As versões do presidente para os fatos não ficam em pé. Ele diz que buscava apenas relatórios de inteligência na Polícia Federal. Ele sabe a esta altura do mandato a diferença de inteligência policial e inteligência estratégica. O presidente tem a Abin que dá informação de inteligência estratégica. Faz parte do SISBIN, Sistema Brasileiro de Informações.
Todos alimentam esse sistema, inclusive a Polícia Federal. Tudo deságua no Gabinete de Segurança Institucional (GSI), que manda relatórios diários para a Presidência. Neles, se pode saber antecipadamente os riscos de fatos como, por exemplo, uma pandemia, para agir preventivamente. Somente ontem, a propósito, mais 600 brasileiros perderam a vida. Um perito no assunto me explicou que “quando a inteligência policial produz algo de interesse estratégico para o Estado, isso é pinçado pelos analistas da Abin para o relatório ao presidente”. E ele conclui: “Mas o presidente da República não tem nada com a inteligência policial”, ou seja, a parte investigativa, judiciária. Ele não tem que ter acesso a uma investigação da polícia judiciária.
Bolsonaro parecia naquele lamurioso pronunciamento, do dia 24 de abril, ter sido surpreendido pela demissão de Moro apresentada numa coletiva à imprensa. Ofendido com a “traição”. O relato circunstanciado de Moro mostra que o presidente já sabia que a saída dele era fato consumado, inclusive porque ele, Bolsonaro, o jogou para fora do governo.
Enquanto Bolsonaro trava uma guerra contra o seu ex-ministro, na economia, as notícias vão de mal a pior. A produção industrial despencou 9,1% em março, vindo abaixo do esperado, com uma queda de 3,8% em relação ao mesmo mês do ano anterior. Nesse tipo de comparação, foi o quinto recuo consecutivo, o que mostra que o setor já não vinha bem muito antes da chegada do vírus. No início da noite, a Fitch, uma das três maiores agências de rating do mundo, colocou sob viés negativo a nota do governo brasileiro. Disse que houve piora dos quadros econômico e fiscal, e citou a renovação da crise política, “incluindo as tensões entre o executivo e o congresso e as incertezas sobre a duração e a intensidade da pandemia de coronavírus”. O Brasil atualmente é classificado pela agência como BB-, a três degraus do grau de investimento. Agora, está mais próximo de um novo rebaixamento.
Moro não pode se dizer surpreso. Foi para o governo Bolsonaro sabendo que seu ex-chefe jamais fora um combatente anticorrupção, que viveu anos em partidos cujos integrantes ele mesmo condenou. Quando Moro diz que não está acusando o presidente de crime, ele está se protegendo no campo que entende muito bem. Mas que crime o presidente pode ter cometido, isso dependerá da capacidade de investigação da Polícia Federal. Os ministros terão que depor e, ao contrário do presidente, não têm o direito de fazê-lo por escrito. A propósito, me disse ontem um procurador, essa prerrogativa do presidente nem deveria existir.
“Depoimento tem que ser oral.” Hoje, Bolsonaro é um homem acuado. Só resta a ele a grosseria de mandar a imprensa calar a boca. Não será atendido.
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