A BR-020 é uma estrada radial de longas retas que liga Brasília ao Piauí. Aproveitei o percurso para refletir sobre o rumo dos meus artigos. Vale a pena insistir nos erros de Dilma e do PT, ambos no volume morto? A maioria do povo brasileiro já tem uma visão sobre o tema.
Num hotel do oeste baiano, abri uma revista na mochila e me deparei com uma frase do escritor argelino Kamel Daoud: “Se já não há vida antes da morte, por que se preocupar com a vida após a morte?”. Ele se referia à sorte do septuagenário presidente argelino Abdelaziz Bouteflika, internado num hospital de Paris. Mas sua frase é uma pista para buscar outro rumo.
Visitei a cidade de Luís Eduardo Magalhães (BA), um polo do agronegócio. Ali se tornaram campeões mundiais da produtividade nas culturas do milho e da soja. Construíram um aeroporto com uma pista de 2 mil metros, quase o dobro da pista do Aeroporto Santos Dumont. Numa só fazenda, vi uma lagoa artificial maior que a Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio. O número de habitantes ali cresceu 300% em 15 anos. Tudo marchou num progresso acelerado, em níveis chineses – pelo menos os do passado recente. Mas a crise começa a afetar até mesmo essas áreas do agronegócio, que exporta e se favorece com o preço do dólar. Somos todos interligados.
A região depende de um Estado e de um governo federal mergulhados numa grave crise. Mesmo para os que estão bem situados há um desejo de achar o caminho do desenvolvimento, sair dessa maré.
É possível que alguma forma de unidade nacional possa ser alcançada pelos que querem superar a crise. E o ajuste na economia deve ser a base de seu programa. Quando digo alguma forma de unidade nacional, deixo de fora aqueles que ainda creem que um ajuste seja o caminho errado. Gostaria de incluir aqueles que acham o ajuste um caminho certo, mas agem no Parlamento como se não houvesse amanhã: gastos e mais gastos.
O fator Grécia continua perturbando os que romanticamente acham possível desafiar as leis do capitalismo: aqui se faz, aqui se paga. Admiradores de Cuba e Venezuela se voltam, agora, para a Grécia democrática, sem perceber que estão apenas trocando de fracasso econômico.
A realidade impôs à esquerda grega uma tarefa mais árdua do que seus antecessores. O governo teve de passar no Congresso um projeto mais draconiano do que a direita tentou, sem êxito, aprovar. O plebiscito disse não, o próprio governo de Alexis Tsipras disse não e, no entanto, o acordo com a Europa diz sim às condições dos credores.
O que o exemplo mostra também é que, às vezes, saídas românticas podem conduzir a um processo de humilhação nacional. No caso grego, creio, houve uma diferença de tom entre a França latina e a Alemanha. Os franceses acham que os alemães têm um enfoque vingativo. William Waack, que foi correspondente na Alemanha, lembra do fator cultural. Num país de formação calvinista, a palavra dívida é a mesma de culpa: Schuld.
Não creio que as coisas sejam as mesmas entre países tão diferentes como a Grécia e o Brasil. Mas um colapso econômico, com bancos fechados, é sempre uma lição.
Não existe necessariamente uma catástrofe no horizonte brasileiro. Mas seria bom que houvesse uma discussão sobre as premissas para sair da crise e algum compromisso com elas.
A oposição tem seus objetivos eleitorais. Precisa combater o PT. Mas o combate erradamente, quando usa os mesmos métodos do adversário, falando uma coisa, fazendo outra. Buscar uma saída estratégica não jogaria a oposição no volume morto. Muitas pessoas que encontro pelo País estão ansiosas não pela solução imediata da crise, mas por um sentimento de que o barco anda no rumo certo. O grande motor seria a política. A crise econômica depende do impulso favorável do processo político.
Há três frentes acossando o Planalto: TCU, TSE e Operação Lava Jato. Isso tem uma certa autonomia, não depende de ajuda. Dilma se encontrou com Lewandowski em Portugal. Supremo e Planalto se encontram, discretamente, em Porto. Não vou especular sobre o que disseram. Lembrarei apenas que se encontraram em Porto no auge da crise.
Mesmo neste caos, é preciso encontrar saídas. Na política, ela passa pela punição dos culpados de corrupção e campanhas pagas por ela. Simultaneamente, precisava surgir algo no Parlamento e na sociedade, um desejo real de superar a crise, uma unidade nessa direção. No momento, estamos saudando a mandioca e vivendo num parlamentarismo do crioulo doido.
Se estivéssemos vendo o Brasil de uma galáxia distante, até nos divertiríamos. Mas eles estão entre nós.
É preciso pensar o pós-Dilma. Ela fala muito em queda, parece preocupada com isso. Não deve doer tanto. Collor caiu e reaparece – como coadjuvante, é verdade – no maior escândalo do século. E muito mais rico: do Fiat Elba ao Lamborghini.
É preciso, pelo menos, pensar o País sem Dilma, deixá-la balançar na etérea sala do palácio, criar uma unidade em torno de um ajuste possível, recuperar o mínimo de credibilidade no sistema político.
Nas eleições, os políticos gostam da imagem de salvador. Isso não existe. Mas, no momento, ao menos poderiam dar uma forcinha criando um pequeno núcleo suprapartidário buscando uma saída, apontando para o futuro. Seria ignorado? Por que não experimentar? Um dos piores efeitos da crise são o desânimo e a paralisia. Por onde ando, vejo um compasso de espera. A maioria sabe que uma pessoa que mal se equilibra não consegue liderar o Brasil durante a tempestade. É preciso extrair as consequências dessa incômoda constatação.
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