domingo, 16 de agosto de 2015

'A confusão é geral"

O capítulo é pequeno, como, em geral, o são os de Machado de Assis. Nem por isso deixa de ser verdadeira obra-prima, dentro do conjunto quase inacabável de numerosas outras. Falo do Capítulo CXXIII / Olhos de Ressaca, de “Dom Casmurro”. Em poucas linhas, descreve o velório do personagem Ezequiel, a partir das lágrimas de Sancha até os olhos de Capitu, que “fitaram o defunto, quais os da viúva, sem o pranto nem as palavras desta, mas grandes e abertos, como a vaga do mar lá fora, como se quisesse tragar também o nadador da manhã”.

Lendo “O Globo”, dei com o artigo de Ricardo Noblat “Receita para salvar Dilma”. Machado pousou novamente, agora com as “Memórias Póstumas”, Capítulo VII / O Delírio, outra obra reservada apenas aos gênios mais extraordinários. Passou-me, enfim, o artífice da língua inglesa – Shakespeare – também genial trapezista da ironia, em quem a beleza criadora jorrou talento para estruturar-lhe a altíssima arte.

Desçamos aos altiplanos estéreis e tórridos da capital federal, que tem incendiado a terra brasileira. Aos hipocondríacos, recomendo a crônica política de Noblat para deleite com a sua (proposital, suponho) panaceia para salvar a presidente Dilma do precipício para o qual, desde o início, estava destinada. Algo sarcástico, decerto indignado com o roteiro que sacode uma nação inteira pelos males que infligiram ao país, os julgamentos requerem o sal da severidade e do rigor.

Uma breve reflexão sobre a lambança consumada durante o equivalente a três mandatos sob o tacão do lulopetismo mostra e sobreleva, com precisa exatidão, a autocrática irresponsabilidade do Nosso Guia, mormente na segunda metade do primeiro mandato e no erro crasso cometido pelo seu espírito de baraço e cutelo com quem ousa contrapor-lhe o peito às cordas do mandonismo; está incontroverso na imposição da sra. Dilma Rousseff.

Aí está a gênese de tudo. Nada se podia contra a imprudência fatal do Nosso Guia, e, assim, o roteiro não teria como ser outro. Leviano, irresponsável, arrogante e ignorante do peso da governabilidade em regime democrático, sobretudo uma espécie de dono incontrastável da nação, resumiu a sua tarefa de indicar um nome capaz de dirigir um imenso e complexo país à ligeireza e superficialidade de não prestar a mínima atenção na decisão monocrática a que se arrogou. Era assim que queria, e ousasse alguém divergir. Apenas trovejou para a patuleia perplexa do PT um nome desconhecido, cristão-novo não testado e descredenciado para a mais alta curul política do Estado. Nem a premiada com a escolha teve a veleidade de pleitear sua candidatura que, mesmo em sonho, não ousou ter. O PT baixou a cabeça em sinal de obediência: o Olimpo ditou, “tolitur quaestio”.

Aqui estamos hoje, como um povo patético com a dignidade desrespeitada e o patrimônio diminuído pelos escândalos dos assaltos bilionários aos bens da nação. O mandatário reconfirmado busca recuperar a fugidia legitimidade devastada. A reempossada presidente já não governa; ficou limitada a vagar, sinistramente, pelos corredores assombrados do Palácio da Alvorada, incomodada pelas visões soturnas das almas penadas dos seus antecessores.

Contudo, só lhe sobra da aventura um governo sem rumo e direção, e apenas uma saída: a renúncia. Collor renunciou, mas está longe de qualquer modelo moral que nunca teve, o dele. Não perca o seu, sra. presidente.

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