estado de bem-estar social está em crise, na periferia do mundo deixou de ser um objetivo comum a ser alcançado. Nunca as políticas públicas de caráter social foram tão negligenciadas.

Ocorre que o mundo se move. O esgarçamento social provocado pelas políticas ultraliberais é uma realidade, seja nos países desenvolvidos, como na França, seja na periferia, como no Chile, cujo IDH, como vimos acima, é melhor do que o nosso. Com toda certeza, nas próximas eleições municipais, essa variável terá que ser considerada, tanto quanto a geração de oportunidades de trabalho e o combate à corrupção e à ineficiência na gestão pública.
Luiz Carlos Azedo

Personalidade do Ano e a insignificância


Brasil, Nobel do pessimismo

O que está levando Trump ao impeachment não é aquela culpa no cartório, mas o fato de usar uma nação estrangeira para influenciar decisões dentro da política interna americana.

Diferente do Brasil, que pratica há anos uma política mórbida, por isso não tem até hoje um Prêmio Nobel, e entregou de mão beijada a supremacia que adquiriu com a fabricação de aviões médios e está fazendo tudo para entregar a agroindústria à intriga internacional. Porque, internamente, além de olharmos mal para o futuro, externamente inúmeros brasileiros adoram falar mal do País e até se dedicam a escrever cartas, telefonar, visitar e azucrinar os suecos e noruegueses para não reconhecerem o papel de descortino mundial que tiveram Alysson Paulinelli, Nise da Silveira, César Lattes, Ozires Silva, Lara Rezende-Pérsio Árida, dentre outros.

O Brasil tem de se dedicar um pouco mais a valorizar o que sabe fazer. Pois a qualidade de tudo o que é descoberto ou inventado hoje, especialmente tecnologia, deveria ser objeto de contratos de como deve ser seu uso, e não de discursos patrióticos sobre se aquilo é ou não oportuno. Tudo o que é serviço será digital, toda a poluição será monitorada, e não é possível imaginar um país sem unidade interna, política e empresarial, para criar sua própria legislação sobre o uso do que comanda o mundo moderno.

Não haverá nenhum Simão Cirineu ajudando o País a carregar a sua cruz.


O brasileiro precisa parar de viver achando que tem de ser arruinado para que restauradores da calamidade se apresentem. A prosperidade exige compromisso com a harmonia. Pede autoridade e confiança, não força e discriminação. Maldades civis, indiretas militares e incitação à revolta, devemos desconfiar, debaixo de qualquer oratória.

Só o comedimento e a perseverança nos salvam. A hostilidade constante não permite que o País respire e aumente o ânimo dos que querem paz. Nossa época explosiva é muito forte. Fracos são os líderes que não armazenaram ou economizaram nada que os estimulasse a ver a encruzilhada em que está o destino do mundo. E aí, alerto, nosso presidente, especialista em cortar o galho em que está assentado, depois do desamor de Trump pelas ligas e pelos metais brasileiros, deve refletir sobre algo mais grave.

A COP-25, que está sendo realizada em Madri, é desmistificadora: infelizmente, não há clima político no mundo para evitar o aquecimento global. A principal causa das mudanças climáticas é a matriz energética de base fóssil. Sem sair do petróleo, carvão e gás natural não é possível evitar que o clima do planeta mude para pior. Todo o resto é paliativo. E o único paliativo mais honesto é aplicar tecnologias que capturem dióxido de carbono (CO2) dos locais que o emitem e da atmosfera.

O problema causado pelos diferentes interesses relacionados à mudança climática é exacerbado por quem ganha ao desviar a atenção da necessidade de enfrentar uma saída para o uso do petróleo. Os grandes poluidores possuem trilhões de dólares e já se organizam para preparar o futuro de confrontos por conta de mudança climática.

O Brasil, apesar de ser o quinto maior país do mundo e ter a sexta maior população, é apenas o 13.º maior emissor de CO2 do planeta. O Brasil é verde, não poluente, mas se permanecer na matriz atual e for crescer é que vai poluir para valer.

