terça-feira, 13 de agosto de 2019

Elo Bolsonaro-Trump repete modelo Lula-Chávez

Ao anunciar que o governo dos Estados Unidos deu sinal verde à indicação do seu filho "Zero Três"para a embaixada brasileira em Washington, Jair Bolsonaro jactou-se de uma peculiaridade: "Teve um linguajar pessoal no documento que eu recebi". Referia-se a um bilhete que veio junto com o agrément. "É pessoal", disse o capitão. "Do próprio punho do Trump". Esse relacionamento personalista, tratado pelo presidente como algo vantajoso, pode ser ruinoso.

Em matéria de política externa, Bolsonaro diz uma coisa e realiza o contrário. No gogó, prometera inaugurar uma fase de relações internacionais "sem viés ideológico". Na prática, cultiva com Donald Trump um relacionamento que segue o modelo Lula-Chávez. Algo deletério, pois, na diplomacia, a ideologia é o caminho mais longo entre um projeto e sua realização.

Bolsonaro deveria aprender com os equívocos de seu antagonista. Entretanto, a exemplo da divindade petista, o mito direitista cultiva a soberba da infalibilidade. Quanto mais erra, mais persiste na dissimulação do mesmo no erro do adversário. Não se deu conta de que as relações diplomáticas acríticas costumam ser letais. A primeira vítima é o interesse nacional.


Lula e sua criatura Dilma Rousseff empurraram a Venezuela do autocrata Hugo Chávez para dentro do Mercosul. Sob Michel Temer, os profissionais do Itamaraty tiveram de suar os punhos de renda para fazer valer as cláusulas democráticas do bloco. Na era petista, exportaram-se para Caracas as verbas sujas do Departamento de Propinas da Odebrecht e o dinheiro limpo do BNDES. Deu no que está dando: corrupção e um calote bilionário.

Apenas o espeto decorrente dos repasses do BNDES à Venezuela e Cuba obrigou o bancão de fomento brasileiro a registrar no seu balanço financeiro de 2018 perdas de notáveis R$ 4,4 bilhões. Na outra ponta, o petismo manteve um relacionamento hostil com Washington. Algo que o novo governo se dispõe a rever. Bom, muito bom, excelente. A manutenção da birra com a maior potência mundial seria uma tolice. Mas o que parecia uma solução revelou-se um problema às vésperas da primeira visita de Bolsonaro à Casa Branca, em março.

A reunião de Bolsonaro com Trump foi tratada pelo hipotético futuro embaixador Eduardo Bolsonaro como "um encontro épico entre duas nações que sempre foram muito próximas, mas que nos últimos governos foram separadas devido a uma sanha ideológica que já se mostrou falida por onde passou". Épico, como se sabe, evoca a ideia de epopeia, de ações heroicas, resultantes de esforços homéricos. Esse tipo de retórica se parece muito com deslumbramento. Diplomacia é feita de outros tipos de matéria-prima: equilíbrio, profissionalismo e interesse de Estado.

A família Bolsonaro ambiciona manter com o presidente americano uma relação de amor. Mas o pragmatismo de Trump, homem de negócios, demonstra que, nas questões de Estado, amar não é coisa para amadores. O "Zero Três" ainda nem chegou a Washington e Trump já começa a cobrar a fatura do caráter "pessoal" que atribuiu à opção nepotista do capitão, brindando-o com o bilhete escrito de "próprio punho".

A pedido de Trump, Bolsonaro ordenou aos ministérios da Economia e da Ciência e Tecnologia que elaborem uma medida provisória modificando a lei que regulamenta a TV paga no Brasil. Coisa destinada a ajustar a legislação local às conveniências do grupo Time Warner, que controla, entre outros, os canais CNN, HBO, Cartoon Network e DC Comics. Num ambiente liberal, a concorrência é sempre benfazeja. Mas convém ao Congresso analisar com lupa a MP que está por vir. É preciso verificar de que lado está o amor dos Bolsonaro.

Bolsonaro, sua prole e o chanceler Ernesto Araújo sustentam que o petismo afastou-se de Washington por razões ideológicas. O diabo é que o novo governo aproxima-se dos Estados Unidos pelos mesmos motivos. Dão de ombros para uma obviedade: o contrário do antiamericanismo primário do PT é o pró-americanismo inocente da dinastia Bolsonaro. Nesse ambiente contaminado pelo fanatismo, o mito periférico tende a ser engolido pelo mito da potência.

Assim como não faz sentido que o Brasil trate os Estados Unidos na base do ponta-pé, também não é razoável tratar como "épico" um relacionamento que precisa ser apenas profissional. Mantido o diapasão atual, os pró-americanos ingênuos vão acabar convencendo Pequim, por exemplo, de que Brasília prefere a submissão ideológica a Washington ao relacionamento comercial superavitário que mantém com a China.

Com seus 35 anos recém-completados, Eduardo Bolsonaro servirá ao Brasil ou colocará sua inexperiência e sua idolatria ao trumpismo a serviço do interesse norte-americano?, eis a pergunta que os senadores precisam fazer na sabatina ao filho-embaixador.

Ser "amigo dos filhos de Trump" e falar um par de idiomas não são credenciais suficientes para comandar a embaixada em Washington, posto mais relevante mantido pelo Brasil no exterior. A poltrona está vaga posto desde abril, quando Bolsonaro ejetou da poltrona, sem motivo aparente, o tarimbado embaixador Sérgio Amaral. O substituto precisa ter qualificação diplomática, econômica e administrativa. Isso exige anos de formação.

Há no Itamaraty opções de mostruário. Entre os nomes à disposição há vários conservadores, bem ao gosto do capitão. É só escolher. Não há precedente de indicação de forasteiros para Washington. Com a atribuição constitucional de deliberar, em votação secreta, sobre a indicação de Bolsonaro, os 81 senadores não julgarão apenas a desqualificação do "Zero Três". Eles avaliarão o próprio Senado. No limite, emitirão um juízo sobre o tipo de país que o Brasil deseja ser.

Nenhum comentário:

Postar um comentário