Produto de crenças ou anúncios proféticos que afetam a imaginação humana, o fato é que o Brasil tem assistido e vivido catástrofes reais na repetição de inundações e incêndios de proporções devastadoras em que a sensação de horror gera o medo generalizado de que esta associação inacreditável – o fogo e a água – prenuncie o cenário do apocalipse.
Um enorme pedaço do Brasil está pegando fogo; outro, morrendo afogado. É o que revelam as gigantescas labaredas associadas ao imenso volume de inundações que destroem mais a bela, diversificada e generosa natureza do planeta: a natureza brasileira. Por consequência, ameaçam seriamente a vida na sua totalidade.
O choque da paisagem que dissemina a destruição e o medo das pessoas é revoltante porque a obra não decorre dos desastres naturais ou acidentes pontuais: é o resultado da ação enfurecida da cobiça humana.
O que mais fere o cidadão brasileiro é a dimensão perversa do crime porque atinge mortalmente o mais precioso patrimônio da nação brasileira: a natureza que lhe deu o nome de batismo e abriu as portas do futuro. O singularíssimo patrimônio, além do valor concreto, econômico, estratégico, sempre foi uma fonte de inspiração para os espíritos sensíveis à ética da vida e à estética da criação artística.
O anúncio do colonizador, em 1500, “terra à vista”, foi um o grito premonitório, pois, segundo, Caminha, “a terra em si é de muito bons ares, frescos e temperados […] Águas são muitas; infinitas. Em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo por causa das águas que tem!”
O deslumbramento com o “novo mundo” era o ponto convergência dos dois olhares conflitantes do ato fundador do Brasil: uma visão edênica cheia de arrebatamento romântico proclamando o mito do paraíso perdido; o olhar cúpido da exploração colonialista.
O “espírito do tempo” acolhia com benevolência e, até mesmo com entusiasmo, a ambição econômica, para além dos metais e pedras preciosas, a despeito de vozes que, em reflexões antecipatórias atribuíam valoração concreta e afetiva ao patrimônio natural.
É o que certificam as ideias de José Bonifácio de Andrada e Silva, o Patriarca da independência, personagem de sólida e eclética formação intelectual (Direito, Filosofia Natural, Matemática, pesquisador naturalista e mineralogista). Há dois séculos, escreveu: “Destruir matas virgens, como até agora tem sido praticado no Brasil, é crime horrendo e grande insulto feito à mesma natureza. Que defesa produziremos no tribunal da Razão, quando nossos netos nos acusarem de fatos tão culposos”. Uma referência que dá a dimensão Bonifácio: em 1790 publicou seu primeiro trabalho científico na defesa da preservação das baleias.
No Início do século XX, Euclides da Cunha descreveu a dinâmica da economia nacional: “Temos sido um agente geológico nefasto, e um elemento de antagonismo terrivelmente bárbaro da própria natureza que nos rodeia […] não há exemplo mais típico de um progresso às recuadas. Vamos para o futuro sacrificando o futuro como se andássemos nas vésperas do dilúvio” (Obra Completa, Rio, Ed. José Aguilar, 1966, Vol. I, p. 181).
Ainda no século XIX, a luminosidade das mentes abolicionistas, a exemplo de Rebouças e Nabuco, revelava um diagnóstico ambiental desalentador causado pelo vetor da destruição, a escravidão, que ao queimar florestas, esgotar o solo, produzia uma população miserável de proprietários nômades.
Não faltaram, mundo afora ideias, que semearam uma nova consciência ambiental, a princípio, ignoradas e, até certo ponto, consideradas ingênuas ou subversivas, frente a uma noção linear progresso assentada em dois pilares falaciosos: o crescimento econômico, qualquer custo, é um bem; os recursos naturais são inesgotáveis.
Bastaram dois séculos para demonstrar que as sucessivas revoluções industriais comprometeriam gravemente os limites biofísicos da natureza e, sequer, distribuíram equitativamente a afluência nunca vista na história. É o ponto dramático a que chegamos: natureza escassa e desigualdade social extrema.
O risco é real e a ameaça de uma catástrofe planetária tem data marcada para acontecer. O estimado leitor, então, poderia indagar: se era para enfatizar os eventos catastróficos por que não começou o artigo pelas causas, agora, resumidamente, mencionadas?
Por uma simples razão, a raiz mais profunda da crise ambiental está fincada na relação entre o Humano e a Natureza, o Dominante e a Dominada como se fossem realidades separadas ou entidades antagônicas. Ou seja, o rumo do dualismo antropocêntrico entrou em rota de colisão com os limites planetários. Generosa, a natureza, afirmam alguns pensadores, não se vinga, mas reage. A semântica não altera a tragédia anunciada. Somos a Unidade ou nada seremos.
É fundamental compreender que a natureza tem um valor intrínseco. Respira, expira, transpira, acolhe, expulsa, afaga, castiga e nesta variedade de sentimentos, emoções, ela se integra na comunhão dos cuidados.
A partir desta mudança, que venha de dentro para fora, o futuro é possível. No Brasil, natureza escolheu o domicílio para todos os biomas. O singularíssimo pampa; a heroica caatinga; a colorida mata atlântica; o generoso cerrado; o acolhedor pantanal; a monumental Amazônia, um bem da vida, como dizia o poeta Thiago de Melo.
Não por outra razão, a natureza é fonte de inspiração e afeto dos poetas, romancista, cancioneiros: Gonçalves Dias (Canção do Exílio); Guimarães Rosas (Grande Sertão: Veredas); Luiz Gonzaga (Asa Branca); Cecília Meireles (Mar Absoluto); Érico Veríssimo (O Tempo e o Vento) e por aí vai.
Somente o poder do amor e a força da arte são capazes de colocar o fogo e a água nos seus devidos lugares para não se consumar a sabedoria indígena: “só quando a última árvore for derrubada, o último peixe for morto e o último rio for poluído é que o homem perceberá que não pode comer dinheiro”.
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