Curiosidade de que ninguém se dá conta é que, fora o uso industrial e para o transporte, uma das principais emissões de gases de efeito estufa se dá por causa do frio que sentem as pessoas que vivem nas zonas temperadas e subpolares. Quase que uma exclusividade da Eurásia e da América do Norte. Países com invernos rigorosos que precisam ficar com calefação funcionando boa parte do ano e que continua ativa até mesmo quando saem de férias, fugindo do inverno.

Cerca de 40% de todos os gases de efeito estufa emitidos pela cidade de Nova York são decorrentes de calefação e água quente obtidas pela queima de combustível fóssil. Quem quiser reduzir para valer a mudança climática tem de começar parando de fazer calefação com combustível fóssil. Não adianta parar de comer bife e meter o pau no Brasil.

O fato é que é a parte fria do mundo que esquenta o planeta. E é ela que tem capital para fazer o mundo parar de esquentar. Entretanto, sua população gasta mais energia criticando as áreas tropicais e subtropicais, que são as que mais sofrem com as mudanças climáticas porque são, já de início, mais quentes.

Entretanto, há mais gases causadores do aquecimento. O metano corresponde a cerca de 16% das emissões de efeito estufa decorrentes da atividade socioeconômica. O Brasil é um dos cinco maiores emissores desse gás no mundo. Vem muito atrás da China, que é o maior emissor, mas também atrás da Índia, da Rússia e dos Estados Unidos.

A emissão de metano pelo Brasil vem da agropecuária e do desflorestamento. Seria inteligente o agronegócio brasileiro decidir se tornar a ponta mundial do desenvolvimento tecnológico para captura de metano. Esse é nosso calcanhar de Aquiles e será miseravelmente explorado por quem quer desviar a fúria política global para longe dos combustíveis fósseis e das regiões mais ricas.

Tanto a grande indústria petrolífera quanto o agronegócio que concorre com o Brasil são dois lobbies formidáveis num brutal ataque conjunto à questão do desflorestamento e da emissão de metano. A matemática da correlação de forças tem um resultado muito objetivo: no confronto direto, o agronegócio brasileiro vai perder.

Não adianta ter força no Brasil quando o jogo moral é jogado fora daqui. A assimetria é mortal e cresce a imagem de que estamos poluindo, sem saber despoluir. Vamos dar com os burros n’água se não aprendermos a ganhar dinheiro no mercado da despoluição. Para destruir a imagem de nossa agroindústria é preciso primeiro destruir a imagem do Brasil como país verde. Não deve ser o que queremos.

E o direito das crianças?

Dia a dia nega-se às crianças o direito de ser criança. Os fatos, que zombam desse direito, ostentam seus ensinamentos na vida cotidiana. O mundo trata os meninos ricos como se fossem dinheiro, para que se acostumem a atuar como o dinheiro atua. O mundo trata os meninos pobres como se fossem lixo, para que se transformem em lixo.

E os do meio, os que não são ricos nem pobres, conserva-os atados à mesa do televisor, para que aceitem, desde cedo, como destino, a vida prisioneira. Muita magia e muita sorte têm as crianças que conseguem ser crianças
Eduardo Galeano

Brasil está entre países com piores políticas climáticas

O Índice de Desempenho perante as Mudanças Climáticas (CCPI, na sigla em inglês), divulgado nesta terça-feira (10/12) pelo Instituto NewClimate, pela ONG Germanwatch e pela rede Climate Action Network, destaca as economias com a maior intensidade de emissões de gases poluentes do mundo e indica quem está trabalhando mais em termos de proteção climática.

O estudo analisou e comparou os progressos feitos em prol da meta estabelecida pelo Acordo de Paris, de manter o aquecimento global abaixo de 2°C, em 57 países, além da União Europeia (UE) como um bloco. Juntos, esses Estados são responsáveis por mais de 90% das emissões globais de gases de efeito estufa.

