“Embora os indicadores de desigualdade tenham melhorado em muitos países da região, os níveis permanecem muito altos", analisa Pedro Conceição, diretor do relatório. "Também houve progresso em saúde e educação. Mas a renda não acompanhou, principalmente a partir de 2014." Brasil, México, Colômbia, Chile, Paraguai e Panamá são alguns dos casos mais paradigmáticos de como as grandes diferenças de renda reduzem o progresso social. O Brasil, responsável pela maior parte do aumento da pobreza extrema na região nos últimos cinco anos, perde 23 posições na classificação das Nações Unidas quando o fator inequidade é incorporado. O Chile, durante décadas tomado como exemplo das políticas de liberalização econômica na América Latina e agora imerso em seu período social mais convulsionado desde o final da ditadura de Augusto Pinochet, com um levante social contra a injustiça social e a ausência de um Estado verdadeiramente protetor, retrocede 14 lugares; o México cai 17; Colômbia, 16; e Paraguai e Panamá, 14 e 13, respectivamente. Em todos esses países, o medidor mais comum de distribuição de renda, o Coeficiente de Gini, excede — de longe, no caso do Brasil — a média mundial e a dos demais países em desenvolvimento.
No caso latino-americano, o administrador do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e também presidente do Grupo de Desenvolvimento das Nações Unidas, Achim Steiner, vincula sem rodeios a recente onda de protestos sociais em vários países da região — Chile, Equador e Colômbia, entre outros — a um "sentimento generalizado de descontentamento na população” e à própria desigualdade. O caso chileno talvez seja o mais claro quando os dados da ONU são cruzados com as reivindicações dos manifestantes que tomaram Santiago e outras grandes cidades chilenas: em um país onde as demandas sociais apontam claramente a ausência (ou má qualidade) dos serviços públicos, a prosperidade — é uma das nações mais ricas da região — não é tudo, e as diferenças de renda e a discriminação social pesam — e muito — no bem-estar geral.
O PNUD costuma centrar uma parte importante de sua análise anual na influência da desigualdade no índice em todas as regiões do mundo. Desta vez, no entanto, a ênfase é muito maior. Os dados justificam claramente a razão dessa maior preocupação do órgão: apesar de o avanço mundial da pobreza extrema ser inquestionável, apontam os técnicos do PNUD — um ponto em que a América Latina também fracassou nos últimos cinco anos —, "as brechas de desigualdade permanecem em níveis inaceitáveis". Em um país de desenvolvimento humano muito alto, uma pessoa de 40 anos que pertença ao 1% mais rico terá uma expectativa de vida de 10 a 15 anos a mais do que alguém que pertença ao 1% mais pobre. E enquanto uma criança nascida no ano de 2000 tem 50% de probabilidade de estar na faculdade hoje, outra criança nascida no mesmo ano em um país de baixo desenvolvimento humano (como o Haiti, para citar um caso na região) tem 83% probabilidade de ter sobrevivido e apenas 3% de estar no ensino superior hoje.
Mais dados do PNUD que corroboram por que nos últimos anos o problema da desigualdade não parou de ganhar peso na escala de preocupações das principais organizações internacionais: se o crescimento econômico segue o padrão estabelecido pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) em seu gráfico de projeções, o número de pessoas em extrema pobreza em todo o mundo permanecerá acima de 550 milhões — mais do que a soma da população dos Estados Unidos e do Brasil; mas se a cada ano o índice de Gini pudesse ser reduzido em 1%, 100 milhões de pessoas a mais deixariam a carestia extrema. No caso dos países emergentes, o problema da desigualdade reside, em grande parte, na incapacidade redistributiva do Estado: a posição inicial é praticamente a mesma que a das economias avançadas, mas, ao contrário destas últimas, os impostos e transferências públicas mal conseguem corrigir diferenças de renda.
Apesar da leitura usual da desigualdade como mera medida econômica, a ONU encoraja a que se dê um passo adiante. "Ainda temos uma sensação de desigualdade no século XX unicamente vinculada à renda per capita", diz Steiner. "Mas essas desigualdades econômicas iniciais deram origem a uma nova geração de desigualdades: microdesigualdades que partem da percepção de que 'meu filho nasce em uma situação de desvantagem'. E isso revela falta de mobilidade social". Na América Latina, essa ruptura da ascensão social é especialmente evidente.
Exceto pelos casos citados acima, da Argentina — que perde duas posições na classificação global, mas, apesar de tudo, continua sendo o único representante latino-americano, com o Chile, entre os países com um IDH muito alto — Venezuela — que caiu 26 posições desde 2013, o maior declínio em todo o mundo e que soma sua quarta queda anual consecutiva — e a Nicarágua, a evolução do indicador de desenvolvimento humano é positiva na região. Com uma importante ressalva: é a área do mundo que registra o menor progresso neste quesito desde 2010: menos de 0,5% ao ano, metade da do sul da Ásia e da África Subsaariana. Em contraposição, as maiores melhorias em 2018 estão no Peru, que sobe quatro posições, e na Bolívia, que já aderiu ao grupo de nações com alto desenvolvimento econômico e que é, de longe, o país em que houve maior melhoria das condições de vida de seus cidadãos nas últimas três décadas. Nos dois casos, pondera Conceição, boa parte da melhoria pode ser atribuída ao crescimento econômico. Duas boas notícias, de todo modo, em um ambiente marcadamente negativo em razão do efeito arrasador da desigualdade no desenvolvimento humano.Ignacio Fariza
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