quinta-feira, 11 de julho de 2024

A inteligência artificial prejudica o meio ambiente

Não há dúvidas de que a inteligência artificial (IA) é um setor em pleno desenvolvimento. Graças, em parte, ao entusiasmo em relação a novas ferramentas como o ChatGPT, concebido pela empresa americana OpenAI, que é financiada pela Microsoft e cofundada pelo bilionário Elon Musk.

O ChatGPT tem a capacidade de conversar, enviar mensagens de texto e compor poemas e ensaios de uma forma surpreendentemente humana. E isso desencadeou uma corrida entre gigantes da tecnologia para lançar no mercado produtos semelhantes e, possivelmente, mais sofisticados.

Com isso, os investimentos em IA também crescem rapidamente. Hoje, estima-se que esse mercado esteja avaliado em 142,3 bilhões de dólares (129,6 bilhões de euros). A expectativa é de que cresça para quase 2 trilhões até 2030.

Os sistemas de IA já estão presentes na vida cotidiana de várias maneiras. Ajudam, por exemplo, pessoas, governos ou empresas a trabalhar com mais eficiência e a tomar decisões baseadas em dados. Mas também têm suas desvantagens.

Para que os modelos de IA possam realizar suas tarefas, eles precisam processar montanhas de dados. Ou melhor: ser "treinados" para isso. Para aprender a reconhecer a imagem de um carro, um algoritmo precisa examinar milhões de imagens de carros. No caso do ChatGPT, ele é abastecido com vastos bancos de dados de texto da internet para aprender a lidar com a linguagem humana.


O desenvolvimento disso ocorre em datacenters (salas de servidores), que demandam uma enorme capacidade computacional e consomem muita energia.

"A infraestrutura conjunta das centrais de computadores e das redes de transferência de dados é responsável por 2% a 4% das emissões globais de CO2 em todo o mundo [número próximo ao do setor da aviação]. Não é apenas a IA, mas ela é uma grande parte do problema", diz Anne Mollen, pesquisadora da organização não governamental Algorithmwatch, com sede em Berlim.

Em um estudo de 2019, pesquisadores da Universidade de Massachusetts, nos EUA, descobriram que o treinamento de um modelo de IA comum de grande porte pode emitir até 284 toneladas equivalentes a CO2 – quase cinco vezes as emissões de um carro durante toda a sua vida útil, incluindo a fabricação.
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"Quando li esses dados pela primeira vez, fiquei realmente chocada", diz Benedetta Brevini, professora associada de economia política da comunicação na Universidade de Sydney, Austrália, e autora do livro Is AI good for the planet? (A IA é boa para o planeta?).

"Se você pegar um avião de Londres para Nova York, as emissões de carbono serão de 986 quilos. Para treinar um algoritmo, no entanto, emitimos 284 toneladas. Por que não conversamos sobre como podemos reduzir essa pegada de carbono?", questiona Brevini.

Ainda assim, a estimativa baseada no estudo feito em Massachusetts se referia a um modelo de IA particularmente intensivo em termos de gastos de energia. Modelos menores consomem menos, podendo ser executados em um laptop. Mas os modelos que trabalham com a chamada deep learning (aprendizagem profunda), como algoritmos que fazem a curadoria de conteúdo de mídia social ou ChatGPT, exigem uma quantidade considerável de poder de processamento.

Além da "fase de treinamento" da tecnologia, outras emissões ocorrem quando o modelo é aplicado no mundo real, o que pode acontecer bilhões de vezes por dia – por exemplo, toda vez que um tradutor online traduz uma palavra ou um chatbot responde a uma pergunta. De acordo com Mollen, essa fase pode ser responsável por até 90% das emissões no ciclo de vida de uma IA.

Como a pegada de carbono da IA pode ser reduzida?

Todas as questões ambientais devem ser levadas em conta desde o início, inclusive na fase de projeto e treinamento do algoritmo.

"Temos que levar em conta toda a cadeia de produção e todos os problemas ambientais associados, especialmente o consumo de energia e as emissões, mas também a toxicidade dos materiais e o lixo eletrônico", argumenta Brevini.