Os países foram classificados em quatro áreas: emissões de gases de efeito estufa, parcela de energia gerada por fontes renováveis, consumo de energia per capita e política atual e climática.

Apesar de ter avançado uma posição no ranking em relação ao ano passado, passando do 22º para o 21º lugar, na classificação geral, o Brasil aparece com desempenho "médio" em relação à proteção climática.

Em termos de energia renovável, o desempenho do país foi classificado como "alto". Com mais de 70% de sua energia proveniente de hidrelétricas, o Brasil foi o líder mundial nessa área.

No entanto, o país ficou entre os últimos colocados (em termos de política climática. O relatório do CCPI aponta que, o Brasil tem uma parcela comparativamente alta de energias renováveis, mas falta planejamento para expandir essas fontes de energia.

Além disso, "especialistas apontam para a para a falta de políticas de redução de emissões no longo prazo e para a eliminação progressiva dos subsídios aos combustíveis fósseis", diz o texto.

"Especialistas estão preocupados com as taxas de desmatamento, as mais altas da última década, e com os extensos incêndios florestais na Amazônia, enquanto o governo do presidente Bolsonaro cortou o orçamento da agência ambiental de prevenção de incêndios", prossegue o relatório.

Assim como o Brasil, os Estados Unidos tiveram sua política climática avaliada como "muito baixa". Se houvesse uma segunda divisão para a ação climática, o país seria rebaixado imediatamente. Já em declínio no ranking de 2018, o país chegou neste ano ao fim da tabela.

"A política de proteção climática está em retrocesso", disse Höhne sobre os EUA. Sob o presidente Donald Trump, muitas regras ambientais foram descartadas e Washington deverá deixar o Acordo de Paris no próximo ano. O consumo energético per capita no país é mais que o dobro do da UE e dez vezes maior que o da Índia.

Além de Brasil e Estados Unidos, aparecem nas piores colocações em termos de política climática: Malta, República Tcheca, Hungria, Romênia, Polônia, Japão, Argélia, Bulgária, Turquia e Austrália.

Os cientistas envolvidos no estudo concordam que, até o final deste século, a temperatura do planeta deve ficar pelo menos 3°C mais alta do que era antes da Revolução Industrial – a menos que sejam reduzidas drasticamente e rapidamente as emissões de CO2 produzidas pelo ser humano.

Até agora, há pouco sinal disso, de acordo com o índice divulgado nesta terça. "Tradicionalmente, o índice de proteção climática deixa em aberto os três primeiros lugares", disse à DW Niklas Höhne, um dos autores do relatório. "E eles não foram ocupados novamente este ano, porque nenhum país fez o suficiente para cumprir o acordo climático."

Com nenhum país considerado digno de ouro, prata ou bronze, a Suécia ficou em quarto lugar no ranking. A nação nórdica obteve boa classificação em termos de política, na meta de alcançar o fornecimento de 100% de energia renovável até 2040 e no imposto mais elevado sobre emissões de carbono do mundo, com 114 euros por tonelada. Em comparação, a Alemanha planeja introduzir um imposto de 10 euros por tonelada de carbono emitido em 2021.

Atrás da Suécia, Dinamarca e Marrocos ficaram em quinto e sexto lugares. A Alemanha ocupou o 23º lugar. Atualmente, o maior perdedor climático da Europa foi a Polônia, em 50º lugar. A China subiu no ranking em relação ao ano passado, mas ainda está na metade inferior da tabela, na 30ª posição.

As emissões totais estiveram caindo em mais da metade dos Estados analisados, "particularmente os países industrializados menores e aqueles em desenvolvimento", disse à DW Ursula Hagen, coautora do relatório. "Esse é um aspecto positivo e nos dá esperança de uma reviravolta."

"Vemos movimentos sutis na direção certa", afirmou Höhne. Mas as maiores economias industrializadas do mundo, que fazem parte do G20, "infelizmente ainda estão com um desempenho muito ruim". "Mais da metade do G20 está na metade inferior do índice", apontou.

