Não sei se a deputada Maria do Rosário é mais feia do que madame Macron. Se o pai da ex-presidente do Chile era mais cubanófilo que o pai do presidente da OAB. Se um ministro é mais chucro ou mais ingênuo que o outro, que seria rechaçado no Senado caso fosse indicado para o Supremo. Quem nos surpreende com tais escolhas é o cara em que devemos acreditar sempre, por ser o chefe da nação. Que país é esse?
Quando o Brasil completou 500 anos de invasão europeia, no ano 2000, o professor de Ciência Política Renato Lessa publicou pequeno ensaio antecipativo, quase um conto sci-fi, com o premonitor título de “Maicon da Silva, 45 anos, mulato e evangélico: presidente da República”. No final do século passado (ou no princípio deste) ele nos prevenia de que, em 20 ou 30 anos, o presidente do Brasil poderia ser assim descrito, como estava no título de seu ensaio. Dezenove anos depois, sabemos que Lessa só não acertou a idade e a cor da pele do rapaz.
Quando, no ensaio, o professor diz que não havia nada que eliminasse sua hipótese, acrescenta logo: “ainda que as barreiras à ascensão exijam fôlego heroico”. Mas esse fôlego pode muito bem ser substituído por um certo acaso, produto de um “mercado eleitoral brasileiro gigantesco e aberto a inúmeras trajetórias possíveis”. A do nosso atual presidente é um exemplo.
Bolsonaro, o indiscutível vencedor de 2018, está hoje bem atrás de alguns de seus ministros em matéria de popularidade. Dois deles, o da Justiça e o da Economia, dão-lhe surra épica em pesquisa idônea, produzida pelo mesmo instituto que previu sua vitória no ano passado, o Datafolha.
Acho que um presidente da República devia pensar bastante antes de falar. Sobretudo se vai comentar notícia pública, dessas que todos conhecem ou podem vir a conhecer. Não dá pra sair por aí temerariamente, a julgar a beleza ou a conduta dos outros, às vezes gente de quem nem teve notícia antes de lhe ocorrer comentá-la. Enquanto isso, ocorrências no mínimo lamentáveis nos enchem de vergonha, sem que ele sequer as critique.
Os responsáveis pelo tráfico de drogas e o pessoal das milícias, com o apoio de evangélicos terroristas, têm se unido com violência contra as religiões de matriz africana, destruindo terreiros e imagens sagradas. Em Parada de Lucas, proibiram os moradores de usarem roupas brancas que na visão deles remetem à umbanda e ao candomblé. De janeiro a agosto deste ano, houve 150 ataques a terreiros no Estado do Rio, um aumento de 120% em relação ao mesmo período do ano passado.
A discriminação, seja qual for, está sempre disfarçada por trás de princípios aparentes. Alunos da Escola de Música da UFRJ têm se recusado a cantar obras de Villa-Lobos, Mignone, Guerra-Peixe ou Waldemar Henrique, porque seriam obrigados a usar palavras de religiões afro-brasileiras, como orixá, Xangô, Obaluaê etc. No fundo, se comportam como denunciado por Joaquim Nabuco, para quem a Lei Áurea acabava com a escravidão no Brasil, mas não com as consequências dela em nossa sociedade. Essas ainda durariam por muitos anos.
Os sectários estão sendo incentivados à intolerância pelo prefeito do Rio. Esse homem, que deixa nossas ruas abandonadas, que não conserta o que é público e está danificado, que não faz nada contra roubos e crimes, que detesta samba e carnaval, nossa música e nossa festa, determinou a interdição de revista em quadrinhos em que personagens do mesmo sexo se amam. Uma revista exposta na Bienal do Livro, evento exemplar de tolerância e convivência democráticas. Curioso que uma das estrelas da Bienal é “Bom crioulo”, romance escrito em 1895 por Adolfo Caminha, que narra a história de amor entre um grumete branco e um marujo negro.
Sérgio Buarque de Holanda dizia que, no Brasil, se confunde conservadorismo com atraso. E o atraso está sempre armado, como declarou Bolsonaro: “Se eu levantar a borduna, todo mundo vai atrás de mim”. Olhem só o que pode estar nos esperando.Cacá Diegues
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