2. E os seus moradores foram expostos a muitas provações, e as suas aflições, multiplicadas, mais que as areias da Guanabara; e os donos da vida não se compadeciam de seus sofrimentos.
3. Muitos juntaram riquezas, e não com direito; esses não se compadeciam de seus sofrimentos.
4. Pela desolação da terra, porque não vinha chuva, se confundiram os lavradores; e os magnatas canadenses rogavam ao povo uma paciência inútil.
5. Quem saía aos campos secos, encontrava os bois a engolir vento como os dragões; quem ia à cidade, via por toda parte a incúria dos que deviam zelar pela República.
6. As vacas extenuadas e poucas não davam leite, e os que tinham água ficavam tristes porque não tinham o leite para deitar-lhe a água.
7. Em Rio de Janeiro sobravam as tristezas e tudo faltava; mesmo o mar, grande e generoso, só trazia às praias um excremento fétido; e isso porque os homens não sabiam mais construir esgotos e canais.
8. E o povo, que era chamado carioca, foi contaminado de tristeza, um povo que outrora trazia nos lábios palavras de prazer.
9. Não havia água para o banho e mesmo a de beber era pouca: e era vendida no mercado como o vinho. E os donos da cidade não se apercebiam dessa aflição porque a eles lhe bastava a soda para juntar ao uísque e bebiam também uma água espumante chamada champanha.
10. Escasseavam nas feiras os legumes e custavam os olhos da cara; e desapareciam quando um homem, chamado Cabello, procurava torná-los acessíveis.
11. Em Rio de Janeiro, não houve poder humano contra a carestia; porque a mão dos homens era fraca e mais débil o entendimento.
12. Cabello comeu aflições como ervas-daninhas; e os preços subiam; e o dinheiro do pobre não comprava mais nada digno de valor.
13. E a própria luz veio a diminuir, e a cidade cobriu-se de uma treva melancólica, só propícia aos furtos e às fornicações.
14. E o povo dizia a seu chefe: assentai-vos no chão, porque a coroa de vossa glória escorrega de vossa cabeça.
15. E dizia: que é do povo que vos foi confiado? E nem mesmo o vento respondia.
16. E não havia carne e não havia pão; e havia muitos crimes na cidade porque a fome se arma de uma faca.
17. Como o látego no lombo do burro, Rio de Janeiro foi castigada duramente; e os vícios dos homens públicos é que foram causa dessas aflições; esses homens eram coisas vãs e as obras deles dignas do riso.
18. E a carência de comida era tanta que se tornava ridícula: de que adianta faltar a manteiga se já falta o pão?
19. O Rio de Janeiro tornou-se em desolação e numa vala perpétua: e todos aqueles que passam por essa cidade ficam espantados e meneiam a cabeça; porque esta cidade se quebra como uma vasilha de barro; e os poderosos não percebem os clamores de sua ruína.
Paulo Mendes Campos (Diário Carioca, 15/11/1951)
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