Logo atrás de seu vizinho nórdico, a vice-campeã Dinamarca é um país pequeno com grande pontuação em política climática. O objetivo é reduzir 70% de suas emissões de CO2 até 2030, quando planeja eliminar gradualmente o carvão.

O Marrocos também impressionou os pesquisadores. Já em 2015, ele se tornou um dos poucos países em todo o mundo a começar a cortar subsídios aos fornecedores de energia fóssil, diz o estudo. Também ganhou pontos pelo baixo consumo energético e pelo desenvolvimento de energia renovável, que deverá suprir 52% de sua demanda até 2030.

Neste ano, pela primeira vez, a Índia ficou entre os dez primeiros do índice de proteção climática, obtendo notas altas pelo consumo relativamente baixo de energia per capita e – ao contrário dos EUA e da Europa – pelas baixas emissões de gases de efeito estufa. A Índia também investiu pesado em energias renováveis, que deverão fornecer 40% de sua demanda até 2030. "Acho algo extremamente impressionante para um país nesse nível de desenvolvimento", afirmou Höhne.

Pontos foram retirados, no entanto, pelos planos da Índia de construir novas termelétricas a carvão, a fim de atender parte do restante de sua crescente demanda por energia.

"Em minha opinião, cabe à comunidade internacional ajudar a Índia a evitar esse desenvolvimento, mudando, em vez disso, para fontes alternativas de energia", acrescentou Höhne.

O relatório saudou os apelos da nova presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, no sentido de que a União Europeia eleve suas metas de redução de emissões para 2030 de 40% para 55%.

"Essas metas são a razão pela qual atribuímos à UE uma boa classificação em política climática", observou Ursula Hagen. "Assim como o objetivo de neutralidade climática até 2050, isso agora deve ser alcançado com medidas concretas. Até agora, há pouca ou nenhuma estratégia de fato."

Atualmente, a UE não está a caminho de alcançar as metas climáticas de Paris. Nem a Alemanha, cuja política climática Hagen descreve como "inexpressiva" e "incompatível" com o Acordo de Paris.

Höhne descreveu o pacote de política climática adotado recentemente pela Alemanha como "um passo na direção certa, mas muito pequeno", acrescentando que o país precisaria de "um compromisso claro com a neutralidade climática". Até lá, ele ocupará uma posição mediana no índice, bem longe de um dos lugares vazios no pódio dos vencedores.

O que ensina a inflação

Numa crônica escrita no auge da inflação, Otto Lara Resende ironizava: o Brasil não tinha terremoto, tufão ou furacão mas tinha inflação.

Uma hiperinflação que canibalizava o poder de compra dos eternos pobres e dos assalariados. Os ricos, como sabemos, nada sofriam: apenas queixavam-se com razão da “política”, do “governo” e do “Estado” como se tais entidades fossem administradas por marcianos, e não por seus compadres, sócios, amigos e parentes. Reificados e fetichizados, governo, política e Estado foram tornados reais e dotados de uma autonomia social absurda, cuja função é a de isentar os poderosos e letrados; os que, de algum modo, se livraram das suas responsabilidades sociais. Pois, em nenhum país que se preze, pode haver um Estado e uma administração pública constituídos por estrangeiros ou outros; exceto neste nosso Brasil, onde se diz com um ar casual: “Pois é! Ele é meu pai, mas esse negócio de Presidência, governo e política é coisa dele. Eu não tenho nada com isso.” O lixo da casa é jogado na rua; o problema não é nosso, é do lixeiro e da prefeitura.


A dolorosa percepção do mal-estar desses tempos críticos está ligada a uma avassaladora informação. Hoje, não se pode mais desculpar ou tolerar a fabulação de que nada temos a ver com o “Estado” ou o “governo” (o mundo da rua), que seriam os responsáveis exclusivos pelo lado ruim da vida, enquanto ainda almejamos um emprego (mas não um trabalho) público — zona que seria de todos e, por isso, todos poderiam dela tirar proveito: o emprego vitalício e bom salário, além de privilégios aristocráticos. Somente agora é que começamos a discernir que nosso mundo mudou. A casa ficou mais perto da rua, ética e valores políticos e econômicos são espinhosa e toscamente discutidos. A direita surgiu de dentro da esquerda, e a franqueza hoje é rude. Ficou muito difícil esconder o roubo público. Mas o pior é que a igualdade perante a lei deixou a teoria e tornou-se, quando é possível, uma prática.

