Por outro lado, entre janeiro e outubro de 2024, as exportações do agronegócio brasileiro somaram US$ 140,02 bilhões, representando 49,2% da pauta exportadora total brasileira no período. No livro Direito econômico e soberania alimentar, procuro contribuir para o diagnóstico e a solução desse dilema histórico: somos uma potência na produção agrícola e alimentar convivendo com o drama da fome e dos altos preços dos alimentos. Tal situação não é aceitável. Somos e devemos ser melhores do que isso. Podemos alimentar o mundo, mas devemos alimentar os brasileiros.
A fome é inescapável à história. Josué de Castro demonstra que o problema atinge os continentes de forma desigual, determinando a organização da vida humana de modo variado, a depender da região geográfica, do meio ambiente, dos modos de vida. Em suas palavras: a fome é uma "praga fabricada pelo homem".
Desde a fome ideologicamente apresentada como "fenômeno natural" e ferramenta do equilíbrio populacional (Malthus) à expansão colonial europeia do século 19, impulsionada pela necessidade de alimentos; até as greves de fome das mulheres inglesas pelo direito de votar no início do século 20, ou de Gandhi na luta pela independência da Índia; a fome é relacionada ao poder. O livro pretende estudar e ofertar soluções a esse dilema. Imaginar e propor soluções para o Brasil que queremos.
Para desvelar a estruturação social da produção e distribuição de alimentos, temos que discutir as noções de direito humano à alimentação, segurança alimentar, soberania alimentar e soberania sobre os recursos naturais, que implicam distintas perspectivas políticas e econômicas, com formas jurídicas diversas. As relações entre Estados nacionais e a conformação do sistema alimentar mundial a partir das suas estratégias de soberania alimentar devem ser conhecidas, pois a organização e o controle da produção e comércio alimentar ocorrem no âmbito do "sistema alimentar mundial", em que os Estados centrais e suas corporações ocupam e disputam constantemente posições de soberania e poder.
Os países desenvolvidos mobilizam diversos e consideráveis recursos visando à garantia de abastecimento alimentar, preços adequados aos produtores agrícolas, controle de tecnologias estratégicas e mercados internacionais para a diversificada gama de produtos agrícolas, que vão desde commodities até insumos (sementes e fertilizantes) e equipamentos de alta complexidade.
O comando da Organização Mundial do Comércio (OMC) na regulação do comércio internacional, instrumental aos interesses dos países centrais e suas corporações produtivas e financeiras, bem como a crise da hegemonia norte-americana frente à China, são processos a serem desvendados. As tensões distributivas entre centro e periferia e internas a cada país expressam o exercício do poder em condições sociais determinadas e apenas podem ser apreendidas por análises específicas: a teoria do subdesenvolvimento de Celso Furtado nos permite decifrar as questões agrária e agrícola brasileiras, cuja solução permanece inacabada, como demonstra o complexo produtivo da soja. Para resolver nossos problemas, temos que pensar com a própria cabeça.
O direito é uma arena central dessa disputa de poder: a ordem econômica brasileira, com seus comandos finalísticos de desenvolvimento, soberania, erradicação da pobreza e redução das desigualdades sociais e regionais, determina a política agrária, agrícola e alimentar, enfatizando a simultânea dimensão ecológica e tecnológica do desenvolvimento. Os deveres com a alimentação da população pertencem e obrigam a todos os entes da federação, em cooperação. Não é aceitável haver fome em uma potência agrário-exportadora. O Brasil dará o passo político para superar esse atraso e será a generosa nação sonhada pelo fundador de Brasília, Juscelino Kubitschek.
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