Em relação às populações nativas, sofreram o extermínio na chamada Conquista do Deserto e sucessivas campanhas militares, como as do general Roca, e foram depois consumidas pela marginalização. Hoje, apenas 2% dos argentinos se consideram membros das etnias originárias.
A Argentina, dizíamos, é um simples exemplo de uma realidade continental. Sobre alguns elementos, como as denúncias de frei Bartolomé de las Casas contra a crueldade exercida sobre os nativos no começo do século XVI, e o fato de que muitos colonizadores espanhóis tiveram descendência com nativas, se construiu um peculiar mito segundo o qual na América Latina a questão racial seria menos sangrenta do que na América de colonização anglo-saxã. É, de fato, um mito.
A questão racial continua sendo um dos pontos fundamentais dos conflitos políticos, especialmente nos lugares em que são mais numerosos os membros de populações nativas e os descendentes de escravos. Jair Bolsonaro sabia que estava ganhando votos quando, após visitar uma comunidade quilombola em 2017, comentou jocoso que “o afrodescendente mais magro ali pesava sete arrobas” e que não serviam “para nada”. “Já não servem nem para procriar”, comentou, rindo.
A Bolívia é o único país latino-americano em que os povos nativos são maioria: 62% dos habitantes, de acordo com dados das Nações Unidas. Quem quiser captar a essência do conflito político e social que ameaça destruir o país deve levar muito em consideração esse fato. Seria bem engraçado escutar os argumentos do novo e espantosamente ilegítimo Governo (ilegitimidade que não justifica os desmandos cometidos por Evo Morales) sobre como são pagãos, selvagens e desprezíveis os índios com suas polleras (traje típico) e sua Pachamama, se não fosse pelo fato de que essas pessoas que assaltaram o poder com a Bíblia na mão encarnam o horror do supremacismo mais estúpido.
É difícil entender, a essas alturas, o prestígio de uma pele branca. O caso é que esse prestígio se mantém. O caso é que todas as oligarquias dessa parte do mundo (caudilhos e burocratas da revolução) veneram a pele branca e a origem europeia de antepassados tão famélicos e desesperados como qualquer imigrante. O caso é que as coisas não têm solução razoável se esse delírio da raça não for superado previamente.
Nenhum comentário:
Postar um comentário