O Brasil tem uma dimensão nacional como país (na qual a dimensão política é básica), mas não deixou de ser uma coletividade colada a si mesma, precisamente porque tem apenas uma língua nacional, bem como costumes e rituais que obviamente interferem na sua problemática formal e estatizada. Hoje não dá mais para se preocupar apenas com a casa jogando a responsabilidade na rua e nos políticos que, num estado democrático de direito, foram paradoxalmente feitos e eleitos por nós. Não há como construir um elo eficaz entre eleitos e eleitores, povo e governo, enquanto a casa não se juntar com a rua. Creio, modestamente, que isso vale igualmente para a América Latina, que, por sinal, não fala latim como ainda pensam alguns amigos americanos...

Voltemos à inflação para lembrar que, entre 1980 e 1989, a média inflacionária do Brasil era de 233,5% ao ano; e de 1990 até 1999, ela chegou a um surreal quase 500%. O “dragão inflacionário”, denunciado como culpado exclusivo dos nossos problemas, porém, terminou quando FH e seus cavaleiros do Apocalipse conseguiram liquidá-lo, apesar de muita gente boa (de um lado e do outro) ter sido contra, usando o velho legalismo ibérico. Hoje, chama atenção um índice inflacionário de 0,51, mais baixo do que o da França e o dos Estados Unidos.

A inflação não mais nos afeta tanto quanto, na virada do século XIX, os subsociólogos nacionais faziam da mistura de raças uma tara de origem e, no século passado, transformaram a luta de classes (que num país de barõezinhos e patriarcas escravocratas sempre foi inibida) num pau pra toda obra. O cultural tem muitas determinações. Controlamos a inflação só para nos darmos conta da “corrupção estrutural”, os elos espúrios entre o nosso lado oficial e formal (governo, Estado) e o informal das nossas simpatias, parentesco e partidarismo. Quando a ética do dever público se curva à moralidade das relações pessoais, e se transformam numa patologia, descobrimos outro mal. Um malefício antigamente desculpável impresso no “tirar partido das oportunidades”. Algo um tanto carnavalesco e popular: a malandragem ou a sacanagem — esses miolos da corrupção à brasileira...

Roberto DaMatta

Papai Noel à brasileira


A injusta (e inevitável) opinião pública

Dois fiascos: as passeatas pró-governo organizadas aos domingos, com participação sempre decrescente; e os discursos de Lula, que prometiam mobilizar a população para ir às ruas, mas que já caíram no vazio.

A maioria da população não quer brigar por política; quer melhorar de vida. E, goste-se ou não do governo, o fato é que a vida tem melhorado nos campos que mais se fizeram presentes na campanha presidencial: economia (especialmente empregos), segurança e percepção de corrupção (não há escândalos bilionários sendo cobertos pela mídia).


Quando o assunto é economia, não precisamos partilhar do amor apaixonado que o empresariado devota ao presidente. Não vivemos nenhuma arrancada espetacular, mas seguimos sim na recuperação paulatina que vem desde o governo Temer e que dá sinais de estar ganhando tração graças ao juro baixo.

Na segurança pública, a melhora também vem desde 2018, quando os homicídios no país caíram 10%. Neste ano, as quedas expressivas começaram já em janeiro. Assim, a não ser que só de sentar na cadeira —e antes mesmo de qualquer ação concreta— Bolsonaro já tenha reduzido a violência, a queda atual tem outras causas que não o governo.

