Líderes vencem não pela consistência de suas convicções, mas porque, orientados por especialistas em opinião pública, lançam mão de técnicas e algoritmos na internet. Conhecem, então, a receita do bolo a ser servido a cada tribo de consumidores/eleitores, por via do estudo científico dos medos, aspirações, alegrias e ódios desvelados no uso das redes sociais, das quais surge perfeita tomografia de corpo e alma dos usuários. As frustrações e a raiva que produzem são fonte de energia e formam o cardápio político. Conforme Moura e Corbellini (A Eleição Disruptiva – por que Bolsonaro venceu, Record, 2019),“a vitória de Bolsonaro foi a manifestação da ira contra tudo o que está aí, foi a eleição dos indignados”.
Os magos por trás da máquina de controle daqueles que se pensam, enganadamente, fautores do próprio destino por integrarem as redes sociais são os técnicos como Gianroberto Casaleggio, na Itália, Dominic Cummings, que conduziu a campanha em favor do Brexit, o ex-chefe de campanha de Trump e próximo de Olavo de Carvalho, Steve Bannon, o articulador de Orbán, Arthur Finkelstein e o controvertido jornalista Milo Yiannopoulos.
É Giuliano Da Empoli, no livro Os Engenheiros do Caos (Vestígio, 2019, tradução de Arnaldo Bloch), que revela a nova política tecnicamente administrada, gerida sem nenhum limite ético.
As manobras antes utilizadas em face do consumidor passaram a ser aplicadas ao eleitor, objeto de cooptação para levar ao poder ambiciosos sem pudor, falsos moralistas que prometem expulsar os maus do “templo” valendo-se do ressentimento e da raiva fáceis de ser explorados, sempre sob a ótica conspiratória contra bodes expiatórios denunciados com fake news nas redes sociais.
Adotam esses chefes autoritários posições diversas a cada passo. Dizem um dia o necessário para contentar parcela Y da sociedade, para no seguinte, sem preocupação com a coerência, aderirem ao inverso, se preciso, para satisfazer a parcela X.
No caso brasileiro, o desencanto com a corrupção após a ditadura, a desesperança de dias melhores após a nova Constituição, bem como a crise de segurança pública facilitaram um discurso raso de direita e a indicação dos culpados: a classe política, acusada de só ver o próprio interesse, as elites traidoras, o aparelhamento do Estado.
A eventual frustração de cada qual nos planos profissional, econômico, sexual, familiar se soma à indignação dos eleitores contra o PT, a corrupção, o Congresso, o STF, muitos sem perceber que ir contra os dois últimos lesa direitos fundamentais e instaura o arbítrio.
A tática é sempre a mesma: populistas, ao se nutrirem do ódio dos outros, fazem da humilhação dos poderosos a sua promessa, como diz Da Empoli. Ser vulgar e grosseiro, mormente com a imprensa, e afrontar o politicamente correto passa por exprimir autenticidade, atendendo ao gosto popular, ao contrário dos hábitos das elites e da velha política.
Buscam-se os cantos, e não o centro, ou um denominador comum. Não há união, mas adjunção. Somam-se desconhecidos, cada qual carregando sua revolta em direção aos extremos e a ser explorada pelos líderes populistas manobrados pelos técnicos em algoritmos e internet.
Da Empoli ressalta: “No mundo de Trump, Johnson e Bolsonaro cada novo dia nasce com uma gafe, uma polêmica, a eclosão de um escândalo e, mal se está comentando um evento, esse já é eclipsado por outro, numa espiral infinita que catalisa a atenção e satura a cena midiática”.
No carnaval houve reiterada conduta agressiva de Bolsonaro: ofendeu a jornalista da Folha; divulgou conversa do general Heleno chamando congressistas de chantagistas e sugerindo ida às ruas; postou no WhatsApp dois vídeos convocando para ato em 15 de março: num conclama patriotas a resgatar o Brasil e defender o presidente cristão e incorruptível; no outro põe os nomes Gen. Heleno/Cap. Bolsonaro e se faz de mártir ante os inimigos do Brasil; na quinta-feira 27/2 acusou mendazmente a jornalista Vera Magalhães de mentir.
Se Bolsonaro nunca teve apreço pela democracia representativa e pelos partidos políticos, sabe, todavia, o valor de um gabinete do ódio no terceiro andar do palácio a calibrar a relação direta entre o “líder” e o povo a ser emocionalmente explorado. Basta assistir ao vídeo compartilhado no qual sem pudor é endeusado: “Foi chamado a lutar por nós”, “quase morreu por nós”, “única esperança de dias cada vez melhores”, “presidente trabalhador, patriota”, “precisa de nosso apoio nas ruas”. Apoio por quê? Ora, apenas em favor da ambição do poder populista, sem intermediação.
O que parece desatino em muito é planejado. Na convocação para o dia 15 Bolsonaro exagerou e pulou no carnaval fora da dignidade e dos limites constitucionais impostos pelo cargo. O mesmo na triste comédia do PIB.
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