No início do governo Bolsonaro, quando a relação com o Congresso estava em momento crítico, deputados procuraram o presidente da Câmara com uma apreensão: acreditavam que estavam sendo gravados.
Os relatos não foram conjuntos, mas individuais, em diversas circunstâncias, uns consideravam que seus telefonemas estavam sendo grampeados, outros “sentiam” que estavam sendo gravados em suas conversas no Palácio do Planalto.
Eram mais percepções e temores do que fatos concretos que motivassem uma reclamação formal do presidente da Câmara. Até que um deputado com patente militar, ligado à comunidade de tecnologia de segurança de informação, disse a Maia que tinha certeza de que fora grampeado, e deu detalhes técnicos sobre o que poderia ter acontecido ao seu celular Android.
A revelação do ex-ministro Gustavo Bebianno de que o filho 02 Carlos Bolsonaro pensara em montar um esquema não oficial paralelo de monitoramento de políticos e jornalistas trouxe o assunto de volta ao noticiário e gerou desdobramentos.
Ontem, a revista Crusoé publicou em sua capa um amplo material sobre o tema, detalhando como o esquema teria sido montado. Não há dúvida de que o atual diretor da Agência Brasileira de Informações (ABIN), delegado Alexandre Ramagem foi quem inicialmente discutiu com Carlos e mais três agentes da Polícia Federal a estruturação de uma equipe que seria responsável por essa atividade. Mas não é possível afirmar, (apenas intuir), que ele sabia que o trabalho seria clandestino, embora patrocinado pelo novo grupo que ocupava o Palácio do Planalto.
Há o antecedente histórico do ex-presidente dos Estados Unidos Richard Nixon, político paranoico que procurou se proteger gravando clandestinamente as conversas no Salão Oval e grampeando seus “inimigos”.
Também objetivava impedir que vazamentos de documentos oficiais voltassem a acontecer como no caso dos Pentagon Papers, que revelou atuação ilegal do Departamento de Estado na Guerra do Vietnã. Essa equipe clandestina era conhecida como “plumbers” (bombeiros), e foi descoberta a partir da prisão de um grupo que invadiu a sede do Partido Democrata no prédio Watergate em Washington. A descoberta dos esquemas clandestinos levou à renúncia de Nixon ante a possibilidade de sofrer um impeachment.
O que é certo é que o General Santos Cruz, ex-ministro de Bolsonaro, conversou com o General Heleno sobre o assunto, e também Gustavo Bebianno, o primeiro a revelar formalmente essa tentativa do filho do presidente de montar um serviço de segurança paralelo ao já disponível pela presidência da República.
Houve o aconselhamento ao presidente da República, por parte dos dois ex-ministros, de que seria uma temeridade acobertar tal tipo de atividade, que poderia motivar um impeachment.
O ministro Augusto Heleno mais uma vez ontem negou a veracidade da tentativa de criar-se uma “ABIN paralela”. Mas não se referiu em nenhum momento ao filho do presidente, talvez indiretamente citado na definição de “devaneio de amadores”, como classificou a informação.
De fato, é tecnicamente equivocado chamar-se de “ABIN paralela” uma equipe clandestina de rastreamento de pessoas em posições “sensíveis”, embora seja jornalisticamente oportuno.
Mas as indicações são claras de que esse movimento foi feito. Se o esquema chegou a ser implementado a ponto de os deputados “sentirem” sua presença nas conversas políticas, é um tema para ser investigado mais a fundo.
Pode ser até mesmo que não tenha nem sido instalado, diante das advertências aos “amadores”. Ou, o que seria uma tragédia institucional, pode ser que tal esquema continue em plena vigência. Só uma investigação independente poderá esclarecer a situação.
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