Nada disso importa, contudo, para o sentimento popular. Desde que temos registros, a humanidade vive em meio à crença supersticiosa de que tudo de bom ou ruim que aconteça é responsabilidade dos poderosos. Isso vale para o bem e para o mal. A alta no preço da carne não é culpa do governo. Mas a insatisfação fatalmente se dirige a ele, e não há argumento econômico que convença a população do contrário.

Segundo o Datafolha, a aprovação de Bolsonaro está em 30%. O número é baixo, mas parece estável. Repete o que vemos em Trump, que tem tido, ao longo de seu mandato, aprovação popular baixa se comparada a presidentes anteriores. Diferentemente do que costuma acontecer, contudo, ela vem se mantendo estável, ao invés de cair conforme o fim do mandato se aproxima. Agora, com três anos de presidência, a aprovação de Trump já não destoa tanto de seus antecessores.

Penso que o mesmo acontecerá com Bolsonaro: os que o aprovam neste momento, ao fim do primeiro ano de primeiro mandato, são poucos (compare seus 30% com os 59% que aprovavam o governo Dilma no mesmo período), mas devem se mostrar resilientes.

É o efeito da polarização em nossa sociedade: em vez de um povo livre, capaz de aprovar ou desaprovar um governo conforme sua vida melhore ou piore, solidificamos nossas adesões em obediência cega. É o povo que passa a servir um grupo político, e não o grupo que precisa provar seu valor continuamente ao povo.

Os 32% que avaliam o governo como regular são o fiel da balança. Se economia, segurança e percepção de corrupção seguirem melhorando, devem recompensar o presidente com seu voto quando a hora chegar. Isso depende tanto de ações do governo quanto de sorte: uma recessão internacional ou um aumento acentuado do preço do petróleo podem colocar tudo a perder.

O perigo é que o sucesso do governo nessa frente sirva de chancela para os retrocessos no meio ambiente, educação, relações exteriores e solidez institucional. Além de combatê-los pelos meios institucionais, a missão dos opositores é tornar essas pautas relevantes para a opinião pública, assim como ocorreu com a corrupção. Só acho difícil que elas superem, no coração do povo, emprego e dinheiro no bolso.

Joel Pinheiro da Fonseca

Projeto redentor

O projeto lei da proteção social dos militares e a reestruturação da carreira militar, conduzido por iniciativa do presidente da República, foi aprovado na semana passada pelo Congresso Nacional e representou, possivelmente, a mais importante realização do ano de 2019, corrigindo anos de antigas distorções, valorizando a meritocracia, a experiência e retenção de talentos, requisitos fundamentais para permitir que o Brasil tenha Forças Armadas modernas e compatíveis com a estatura geopolítica do país
Fernando Azevedo e Silva, ministro da Defesa

Desigualdade ofusca o tímido avanço da América Latina no desenvolvimento humano

O desenvolvimento humano está avançando na América Latina, embora a uma taxa visivelmente mais baixa do que no restante do mundo e menor do que nas últimas décadas. Todos os países da região, exceto três — Argentina, Venezuela e Nicarágua, economias imersas em crises econômicas e políticas —, melhoraram no ano passado no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH que reúne muitas variáveis em todas as áreas), divulgado nesta segunda-feira pelas Nações Unidas. A desigualdade é especialmente cruel no subcontinente — a região mais desigual do mundo — e aumentou sistematicamente nas medições de praticamente todos os países da região. O IDH é uma fórmula para medir o bem-estar da população muito mais completa que a renda per capita: não se atém aos fatores econômicos e inclui variáveis como expectativa de vida e qualidade da educação.


