domingo, 15 de março de 2020

Em que lugar nos sentimos em casa?

Estive há poucos dias em Marrakech, a mais cosmopolita das cidades marroquinas, participando de um festival de literaturas africanas. A maior parte dos escritores presentes partilhava um destino de sucessivos exílios, com filhos nascidos longe de África e criados em mais do que um país. Um das escritoras contou que, quando alguém pergunta ao filho adolescente de onde ele é, o rapaz faz uma longa pausa antes de responder:

— Depende… Você está com tempo para me ouvir?


A escritora Taiye Selasi, autora de um excelente primeiro romance publicado há poucas semanas no Brasil, “Adeus Gana” (TAG / Editora Planeta), defende a sua pertença não a um país em particular, mas a diferentes locais: “O ano passado comecei a minha turnê do livro”, conta a escritora, numa palestra que está disponível online e já foi vista por mais de três milhões de pessoas: “Em 13 meses, visitei 14 países e dei centenas de palestras. Cada palestra em cada país começava com uma mentira: Taiye Selasi vem do Gana e da Nigéria, ou Taiye Selasi vem de Inglaterra ou dos EUA. Eu pensava, isso não é verdade. Sim, nasci em Inglaterra, e cresci nos EUA. A minha mãe nasceu em Inglaterra, cresceu na Nigéria e agora vive no Gana. O meu pai nasceu na Costa do Ouro, hoje Gana. (…) Os meus apresentadores também me apresentavam como multinacional. (…) Não sou multinacional, não sou nacional, como pode um ser humano vir de um conceito? A História é real. Cultura é real, mas países são inventados. (…) Não sou nacional, sou local. Sou multilocal.”

Sem surpresa, um dos temas do evento em Marrakech foi “A casa”. Em que lugar nos sentimos em casa?

Fiquei a pensar naquilo. A minha casa, costumo dizer, é todo o lugar onde estão as pessoas que amo. Contudo, não é inteiramente verdade, porque já me aconteceu estar com as pessoas que amo em lugares nos quais não me sinto em casa. Então, descobri a resposta: a minha casa é todo o lugar onde não preciso explicar quem sou. Apenas sou.

Lembro-me de um amigo, que, com trinta e tantos anos, saiu de Lisboa para trabalhar em Nova York. Quis saber de que é que ele sentia mais falta. Sorriu:

— Sinto falta de ser tratado por menino. No meu bairro, todo o mundo me tratava por menino: o síndico, o padeiro, a senhora que vendia flores. Em Nova York ninguém me trata por menino.

Na verdade, o que lhe faltava em Nova York era o conforto do reconhecimento. Em Lisboa, no pequeno bairro onde vivia, não precisava explicar-se nem identificar-se. Mesmo aqueles que não o conheciam o reconheciam. Essa experiência de reconhecimento torna-se particularmente explícita no momento de contar, ou de escutar, uma piada. Você sabe que está em casa quando alguém conta uma piada e todos riem juntos. Não há pátria mais sólida do que o riso partilhado, nem lugar mais estrangeiro do que o silêncio incômodo dos outros depois que você conta uma piada.

Trágico é quando naqueles lugares que sempre foram a sua casa você se sente, de súbito, um completo estrangeiro. Tantas vezes, por causa de uma simples piada.
José Eduardo Agualusa 

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