Mas esse pormenor não diminui um milímetro a intransigência da nossa privilegiatura. “Sacrifício” e “contribuição” para o esforço de salvação nacional são palavras que não constam dos dicionários do Planalto Central mas esses 1% num prazo de 20 anos não se enquadram nessas categorias. A questão, aqui, não é de perda de qualidade de vida nem muito menos de sarcifício. É de perda de virgindade. É a criação do precedente que os aterroriza. Ceder a migalha que for da montanha de “direitos adquiridos” empilhados em cima da qual se refestela a fera pode expor o tigre de papel que devora o Brasil como o que é.
Vai que o país acorda!
Mesmo assim, fato é fato, até o providencial evento estrelado pela dupla Janot & Joésley da véspera da votação de 18 de maio de 2017, a reforma da previdência, por todas as contagens, ia passar no Congresso Nacional. E isso depois que uma maioria de deputados e senadores, um por um declinando seu nome e suas razões diante das câmeras da rede de televisão que os ameaçava de fuzilamento sumário, votou a favor da reforma trabalhista no primeiro horário nobre sem novela de que ha memória neste país. E o mesmo estava marcado para acontecer com a previdenciária. É tão negra a alma que se requer para continuar indiferente à chuva de balas perdidas e balas acertadas que implica não abrir mão desse 1% que já nem no Congresso Nacional, onde todos fazem jus aos privilégios visados, é possivel encontrá-las em numero suficiente.
Junto com o outro poder eleito, o Legislativo é sempre quem acaba recebendo toda a carga da cobrança pela desgraça nacional. Mas relevadas as figuras teratológicas que lhe fazem a fama e considerada apenas e tão somente a sequência dos acontecimentos desde a aprovação no voto da cláusula de barreira (1995) depois também derrubada pelo STF (2006), não se sustenta a acusação de que é ele quem barra as reformas sem as quais o Brasil não sai dessa sua anacrônica idade média. Sistematicamente, tem havido quem faça e quem desfaça para impedir todo e qualquer avanço institucional. E eles estão sempre nos mesmos lugares.
O fato presente em todas as mentes mas que os brasileiros dificilmente trazem à boca ainda é que nós estamos em plena vigência de uma forma mal camuflada do “excesso de democracia” bolivariano onde a vontade expressa do povo pode ser anulada e cassados os seus representantes eleitos ao arrepio da lei ao bel prazer de meia duzia de tiranetes. A terceirização das culpas para as próprias vitimas, o povo que “não sabe votar” basicamente porque não permitem que mudem as regras que o obrigam a votar como vota, só se torna possivel pelo viés sistemático com que trata esses acontecimentos a parcela das mídias de massa mais claramente embarcada nesse jogo de interesses inconfessáveis.
Alimentar qualquer ilusão a esta altura é suicídio. A festejada “recuperação da economia” não passa, por enquanto, de especulação em cima de uma expectativa de mudança cuja probabilidade real foi mais exatamente medida pela desclassificação do Brasil pela Standard & Poors que pela fervura da bolsa de valores, de resto doentia nesse paroxismo cheirando a Baile da Ilha Fiscal em que anda. Cinco estados não conseguiram pagar o 13º salário de 2017 e a maioria dos demais está na ponta da prancha para o mergulho. A pré-estréia do que vem vindo foi dada pelas polícias sem soldo deixando o crime rolar. Está caindo a ultima barreira antes do nada enquanto os “camisas pardas” do PT e profundezas são abertamente atiçados contra a parte sã do poder judiciário que, de Curitiba para cima, se tem mantido, por assim dizer, em claro “desafio atitudinal” à outra.
O Brasil só se começará a curar quando armar os eleitores dos instrumentos necessários para fazer com que finalmente se imponha a regra da maioria. A receita é conhecida: despartidarização das eleições municipais e eleições primárias para a remoção dos velhos caciques políticos, iniciativa para a apropriação da pauta nacional por quem tem o direito legitimo de defini-la, recall e referendo para impor a vontade dos eleitores aos seus representantes eleitos. Mas para que se torne possível sonhar com esse futuro é preciso antes impor a lei a quem a desafia com a força que se mostrar necessária e restabelecer os limites dos tres poderes, sem o que naufragamos já.
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