“Embora os indicadores de desigualdade tenham melhorado em muitos países da região, os níveis permanecem muito altos", analisa Pedro Conceição, diretor do relatório. "Também houve progresso em saúde e educação. Mas a renda não acompanhou, principalmente a partir de 2014." Brasil, México, Colômbia, Chile, Paraguai e Panamá são alguns dos casos mais paradigmáticos de como as grandes diferenças de renda reduzem o progresso social. O Brasil, responsável pela maior parte do aumento da pobreza extrema na região nos últimos cinco anos, perde 23 posições na classificação das Nações Unidas quando o fator inequidade é incorporado. O Chile, durante décadas tomado como exemplo das políticas de liberalização econômica na América Latina e agora imerso em seu período social mais convulsionado desde o final da ditadura de Augusto Pinochet, com um levante social contra a injustiça social e a ausência de um Estado verdadeiramente protetor, retrocede 14 lugares; o México cai 17; Colômbia, 16; e Paraguai e Panamá, 14 e 13, respectivamente. Em todos esses países, o medidor mais comum de distribuição de renda, o Coeficiente de Gini, excede — de longe, no caso do Brasil — a média mundial e a dos demais países em desenvolvimento.

No caso latino-americano, o administrador do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e também presidente do Grupo de Desenvolvimento das Nações Unidas, Achim Steiner, vincula sem rodeios a recente onda de protestos sociais em vários países da região — Chile, Equador e Colômbia, entre outros — a um "sentimento generalizado de descontentamento na população” e à própria desigualdade. O caso chileno talvez seja o mais claro quando os dados da ONU são cruzados com as reivindicações dos manifestantes que tomaram Santiago e outras grandes cidades chilenas: em um país onde as demandas sociais apontam claramente a ausência (ou má qualidade) dos serviços públicos, a prosperidade — é uma das nações mais ricas da região — não é tudo, e as diferenças de renda e a discriminação social pesam — e muito — no bem-estar geral.

O PNUD costuma centrar uma parte importante de sua análise anual na influência da desigualdade no índice em todas as regiões do mundo. Desta vez, no entanto, a ênfase é muito maior. Os dados justificam claramente a razão dessa maior preocupação do órgão: apesar de o avanço mundial da pobreza extrema ser inquestionável, apontam os técnicos do PNUD — um ponto em que a América Latina também fracassou nos últimos cinco anos —, "as brechas de desigualdade permanecem em níveis inaceitáveis". Em um país de desenvolvimento humano muito alto, uma pessoa de 40 anos que pertença ao 1% mais rico terá uma expectativa de vida de 10 a 15 anos a mais do que alguém que pertença ao 1% mais pobre. E enquanto uma criança nascida no ano de 2000 tem 50% de probabilidade de estar na faculdade hoje, outra criança nascida no mesmo ano em um país de baixo desenvolvimento humano (como o Haiti, para citar um caso na região) tem 83% probabilidade de ter sobrevivido e apenas 3% de estar no ensino superior hoje.

Mais dados do PNUD que corroboram por que nos últimos anos o problema da desigualdade não parou de ganhar peso na escala de preocupações das principais organizações internacionais: se o crescimento econômico segue o padrão estabelecido pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) em seu gráfico de projeções, o número de pessoas em extrema pobreza em todo o mundo permanecerá acima de 550 milhões — mais do que a soma da população dos Estados Unidos e do Brasil; mas se a cada ano o índice de Gini pudesse ser reduzido em 1%, 100 milhões de pessoas a mais deixariam a carestia extrema. No caso dos países emergentes, o problema da desigualdade reside, em grande parte, na incapacidade redistributiva do Estado: a posição inicial é praticamente a mesma que a das economias avançadas, mas, ao contrário destas últimas, os impostos e transferências públicas mal conseguem corrigir diferenças de renda.

Apesar da leitura usual da desigualdade como mera medida econômica, a ONU encoraja a que se dê um passo adiante. "Ainda temos uma sensação de desigualdade no século XX unicamente vinculada à renda per capita", diz Steiner. "Mas essas desigualdades econômicas iniciais deram origem a uma nova geração de desigualdades: microdesigualdades que partem da percepção de que 'meu filho nasce em uma situação de desvantagem'. E isso revela falta de mobilidade social". Na América Latina, essa ruptura da ascensão social é especialmente evidente.

