Já o presidente Jair Bolsonaro tem reiterado uma saudável frouxidão ao ser confrontado com obstáculos, após cada um de seus arroubos. Toda aquela coragem indômita das redes sociais e pronunciamentos espontâneos não funciona muito bem no mundo real.
Há meses o núcleo duro do bolsonarismo, ao qual o presidente deve boa parte do que tem de aprovação, repete os mantras jacobinos de sua campanha. Resumindo, pressionar o Congresso e o Judiciário com massas nas ruas, quebrar o sistema e tal.
O elemento mais radical, que pede fechamento de instituições, está lá também —Bolsonaro não defendeu nada disso, mas nem tampouco condenou tais apoiadores.
Como em tudo nessa tragicomédia, o Twitter está aí por testemunha. O enredo olavista que desembocou na postagem de Bolsonaro na sexta teve uma de suas primeiras páginas públicas escritas pelo assessor internacional da Presidência, Filipe Martins, em 22 de março. Disse ele na rede social que era preciso “mostrar que o povo manda no país”.
“Mostrar” àqueles que classificou de adversários da “ala antiestablishment” do governo, ou seja, todo mundo. Aliás, de tanto acreditar numa conspiração marxista cultural mundial, a turma mimetiza delírios esquerdistas: troque o termo por “vanguarda do proletariado”, por exemplo.
Em 9 de maio, foi a vez do maior megafone virtual do bolsonarismo, o filho presidencial Carlos, reclamar das derrotas do pai no Congresso e dizer: “População, respeitosamente, acordemos!”. Noves fora sua gramática peculiar e o delírio de grandeza, fermentava ali o autogolpismo em estágio inicial abraçado enfim pelo presidente.
Abraçado e perigosamente amplificado com o apoio aos protestos pró-Bolsonaro do dia 26. O filho deputado, Eduardo, questionou por que criticavam o bolsonarismo se estudantes e a esquerda tinham ido à rua semana passada. Essa falta de noção acerca da instituição presidencial é um traço típico da primeira-família.
Uma concessão ao centrão ali, uma retribuição deles aqui, e o presidente parece ter jogado água no próprio chope ao anunciar que não participará do ato. Sempre pela onisciente voz do general Rêgo Barros, claro. Menos mal para o país que Bolsonaro exerça tal descompromisso com as próprias convicções, dado que até a um padre visionário andou recorrendo em suas postagens.
Novamente, foram os militares que operaram para segurar o chefe. Após perderem força relativa no embate recente com os olavistas, parecem ter recuperado capacidade de influenciar. O inédito sorriso do general Santos Cruz ao lado do inefável pastor Marco Feliciano sugere até algum tipo de acomodação.
Mas não foi só isso. A condenação por empresários, inclusive na nova classe que emergiu apoiando o candidato Bolsonaro, a perda de apoio da parte que se acha liberal de sua base e o racha explícito do grupo de WhatsApp que atende pelo nome de PSL ajudaram a modular a valentia presidencial. Até a próxima crise —se é que a atual realmente está em vias de acabar.</p>
A facilidade com que a situação escalou foi um lembrete sóbrio do novo normal em Brasília. Muita gente desassombrada, com farda ou não, já tomou nota do padrão.
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