quarta-feira, 30 de março de 2016

PT criticava no julgamento de Collor o fisiologismo ressuscitado sob Dilma

Incorporado à base congressual dos governos petistas desde a gestão Lula, Fernando Collor foi alvo de ataques implacáveis do PT durante a tramitação do processo de impeachment que o arrancou do Planalto em 1992. As críticas eram mais ácidas quando se referiam à principal arma de resistência de Collor: o fisiologismo. Decorridos quase 24 anos, Dilma lança mão da mesma artilharia para tentar salvar o seu mandato. A diferença é que, agora, o PT já não acha o fisiologismo tão execrável.



“Não devemos dar como ganha a batalha do impeachment, porque o governo não vacila em reunir ao seu redor o núcleo fisiológico e corrupto que sempre o sustentou, utilizando-se de verbas, cargos e Ministérios para conseguir 168 votos nesta Casa e arquivar o pedido de impeachment”, discursou o então deputado José Dirceu (PT-SP), do alto da tribuna da Câmara, em 1º de setembro de 1992.

Hoje, Dilma precisa de 172 votos para barrar o seu impedimento. No esforço para obtê-los, radicalizou a tática do fisiologismo. Já não negocia apenas com as cúpulas partidárias. Abriu um varejão em que as emendas orçamentárias e os cargos são ofertados em negociações individuais. Estima-se que o rompimento do PMDB com o governo, formalizado nesta terça-feira, levará para esse balcão algo como 500 cargos federais. Uma farra.

Preso em Curitiba, o Dirceu de hoje talvez tenha saudades do deputado combativo que foi em 1992. “O presidente mente ao país, devendo, por isso, responder por crime de responsabilidade”, dizia o ex-Dirceu. “É urgente que o presidente da República seja afastado do seu cargo pela Câmara dos Deputados e julgado pelo Senado Federal. Só assim poderemos recompor a unidade político-partidária e as funções político-administrativas do governo.”

Imaginava-se que o impeachment de Collor e a posse de Itamar Franco —o Michel Temer daquela época— entrariam para a história como marcos redentores da política nacional. Mas deu tudo errado. Hoje, suprema ironia, Dirceu e Collor coabitam o mesmo escândalo. Patronos de algumas das nomeações de petrogatunos efetivadas no governo Lula, os dois são protagonistas do petrolão. Uma evidência de que, com o tempo, o vocábulo governabilidade, cultuado por todos os governos do Brasil pós-redemocratização, tornou-se um abracadabra para a caverna de Ali-Babá.

Na mesma sessão do dia 1º de setembro de 1992, discursou o então deputado José Genoino (PT-SP). Ele ecoou o companheiro Dirceu, carregando nas tintas morais: “A sociedade tem de optar entre os que querem acabar com a impunidade e os que querem que ela continue prosperando debaixo dos conchavos, das negociatas que levaram o país a esta decadência ética e moral.”

Genoino é, hoje, um ex-integrante da bancada do PT na penitenciária da Papuda. Trancado nos rancores que colecionou durante o processo do mensalão, tornou-se um ex-deputado recluso. Naquela época, ele dava as mãos ao asfalto: “Aqueles que querem fazer a cirurgia, independentemente de partido, têm de se juntar aqui dentro e nas ruas, para que a sociedade brasileira, que espera uma solução democrática e constitucional para esta crise, não venha a frustrar-se. Se a esperança desta juventude, que brotou das ruas, for sacrificada por algum jeitinho para manter este governo, estaremos sacrificando uma geração, estaremos sacrificando uma possibilidade histórica neste país.”

Na sessão de 22 de setembro de 1992, outro petista de mostruário, Paulo Rocha (PT-PA), escalou a tribuna da Câmara para metralhar a tática fisiológica de Collor: “…Os governistas continuam apostando na compra de votos, através da distribuição de recursos da União a fundo perdido e da intermediação de verbas a Parlamentares, para a rejeição do impeachment. Não podemos nos calar diante desse vergonhoso saque nas instituições públicas, dentro da lógica mais espúria do fisiologismo.”

Dias antes, em 9 de setembro, Paulo Rocha, hoje um membro da bancada de senadores do PT, pedia pressa no julgamento de Collor: “…Este Congresso não pode mais esperar. O povo brasileiro está impaciente, angustiado, porque, além da crise política, está passando, por uma situação difícil. Os mais pobres estão em desespero.''

O Brasil retratado no discurso de Paulo Rocha também arrostava problemas econômicos: “…O país está parado. Qual a perspectiva de futuro para o nosso país? Qual a resposta das instituições brasileiras para a situação do Brasil? A resposta está aqui, no Congresso Nacional, em nossas mãos. […] Só aqueles que vivem do favorecimento, só aqueles que vivem mamando nas tetas da coisa pública, insensíveis, desonrados, traidores, não escutam o clamor da sociedade. Portanto, urge que este Congresso dê ao Brasil uma resposta política para as crises econômica e social. E, mais ainda, que dê uma resposta aos anseios da sociedade pela volta da moralidade na administração pública…”

A exemplo de Dilma, Collor também acusava os partidários do impeachment de golpistas. Dizia que eles integravam um “sindicato do golpe”. Na mesma sessão do dia 9 de setembro de 1992, o petismo contou com a ajuda de um velho aliado, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), para se contrapor à pregação de Collor.

Aldo, hoje ministro da Defesa de Dilma, realçou na época que o processo de impeachment guiava-se pela Constituição. E lembrou que o texto constitucional é especialmente generoso com o acusado: “Quanto ao prazo para o direito de defesa do presidente da República, está este mais do que assegurado. Querem melhor proteção, querem mais democracia, querem mais direito de defesa do que esta Casa precisar de dois terços de seus votos para autorizar processo contra um corrupto? Para que mais proteção? Para que mais democracia? Para que mais direito de defesa? Para garantir a absolvição de um cidadão evidentemente envolvido em falcatruas?”, indagou Aldo.

Ele prosseguiu: “Os senhores precisam de apenas um terço para negar e nós precisamos de dois terços dos votos desta Casa para autorizar o Senado Federal a processar o Presidente da República. Então, que se calem essas vozes da inquietude da intranquilidade, porque democracia aqui existe e está assegurada pelo quórum e pelo supremo direito de defesa que esta Casa e o Senado Federal haverão de assegurar ao Excelentíssimo senhor presidente Collor de Mello.”

Também presente à sessão, José Dirceu deu de ombros para os que enxergavam golpe no impeachment: “…Se querem protestar, que protestem contra a Constituição e contra o constituinte que estabeleceu apenas a autorização para esta Casa. Além disso, o senhor presidente da República tem o direito da defesa prévia na admissibilidade. E esta Casa, também com base na Constituição de 1988, concedeu ao presidente Fernando Collor um direito que presidente de país nenhum tem: Sua Excelência só poderá ser processado e julgado pelo Senado da República depois da autorização de um quórum ultraqualificado de dois terços de Deputados.”

Oito dias antes, José Genoino soara ainda mais peremptório no plenário da Câmara: “Está provado que aquele que se elege não está acima das leis e da Constituição; se cometer crimes contra a lei ou a Constituição, aqueles que o elegeram podem lhe tirar o mandato.”

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