Exceto pelos casos citados acima, da Argentina — que perde duas posições na classificação global, mas, apesar de tudo, continua sendo o único representante latino-americano, com o Chile, entre os países com um IDH muito alto — Venezuela — que caiu 26 posições desde 2013, o maior declínio em todo o mundo e que soma sua quarta queda anual consecutiva — e a Nicarágua, a evolução do indicador de desenvolvimento humano é positiva na região. Com uma importante ressalva: é a área do mundo que registra o menor progresso neste quesito desde 2010: menos de 0,5% ao ano, metade da do sul da Ásia e da África Subsaariana. Em contraposição, as maiores melhorias em 2018 estão no Peru, que sobe quatro posições, e na Bolívia, que já aderiu ao grupo de nações com alto desenvolvimento econômico e que é, de longe, o país em que houve maior melhoria das condições de vida de seus cidadãos nas últimas três décadas. Nos dois casos, pondera Conceição, boa parte da melhoria pode ser atribuída ao crescimento econômico. Duas boas notícias, de todo modo, em um ambiente marcadamente negativo em razão do efeito arrasador da desigualdade no desenvolvimento humano.
Ignacio Fariza

Bolsonaro corteja a tropa

Quantas vezes você não leu que o presidente Jair Bolsonaro visitou uma unidade militar, participou de uma solenidade militar, condecorou militares, ou em discursos no Palácio do Planalto exaltou os prodígios dos seus ex-companheiros de farda? Sem falar das vezes que justificou a ditadura militar de 64 e o uso de torturas contra prisioneiros políticos?

Chamá-lo de vivandeira não seria um exagero. Foi o marechal Castelo Branco, o primeiro general-presidente da ditadura, que devolveu a expressão ao vocabulário político do país. Em agosto de 1964, no auditório da Escola de Comando e Estado Maior do Exército, poucos meses depois de ter sido empossado, ele disse assim a certa altura do seu discurso:

– Eu os identifico a todos. E são muitos deles, os mesmos que, desde 1930, como vivandeiras alvoroçadas, vêm aos bivaques bolir com os granadeiros e provocar extravagâncias do poder militar.


Vivandeiras eram mulheres que seguiam as tropas e lhes prestavam favores. Mas Castelo Branco referia-se a políticos e empresários que assediavam chefes militares para que interviessem na vida do país. Foi como se comportou Bolsonaro depois que o Exército o afastou dos seus quadros. É como se comporta desde que chegou à presidência.

“Nada fazemos sozinhos. A grande âncora do meu governo são as Forças Armadas”, disse Bolsonaro, ontem, em um almoço no Clube Naval, em Brasília, comemorativo da promoção de novos oficiais das Forças Armadas. “Que amanhã, se Deus assim permitir, os senhores estarão aqui na frente, muito bem representando o nosso Brasil. Novos desafios, com Deus no norte”, completou.

Mais cedo, em cerimônia no Planalto, ele havia elogiado Garrastazu Médici, o terceiro general-presidente do ciclo de 64, e dito que os militares são responsáveis pela garantia da democracia e da liberdade. “Por momentos que veio a tragédia em nosso país, as Forças Armadas sempre se fizeram presentes. Alguns colegas nossos perderam a vida, mas nós resistimos”, proclamou.

Do ministro da Defesa, o general Fernando Azevedo e Silva, Bolsonaro ouviu que as Forças Armadas têm recebido do governo “um cuidado especial”. E citou a aprovação do projeto de reestruturação da carreira e da aposentadoria dos militares. “Faltava preencher um vazio de décadas, resgatar o que temos de mais valioso: o militar e sua família”, disse o general.

Não falta mais.

O projeto manteve os militares como única categoria do país que não terá idade mínima para se aposentar e a única entre os servidores que continuará com aposentadoria integral. De início, a economia projetada pela equipe econômica do governo era de RS$ 92,3 bilhões em 10 anos. Mas como a reestruturação da carreira custará 86,8 bilhões de reais, caiu para R$ 10,455 bilhões.

Um presentão!

Haverá na história vivandeira de quartel mais sedutora do que Bolsonaro? Resta imaginar sobre o que ele espera receber em troca.