O grupo populacional dos americanos entre os 25 e os 54 anos que não eram casados ou viviam em união de facto com um parceiro aumentou para 38% em 2019, quando era de 29% em 1990. Um quarto dos cidadãos com 40 anos nunca casou. Mais de metade dos inquiridos sentem-se isolados no mundo e afirmam que ninguém os conhece bem. O número de alunos do ensino secundário que confessam “sentimentos persistentes de tristeza ou desesperança” disparou de 26% em 2009 para 44% em 2021.
A segunda questão é perceber por que razão os cidadãos americanos se tornaram tão insensíveis e antissociais.
Desde o dono do restaurante que tem que expulsar um cliente todas as semanas devido a comportamentos rudes ou cruéis, coisa que nunca aconteceu antes, até à enfermeira-chefe de um hospital que relata que muitos elementos da sua equipa estão a abandonar a profissão porque os pacientes se tornaram abusivos e excessivamente agressivos.
De resto, os crimes de ódio em 2020 apresentaram o nível mais elevado em 12 anos e as taxas de homicídio aumentaram, assim como o comércio das armas de fogo. Como resultado, a perceção de segurança e a confiança social caíram a pique. O ambiente é de ameaça, conspiração, polarização, tiroteios em massa e trauma.
Por outro lado, se no ano 2000, dois terços das famílias americanos encaminharam doações para a caridade, em 2018, menos da metade o fez. Não há dúvida de que se está em presença de algum tipo de crise emocional, relacional e espiritual, que por sua vez sustenta uma disfunção política e uma crise geral da democracia. O que está a acontecer?
As respostas sociológicas para este fenómeno de aumento do ódio, da ansiedade e do desespero são diversas.
Por um lado, temos a tecnologia que justifica que as redes sociais estão a deixar as pessoas enlouquecidas. Do ponto de vista da demografia, os Estados Unidos estão em profunda transformação ao deixar de ser um país dominado por brancos, uma mudança que está a trazer pânico a milhões de americanos brancos. A nível da economia, as profundas desigualdades trouxeram insegurança e deixaram as pessoas com medo, alienadas e pessimistas. E tudo isto terá contribuído para afastar os cidadãos da vida comunitária e promover o isolamento.
A realidade é que as pessoas estão de facto muito mais isoladas, mas porquê? As respostas anteriores não fornecem o quadro completo. As redes sociais estão em todo o mundo, assim como as desigualdades sociais, mas isso não explica tal colapso social e emocional nos EUA. A grande questão é saber o que leva os americanos a optar por estilos de vida que os tornam solitários, tristes, alienados e rudes.
A razão primeira, provavelmente, é que eles estão numa sociedade que perdeu o hábito de tratar os outros com gentileza e consideração. Pelo contrário, hoje qualquer pessoa se sente autorizada a manifestar o seu egoísmo. Uma sociedade coesa e saudável implica uma rede de instituições como famílias, escolas, grupos religiosos, organizações comunitárias e locais de trabalho, que contribuem para a formação de indivíduos como cidadãos gentis e responsáveis. Ou seja, o país está a viver uma fase de decadência moral. David Brooks defendia há tempos, em longo artigo no “The Atlantic”, que a América deixou há muito de investir na formação moral dos seus cidadãos. Talvez tenha razão.
Sejamos honestos. O país desenvolveu nas últimas décadas uma cultura desprovida de verdadeira educação moral, o que levou à emergência de gerações que se encontram a crescer num mundo desarticulado e autorreferencial. E quando assim acontece, vem ao de cima o pior do ser humano.
A verdade é que só faz sentido viver quando o fazemos também em função dos outros.
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