Lembrei-me da orquestra do Titanic diante da situação fiscal que o país atravessa e dos aumentos salariais recentemente concedidos aos servidores públicos federais.
Segundo o IBGE, a proporção de servidores municipais em relação à população brasileira, que era de 2,2% em 2001, subiu para 3,2% em 2014. Entre 1999 e 2014, embora os estatutários predominem, sua proporção caiu de 65,4% para 61,1%. Em contrapartida, no mesmo período, cresceram os percentuais de pessoas sem vínculo, de 13,4% para 18,7%.
Nos estados, vários governadores não conseguem pagar salários em dia e atribuem as situações de penúria somente à recessão e à queda de arrecadação. Decretam “estado de calamidade financeira” — para o qual suas gestões muito contribuíram — como forma de se livrar das punições previstas na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). As crises, porém, decorrem, em grande parte, do crescimento abrupto das despesas com pessoal e das burlas à LRF.
A lei determina limite de 60% para a relação entre a despesa total com pessoal e a receita corrente líquida no conjunto dos poderes dos estados, sem qualquer espaço para as “interpretações criativas” adotadas por diversos gestores, sob as barbas dos tribunais de contas.
No último trimestre de 2016, a Secretaria do Tesouro Nacional (STN) divulgou tabela que confrontou as informações autodeclaradas pelos estados com os dados colhidos e examinados pelos técnicos da STN no âmbito do Programa de Reestruturação e Ajuste Fiscal. No Rio de Janeiro, por exemplo, enquanto o estado informava que a relação entre as despesas com pessoal e a receita corrente líquida em 2015 era de 41,77%, o percentual calculado pelos técnicos do Tesouro atingiu 62,84%.
Na União, tanto a quantidade de servidores como as “comissões” cresceram significativamente. De 2002 para 2016 (dados de setembro), os cargos, funções de confiança e gratificações passaram de 68.931 para 99.122, o que significa acréscimo de 30.191! Sem falar nos “supessalários” e no festival de aumentos ocorrido em 2016, nos vencimentos e nos “penduricalhos”, como o promovido no dia 29 de dezembro sob a forma de bônus de eficiência e produtividade”.
A administração pública sempre teve servidores competentes. Carlos Drummond de Andrade, por exemplo, redigia discursos com a mesma genialidade dos seus poemas. Machado de Assis, Cartola e Vinicius também contribuíram para a vida pública com dedicação e arte. Atualmente, o juiz Sérgio Moro, os procuradores da força-tarefa do Ministério Público Federal do Paraná, o procurador do MP de Contas, Júlio Marcelo, dentre muitos outros, são exemplos de brasileiros que dignificam os cargos que ocupam. E, certamente, não o fazem por salários ou bônus, mas sim pelo propósito de defender o interesse público e o Estado. Servir à sociedade é uma missão nobre e, como tal, deve ser valorizada.
A reposição salarial é justa e deveria ocorrer para todos os trabalhadores brasileiros, públicos e privados. No momento, entretanto, temos um déficit fiscal estimado para 2017 em R$ 180 bilhões e 12,1 milhões de desempregados. Nesse contexto, o aumento salarial dos servidores públicos — com estabilidade no emprego e remunerações médias acima daquelas recebidas na iniciativa privada — é inoportuno e incoerente.
Os músicos da orquestra do Titanic passaram à história como heróis por terem cumprido suas obrigações com extremo profissionalismo. Nenhum sobreviveu ao naufrágio. Cada artista ganhava apenas quatro libras por mês. Pouco tempo depois, suas famílias receberam uma conta que incluiu as insígnias de lapela, a túnica e as partituras, submersas em algum ponto do Atlântico Norte.
No Brasil que vai a pique, alguns sindicatos de servidores públicos continuam a tocar o barco como se nada estivesse acontecendo. O problema é que a conta, que aumenta a cada dia, é paga por todos nós. Resta-nos repetirmos o que disse o maestro: Boa sorte!
Gil Castello Branco
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