Em vez de desenvolver modelos de IA cada vez maiores, como aponta a tendência atual, Mollen sugere que as empresas usem modelos menores com conjuntos de dados reduzidos e garantam que a IA seja treinada no hardware mais eficiente disponível.

O uso de datacenters em regiões que dependem de energia renovável e não requerem muita água para resfriamento também pode reduzir a pegada de carbono da IA.


Enormes instalações nos Estados Unidos ou na Austrália, por exemplo, onde os combustíveis fósseis compõem grande parte da mescla de energia, produzem mais emissões do que as da Islândia, que usa muita energia geotérmica, e as temperaturas externas mais baixas facilitam o resfriamento dos servidores.

Mollen ressalta que as gigantes da tecnologia têm um histórico muito bom no que diz respeito ao uso de energia renovável em suas operações. A Google, por exemplo, afirma ter uma pegada de carbono zero graças aos investimentos em medidas de compensação e tem como objetivo operar com energia livre de CO2 até 2030. A Microsoft se comprometeu a ser neutra em termos de CO2 até 2030 por meio do uso de tecnologias como a captura e o armazenamento de carbono. E o Grupo Meta planeja alcançar uma pegada líquida zero em toda a sua cadeia de valor até 2030.

A energia, porém, não é o único aspecto em relação ao impacto ambiental da IA. As imensas quantidades de água que os datacenters precisam para evitar o superaquecimento dos servidores causam grandes problemas em regiões com escassez de água, como em Santiago, no Chile, onde a presença do datacenter da Google "agrava a seca, e as comunidades locais estão protestando contra o centro e a construção de novos datacenters", diz Mollen.

Mesmo que as grandes empresas de tecnologia reduzam o consumo de energia de sua IA, há outro problema. E isso pode ser ainda mais prejudicial ao meio ambiente, destaca David Rolnick, professor assistente do Departamento de Ciência da Computação da Universidade McGill, no Canadá, e cofundador da organização Climate Change AI. Como exemplo, ele cita o uso de algoritmos na publicidade: "Eles são intencionalmente projetados para aumentar o consumo, o que certamente tem um custo significativo para o clima."

Rolnick também ressalta um relatório da consultoria de tecnologia Accenture e do Fórum Econômico Mundial, que prevê que a IA e a análise avançada ajudarão o setor de petróleo e gás a lucrar cerca de 425 bilhões de dólares até 2025.

O Greenpeace, por outro lado, tem criticado duramente os contratos de IA firmados entre empresas de combustíveis fósseis e Amazon, Microsoft e Google. Em um relatório, a organização ambiental disse que a Shell, a BP e a ExxonMobil usariam ferramentas de IA para expandir suas operações, cortar custos e, em alguns casos, aumentar a produção. Esses contratos "prejudicariam significativamente os compromissos climáticos assumidos" pelas gigantes da tecnologia.

Desde então, a Google declarou que não desenvolverá mais ferramentas de IA personalizadas para ajudar empresas a extrair combustíveis fósseis.
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É provável que o papel da IA se torne ainda mais significativo no futuro. E esse é outro motivo pelo qual Rolnick acredita que seja necessária mais regulamentação para garantir que o desenvolvimento seja sustentável e que não dificulte o cumprimento das metas de emissões de gases de efeito estufa.

"É uma questão de priorizar, intervir cedo e moldar as decisões que serão tomadas", diz ele.

Na União Europeia (UE), legisladores trabalham há dois anos em uma lei que tende a ser um marco na área. A IA deve ser regulamentada, e os respectivos riscos dos diversos aplicativos devem sofrer classificações. Até o momento, porém, ainda não está claro se as preocupações ambientais também serão levadas em conta no projeto de lei.

Enquanto isso, outros governos também estão trabalhando para regulamentar o uso da IA. Por um lado, para alavancar a inovação no setor e colher os benefícios da tecnologia. Por outro, para evitar possíveis ameaças e proteger seus cidadãos.
Natalie Müller

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