Mas o momento áureo da composição acontece com este primoroso diálogo: “E aquele filho milionário?”, pergunta o juiz. Lula responde: “Excelência, também não é meu.”
É possível que a música conquiste o público português. Não apenas pela beleza do ritmo e pela riqueza narrativa. Mas porque os portugueses conhecem bem este samba – ou, melhor dizendo, este fado.
Em novembro de 2014, o ex-premiê José Sócrates foi detido no aeroporto de Lisboa por suspeitas de corrupção, fraude fiscal e lavagem de dinheiro. Preso preventivamente durante quase um ano, o homem que liderou Portugal entre 2005 e 2011 – ou, para os íntimos, da grande promessa à grande bancarrota – aguarda agora acusação formal para ir a julgamento.
Mas o que espanta na história de Sócrates é que a sua defesa também assenta na generosidade de um amigo, empresário da construção civil. Durante a sua estadia em Paris, já depois de perder as eleições, o antigo premiê terá recebido centenas de milhares de euros desse amigo para viver com a dignidade inerente à sua biografia.
Esses “empréstimos”, como Sócrates lhes chama, eram entregues em mão porque, segundo os seus advogados, o ex-premiê não confiava no sistema bancário do próprio país que governara.
Mas o amigo não se limitava a “emprestar” fortunas colossais. A amizade era tão grande que o apartamento de luxo onde Sócrates viveu em Paris também era desse amigo.
Perante as histórias paralelas de Lula e Sócrates – eles próprios grandes amigos -, dou por mim a pensar na minha melancólica existência. Não sou má pessoa. Na idade certa, também li os conselhos do sr. Dale Carnegie sobre como fazer amigos e influenciar pessoas. E agi em conformidade.
Sou bom ouvinte. Sorrio com frequência. Tolero as imperfeições humanas. E tenho afeto pelos meus amigos da mesma forma que recebo o afeto deles.
Mas, aos 40 anos, uma pessoa sente que os “afetos” não chegam. Onde está o meu sítio? O meu tríplex? A minha casa em Paris? E por que motivo os meus amigos não me emprestam milhares ou milhões de euros a título de caridade?
Desconheço qual será o futuro judicial de Lula ou Sócrates. Mas uma coisa eu sei: não é crime ter bons amigos. Crime é não os ter.
Por isso deixo ficar um pedido público a ambos: partilhem a sabedoria acumulada. Na cadeia ou fora dela, Lula e Sócrates poderiam escrever um livro sobre a melhor forma de ter amigos ricos e bondosos. Eu ainda vou a tempo de mudar os meus.
Ser de esquerda tem algumas vantagens. Algumas? Eu diria todas. Nos grampos divulgados, Lula não é politicamente correto com as donzelas.
Em conversa com o ex-ministro Paulo Vannuchi, Lula pergunta: “Onde estão as mulheres de grelo duro do nosso partido?” Engraçado: eu julgava que o uso do “grelo” para designar certo atributo feminino era exclusivo de portugueses. Não é. Estamos sempre a aprender, irmãos.
Mas o melhor momento está no comentário sobre a intervenção policial na casa de Clara Ant, a diretora do Instituto Lula. “A Clara estava dormindo quando entraram cinco homens lá dentro”, diz Lula a Dilma. E acrescenta: “Ela pensou que era um presente de Deus, e era a Polícia Federal.” O problema desses grampos é que uma pessoa começa a simpatizar com Lula.
Não seria caso único. Como relata uma matéria desta Folha, muitas feministas, que tradicionalmente cortariam os “sacos” alheios perante tais insultos, afirmam que “grelo duro” pode ser até um elogio: significa “mulher forte” e, além disso, é uma expressão típica do Nordeste.
E sobre os cinco presentes de Deus para Clara Ant, a ONG Think Olga defende que é normal o desejo feminino por (cinco) homens. A própria Clara, ouvida a respeito, desvaloriza o caso: foi apenas uma piada para quebrar o grelo, perdão, o gelo.
Moral da história? Seja machista à vontade. Mas, primeiro, convém marchar com as patrulhas certas.
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