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O enriquecimento assombroso por meio da política, a confusão entre ideologia e obséquio num mundo digital, tem separado o trabalhador do malandro bem como a verdade da mentira. Mas o pior é descobrir que os malandros são os eleitos.
Numa reforma política, o primeiro ponto a ser mudado seria o tamanho dos privilégios embutidos nos cargos. Seria transformar proxenetas da sociedade em servidores do povo. Isso sim, faria o povo ganhar personalidade.
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A tragédia do governo Temer sinaliza que verdade e mentira, oposição e situação, têm um papel indispensável na política democrática. Sem essa divisão, implodimos o Brasil num imenso e criminoso incesto.
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Supomos que o Brasil é tocado por luta de classe, quando basta um noticiário para estampar que ele também é um teatro de ações entre amigos ideologicamente fantasiados.
Em Memórias de Um Sargento de Milícias, essa questão é aprofundada quando o Major Vidigal, responsável pela ordem pública, desmancha-se quando é visto por meio de suas intimidades. A desmontagem do poderoso pelos amigos é, penso eu, um dos temas centrais da democracia.
No caso do Brasil, porém, os limites e as responsabilidades dos papéis públicos como subordinados aos interesses coletivos só agora têm sido politizados. A construção e a desconstrução de presidentes, governadores, ministros e outras figuras públicas é o problema central do Brasil que precisa descolar atores de papéis. E papéis públicos de amigos pessoais.
Como um presidente, num palácio, esquece o papel que lá o colocou?
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Como é possível a Michel Temer redefinir seus laços com os brothers Wesley e Joesley? Que amizade é essa que ele recebe o sujeito na calada da noite como amigo, mas ele o detona como presidente, num encontro que hoje o faz desenhar como um Drácula? Ou melhor, como um amigo da onça?
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Muito pouco sabemos do significado da amizade em nosso sistema. Os que jamais estudaram Weber dizem que amizade não é assunto para sociólogos sérios. Antropólogos, como Mauss, Lévi-Strauss e Wolf, porém, distinguem a amizade como a dimensão básica do humano.
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No Brasil, foi e tem sido a amizade que, como uma mola, faz alguém subir ou cair, honrar ou roubar. É também a amizade que permite não entrar em fila e esperar - esse elemento trivial da vida democrática. Como Alberto Junqueira e eu indicamos num livro recém-publicado - Fila e Democracia -, as filas só têm legitimidade quando há consciência de igualdade. Mas, como mostra o drama do momento, relações; amizades, compadrios e as simpatias estão na base do elo espúrio e malandro entre a economia, as finanças, a política e os poderes da República.
Esquecemos as coerções impostas pelos cargos públicos em nome das amizades. Promessas ideológicas irrefutáveis e generosas são rompidas pelos deveres implícitos das amizades. No Brasil, a amizade tanto pode libertar quanto condenar. Ela, até hoje - daí a dramaticidade da crise -, permitiu confundir verdade com mentira. Até hoje, o caudilho e eventual tirano é, antes de mais nada, um amigo e um pai.
Sem nenhum controle, a amizade transformou a vida partidária numa farsa ideológica e o sistema político num descarado balcão de negociatas. Ela é o rabo que prende todo mundo...
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É impossível não ter amigos e a sombra abençoada da amizade, mas sem discutir os seus limites é - como estamos vendo, vivendo e adoecendo - impossível construir um país decente.
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