sexta-feira, 10 de maio de 2019

As ruas e a Corte

Na mesma semana em que o governo federal restringe gastos com as universidades ameaçando o próprio funcionamento destas instituições, o Supremo Tribunal Federal fecha uma compra milionária para fornecimento de comida e bebida, inclusive lagosta e whisky para festas na Corte.

Só ingenuidade ignoraria que são decisões de instâncias diferentes, o governo federal que restringe gastos por causa dos déficits fiscais não tem culpa nem poder para reverter a decisão dos ministros do Supremo, e só oportunismo eleitoral justificaria enganar ao povo dizendo que a suspensão das lagostas permitiria cobrir os déficits fiscais e atender as necessidades das universidades e beneficiar o Brasil no lugar dos convidados do Supremo.

Mas os dois fatos mostram um absurdo ético e político. Mesmo que o custo do luxo dos ministros seja insignificante em comparação com as necessidades das universidades, os dois fatos juntos mostram uma falência mais grave do que a fiscal: a falência do Estado no uso dos recursos públicos. Não importa qual dos três poderes vai gastar este dinheiro, ele sai da mesma fonte: os impostos pagos pelo povo brasileiro. Se estão atribuídos a rubricas diferentes, elas podem mudar, tanto quanto é possível fazer contingenciamento na rubrica para a universidade.

Em qualquer momento, gastar dinheiro público com ostentação, seja arquitetônica seja gastronômica, é indecente, mas em momento de crise fiscal que exige reduzir gastos com educação, além da imoralidade é uma estupidez porque desmoraliza as forças encarregadas de zelar pelo interesse público, tirando delas a legitimidade que necessitam para funcionarem na democracia.

Há exatamente 230 anos, na França, um governo atravessou situação parecida, faltava pão para o povo e a rainha comia bolo, entendendo que os gastos na Corte nada tinham a ver com os gastos nas ruas. Três anos depois ela foi levada pelas ruas em uma carroça até onde havia uma guilhotina.

Felizmente estamos em uma democracia e talvez os três poderes dialoguem para saber se falta ou sobra dinheiro, e se faltar que reduzam o luxo e salvem o ensino.
Cristovam Buarque 

Nenhum comentário:

Postar um comentário