quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Um sonho para 2016: cidades felizes

Ouvi esta expressão “cidade feliz” recentemente durante um encontro de fim de ano do PACC – o Programa Avançado de Cultura Contemporânea da UFRJ. Ela veio da historiadora e socióloga Maria Alice Rezende de Carvalho, da PUC-Rio, que falava sobre ‘cidades: história e teoria’. Cidade feliz no sentido de uma utopia urbana no Brasil atual, pois, lembrou Maria Alice, as nossas cidades estão difíceis para viver, feias, desajustadas. Creio que é verdade. Conforme a professora falava para o grupo de intelectuais e pensadores, entrei num estado de sonho.
JeronimoSanz/Flickr
Transito entre o Rio de Janeiro, onde moro, e São Paulo, de onde vim e me recordo de várzeas e terrenos baldios hoje repletos de concessionárias de veículos, lojas de autopeças e comércios vários ao longo da Avenida Sumaré, na zona oeste, outrora um córrego. No caso do Rio de Janeiro contemporâneo, e pelo menos naquilo que me afeta diretamente o cotidiano, a cidade se encheu de carros. As ruas, porém, continuaram tão estreitas quanto antes. Quando acompanhei uma jornalista chinesa da BBC essas ruas esguias do Rio lhe pareceram apenas as veias de uma imensa bagunça (o fluxo de pensamento foi seguindo seu rumo na sala da universidade – é para isso que estas instituições servem, para que pensemos). Em São Paulo, algum tempo atrás, andei por uma alameda perto da Avenida Paulista e senti o cheiro forte de gasolina. Já na favela do Jardim Colombo, na zona sul da capital, onde dei aulas de alfabetização nos anos 1980, quando lá voltei recentemente para visitar um ex-aluno, vi que tudo tinha melhorado e piorado ao mesmo tempo nos últimos 20 anos. Havia mais saneamento indicavam os números frios do IBGE; mas pelas vielas ainda corria esgoto a céu aberto; havia luz para todos, mas muitas ligações eram clandestinas e os apagões constantes; em duas décadas as construções deixaram de ser de tábua e agora são de bloco, a favela cresceu para cima, ao mesmo tempo em que a insegurança aumentou. Lá houve uma guerra, me contou um morador, o mais antigo do local. Coisa de drogas, algo assim, não me aprofundei nos detalhes pois quando chega nesses assuntos todos apenas sussurram – e ‘seu’ Tião queria mesmo era lembrar do tempo em que lá havia um córrego que dava uma espécie de pitu, pois ele chegou da Bahia à capital paulista em meados dos anos 1970 e a estação da Luz lhe pareceu uma imensa teia de aranha. “Tudo mudou, nada mudou”, ele balançava a cabeça, enquanto ouvíamos o som de um rap: “aqui não é mais favela, Rogério, aqui agora é cidade”.

Lembrei disso tudo ao ouvir a professora falar na possibilidade – um projeto político na verdade – de uma “cidade feliz”. Claro, o transporte, a segurança, o saneamento serão apenas parte dela. Modo geral, esta cidade feliz brasileira oferecerá a infraestrutura necessária para que as pessoas possam realizar na trama urbana o seu potencial de vida. Pensando bem, é o básico que uma cidade pode oferecer a seus habitantes. Temos chance?

Rogério Jordão

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