sábado, 7 de março de 2020

O Governo da piada pronta não precisa de humorista

No mesmo dia em que convocou o humorista Carioca para responder a questionamentos da imprensa sobre o PIB em seu lugar, o presidente Jair Bolsonaro viu um antigo aliado protagonizar um episódio digno dos esquetes mais aleatórios do humor. O ex-jogador Ronaldinho Gaúcho, que o apoiou na campanha presidencial e, recentemente, se tornou embaixador do turismo com a devida bênção bolsonarista, foi detido após entrar no Paraguai com documentos adulterados. Uma personalidade incumbida da missão de promover a imagem do Brasil mundo afora investigada por suspeita de passaporte falso.

Ronaldinho acumula problemas com a Justiça brasileira. Em 2015, ele e seu irmão, Roberto de Assis Moreira, foram condenados a pagar multa de 8,5 milhões de reais por construções irregulares em áreas de preservação ambiental às margens do rio Guaíba, em Porto Alegre. Sem êxito na tentativa de cobrar o pagamento pelas infrações e indenização estipulada, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul determinou a apreensão dos passaportes da dupla no fim de 2018, mas os irmãos ignoraram as intimações. Somente um mês depois da ordem judicial, eles entregaram os documentos, o que comprometeu a agenda de compromissos publicitários de Ronaldinho no exterior.


Porém, nem mesmo a impossibilidade de viajar para fora do país impediu que ele fosse nomeado embaixador do turismo brasileiro em setembro do ano passado. A função voluntária, que não prevê remuneração, integra um programa da Embratur em que personalidades exercem o papel de promotoras de atrações turísticas do Brasil. Por causa da condenação, a escolha do ex-jogador para o time de embaixadores gerou controvérsia no Ministério do Turismo. Na época, a Embratur explicou que o cargo é “honorário e simbólico”, sem implicações com os imbróglios do astro na Justiça.

“Espero poder ajudar, em todo lugar do mundo onde eu passe, a mostrar esse nosso país tão bonito por natureza, convidando o mundo todo a vir pra cá. É motivo de muito orgulho”, disse Ronaldinho, que também é embaixador internacional do Barcelona, em sua cerimônia de nomeação. No mesmo mês, o Ministério Público do Rio Grande do Sul chegou a um acordo com os irmãos Assis para a quitação da multa e, consequentemente, a liberação dos passaportes. Até então, eles tentavam reaver os documentos por meio de recursos no Supremo Tribunal Federal (STF), mas não haviam conseguido derrubar a decisão da Justiça gaúcha. Em fevereiro, o Ministério Público Federal, que defendeu a apreensão dos passaportes, acatou denúncia contra Ronaldinho por outro processo, em que é acusado de fazer parte de um esquema de pirâmide financeira envolvendo criptomoedas.

A viagem de Ronaldinho ao Paraguai foi motivada pelo contrato de marketing do ex-jogador com um cassino em Assunção mantido pelo empresário Nelson Belotti, apontado pela Operação Lava Jato como suposto intermediário de 24 milhões de reais em movimentações suspeitas por lavagem de dinheiro entre empresas de José Carlos Bumlai, Alberto Yousseff e a JBS. A defesa do ex-atleta e do irmão diz que eles não sabiam que o documento era adulterado e que vão colaborar com as investigações até que tudo seja esclarecido. A Embratur ainda não se pronunciou sobre a detenção constrangedora do ex-jogador, o segundo embaixador nomeado pelo órgão implicado em embaraços judiciais. Richard Rasmussen, biólogo e apresentador de TV escolhido para promover o ecoturismo brasileiro, já foi multado oito vezes pelo Ibama por danos à fauna e ao meio ambiente.

Não é de se espantar o “dedo podre” de Bolsonaro, que soma desgastes na presidência pelas relações pregressas com milicianos. O ministro da Educação, o segundo em menos da metade do mandato, tropeça na gramática. O do Meio Ambiente tem no currículo uma condenação por favorecer empresas em detrimento do… meio ambiente. O do Turismo, representado internacionalmente por embaixadores como Ronaldinho e Rasmussen, é réu por suspeita de candidaturas laranjas. Rodeado de tantos “cidadãos de bem”, o presidente não precisa de humoristas para fazer graça com sua corte. As cenas de tragicomédia no Governo se reproduzem em modo automático. Nem precisa ensaiar.

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