Para a sociedade brasileira a vertigem da política atual é inusitada e enlouquecedora. Nas redes sociais a violência simbólica aumentou até plasmar-se em fatos concretos nas ruas. A palavra se fez carne (em parte porque a mesquinhez do diálogo público é colossal).
As “delações premiadas” dos implicados na Operação Lava-Jato abriram a caixa de Pandora do todos contra todos. Como em um estado primitivo de natureza animal, cada ator se mantém quieto, refugiado na mata de seu silêncio, aguardando que uma flecha o atinja: então, inicia um movimento precipitado para desvincular-se dos fatos que o cercam. Ao ser pego todos sabem que poderá envolver outros: na prisão os códigos já não existem.
Dias atrás a empresa Odebrecht, cujo ex-presidente já foi condenado, manifestou seu firme desejo de colaborar com informações sobre os destinatários políticos dos subornos. Muitos já não conseguem dormir. Trata-se de uma caçada em território reduzido.
Uma boa parcela dos eleitores do PT – entre os quais muitos intelectuais universitários influentes – está decepcionada. Nos anos 2000 defenderam o discurso ético petista que atacava a corrupção arraigada no poder. A esperança de uma mudança estrutural foi tão alta que a dor do desmoronamento foi muito profunda. Segundo as investigações, Lula apareceria tendo grave conluio com empreiteiras. O esbanjamento põe em evidência um drama regional que excede em muito o PT: o financiamento da política.
Nem a economia nem os amigos ajudam. Ator central na história do PT e ex-líder do partido no Senado, o delator Delcídio do Amaral acusou Dilma e Lula de obstruírem as investigações. Nessa atmosfera, a presidenta Dilma Rousseff optou por jogar cartas que parecem estar marcadas (por seus opositores). Ante a possível prisão de Lula, ela o nomeou chefe da Casa Civil. A nomeação saiu à tarde em uma incomum edição extraordinária do Diário Oficial. A celeridade foi quase uma delação.
A estratégia de Dilma de refugiar-se em seu núcleo duro parece frágil em várias frentes: não consegue proteger Lula nem salvar o eleitorado do PT nem resguardar o próprio mandato constitucional dos predadores. Há quem pense que, ao nomear Lula, Dilma cometeu suicídio: colocou o problema na Casa do Governo. Agora ela é o problema.
Para dizer a verdade, a tarefa é ciclópica: Mensalão, pedaladas fiscais, Lava-Jato, Petrobras, propriedades não declaradas, entre outros.
Na terça-feira, em uma brevíssima reunião, o camaleônico PMDB, principal aliado do PT desde 2003, deixou a coalizão e renunciou a todos os seus cargos de poder em nível federal, incluídos os ministérios. Uma jornalista perguntou em off a Eduardo Cunha por que levaram três minutos para romper uma aliança de 13 anos. A resposta informal: demoramos muito, um minuto bastava.
Entretanto, o nome do líder do PSDB, Aécio Neves, que disputou a última eleição presidencial com Dilma, apareceu na semana passada nas listas do que seria a contabilidade paralela da Odebrecht. Esta empresa tinha um departamento específico dedicado aos negócios obscuros, que alcançam outros países da América Latina. Isso está só começando. Vai ser preciso comprar mais pipoca.
A estratégia atual do Governo parece ter três caminhos. Em primeiro lugar, tentar mobilizar o sentimento das bases sociais do partido que veneram a figura de Lula. Em segundo lugar, ir para o confronto contra os vieses do poder judicial. Em terceiro lugar, seguir os libretos de campanha do também implicado João Santana: provocar medo, mostrando que se trata de um Golpe de Estado sem nenhum tipo de nuance: “Nós, a democracia que é preciso proteger” ou “Eles, os golpistas de sempre”. A estratégia binária desses dois últimos pontos é arriscada e o PT deveria lembrar-se que na Argentina contemporânea não deu resultado.
A cereja do bolo é que há quem expresse que certos políticos desejam conseguir o impeachment de Dilma para depois frear a investigação da Lava-Jato que os compromete. Tudo é possível neste chiqueiro.
Lava-Jato é o nome de uma bomba que já mostrou que tem um estilhaço para cada um. É só sentar e esperar: o impacto chegará.
Nicolás José Isola
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