quinta-feira, 11 de novembro de 2021

Pior do que enfrentar cupins é eles nos lembrarem do Brasil atual

Um dia aparece um pozinho perto dos móveis, a gente mal presta atenção, varre e esquece. Ou o robô aspirador passa fazendo o seu trabalho e a gente nem nota. Ou os gatos correm por cima e espalham, ou bate o vento, ou... Não há ou. O pozinho continua lá, insidioso, e a gente o ignora deliberadamente, numa espécie de autodefesa idiota, mais ou menos como as avestruzes, que enterram a cabeça na areia para fugir do perigo.

Abre parênteses: não é verdade, as avestruzes não fazem isso.

A fake news surgiu ainda no tempo do Império Romano, e provavelmente vai circular entre nós até o fim dos tempos, porque a imagem de alguém que enterra a cabeça na areia para fugir do perigo é boa demais para que se possa abrir mão dela.

Como qualquer criatura sensata, a avestruz corre ao menor sinal de perigo.

Ela enfia a cabeça em buracos na areia para ajeitar os seus ovos, e mostra-se relutante em abandoná-los. Visto de longe, esse comportamento foi mal interpretado pelos primeiros viajantes, e agora nunca mais a ave vai se livrar da má fama.

Fecha parênteses.

Eu entendo as avestruzes da lenda. Eu não subo na balança, eu fujo dos médicos, eu passo dias sem abrir o Twitter. Eu ignorei enquanto pude o pozinho sinistro sinalizando desgraça perto dos móveis, mas chega um momento em que até avestruzes metafóricas têm que tomar providências.


No ano passado, consegui me mudar com os gatos para um apartamento que estava vazio no prédio, onde passei uma semana enquanto a minha casa era desmontada e revirada pelo avesso. Achei que a minha relação com os cupins estava definitivamente encerrada; mas não.

Mais uma vez pedi socorro aos amigos na internet, e mais uma vez recebi apoio moral, solidariedade e incontáveis sugestões, de injetar querosene na madeira a contratar biólogos especializados, que trabalham com iscas e com paciência até chegar à rainha do cupinzeiro.

Passei dias pesquisando e dando telefonemas, exatamente como fiz no ano passado; e, como no ano passado, concluí que não há descupinização inofensiva para gatos quando se trata de cupim de madeira seca.

No fim, acabei ligando para a empresa que fez a descupinização no ano passado, e que eu já havia escolhido depois de muita angústia, muita pesquisa e muito debate na rede. Milagres não acontecem, a tecnologia não evolui tanto tão rapidamente.

Se tudo deu certo, ontem gatos e eu nos refugiamos na parte da frente da casa, transformada em acampamento provisório pelos próximos dias.

Fico exausta e deprimida quando imagino que, no ano que vem, eu talvez tenha que passar por tudo isso novamente: olhar o pozinho sem enxergar, esperar para ver se desaparece sozinho, correr para a internet e, enfim, ser adulta e encarar a realidade.

Mas pior do que enfrentar os cupins é perceber como eles são a imagem perfeita do que acontece no país. Há montanhas de pó de cupim vazando por todos os lados em maracutaias e rachadinhas e continuamos desconversando e fazendo de conta que é assim mesmo.

Um dia a estrutura toda vai vir abaixo e vamos nos perguntar como foi que isso aconteceu; ou vamos eleger mais um exterminador de araque.

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