sexta-feira, 1 de abril de 2016

Interesse público

Os escândalos que nos últimos dias ocupam a maior parte dos noticiários trouxeram para a vida dos brasileiros um componente muito mais grave e duradouro do que as piores consequências políticas que podem ocorrer a curto ou médio prazo.

O repertório de práticas ilegais, que isoladamente já se configuram crimes passíveis de rigorosas punições, é aumentado a cada dia pelas revelações de novos delitos. Se antes a profusão de más notícias chegava a se banalizar, por saturação, na cobertura da mídia e na percepção da população, hoje parte da sociedade está mobilizada e atenta. As ruas pedem “higienização” da política, em manifestações muito maiores do que se esperava.

O maior perigo deste cenário não está ligado à permanência de pessoas em seus postos públicos, nem mesmo à posição dos partidos no ranking do poder, mas ao aprofundamento da cultura da corrupção, que leva a descrença às instituições e aos princípios que alicerçam a vida social.


Na crise que hoje vivemos estão em jogo a própria democracia e o interesse público, onde deveria estar o mais alto padrão ético aplicável aos assuntos políticos. O ponto central ao se falar de algo que seja bom para o público em geral, em vez de bom apenas para uma parte dele, é estabelecer o contraste entre o bem superior e o bem inferior.

O interesse público não precisa implicar que todos os homens sejam dotados de benefícios iguais, mas implica sempre que todos devem ter oportunidades e receber o que lhes é devido. O simples fato de distinguirmos os homens entre o bem e o mal obriga-nos a pensar e escrever a respeito da ética, e entre os mais importantes desses problemas estão os supremos objetivos da vida política.

Por princípio, numa democracia, o poder vem de nós que o delegamos para que o Estado dirija as ações em nosso nome. Por isso, quando trazemos à baila o tema do relacionamento ético dos cidadãos entre si e na interface com os poderes públicos, a questão se agudiza. A ética pressupõe a liberdade e a capacidade de decidir, de escolher e de julgar. Há uma briga na vida que vale a pena ser brigada: a luta pela dignidade coletiva, sem a qual não há esperança.

A realidade política brasileira exercita o relativismo ético da conveniência, que é mais ou menos como falar: “Eu sei que não devo fazer caixa dois, mas, se eu não fizer, não consigo financiar a campanha”. Daí os escândalos que se sucedem e a crise moral que aflige os altos escalões do governo.

O artigo 37 da Constituição determina que as autoridades conduzam seus atos com impessoalidade e moralidade. Simpatias pessoais e/ou interesses de facções e grupos ligados ao governante não podem interferir na gestão da coisa pública.

Aqueles que estão atentos ao interesse público estão sempre se referindo aos supremos objetivos morais de uma associação política, embora possam não ter plena consciência disso. Fundamentos, instituições e política são sempre mutuamente interdependentes.

A sólida proteção das liberdades civis depende de um governo que dialogue com a sociedade e exige um ambiente respeitoso, voltado para a verdade. É o que ainda nos falta nestes dias tumultuados.

Carlos Alberto Rabaça

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